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Reflexão sobre a história da Toyota do Brasil sob a ótica do Sistema Toyota de Produção

O autor compartilha um pouco da sua experiência na Toyota do Brasil e apresenta um breve relato de como o TPS teve um papel decisivo na consolidação da empresa até os dias de hoje.

Com o objetivo de compartilhar um pouco com você a minha experiência de 13,5 anos na Toyota do Brasil, apresento um breve relato de como o TPS teve um papel decisivo na consolidação da empresa até os dias de hoje. Como você poderá ver, a jornada não foi nada fácil. Houve momentos de grandes dificuldades e de muita determinação por parte dos responsáveis. Sendo a Toyota do Brasil a primeira fábrica da Toyota no estrangeiro, longe do Japão, e numa época onde não havia a facilidade de comunicação da atualidade, o aprendizado de como administrar o empreendimento foi muito difícil. (Senão vejamos).

A Toyota do Brasil foi fundada em 1958. Começou as atividades de produção com o modelo Bandeirante. Durante todos esses 40 anos, a fábrica localizada num planalto no município de São Bernardo do Campo, passou por diversas dificuldades. No início, mesmo com as agressivas medidas de racionalização dos meios de produção (mão-de-obra e máquinas/equipamentos), com a pequena produção de 250 a 300 veículos por mês, a companhia não era lucrativa. A economia brasileira na época, passara por constantes dificuldades. E para piorar, o fato de ter no seu empreendimento um de seus componentes principais, o motor, comprado de uma outra empresa, colocava a perspectiva de lucro ainda mais distante.

Após mais de uma década fazendo "malabarismos" para sobreviver, no início dos anos 70, aconteceu um fato que mudou o rumo da empresa. A matriz japonesa decidiu investir e enfrentar a produção em pequena escala sem precisar depender de fornecimento externo de peças, principalmente fundidas e forjadas. Isto porque, pela característica destes processos, as peças fundidas e forjadas requerem um investimento alto com ferramental, que para se justificar (ser deprecido num período de tempo normalmente praticado por fornecedores) requereria uma demanda 20 a 30 vezes maior do que a necessidade da fábrica! A Toyota do Brasil não tinha como competir com as grandes montadoras da época: GM, Ford, VW, MBB e Fiat que estavam se instalando ou consolidando no país.

Como primeiro passo, instalou-se aqui uma unidade de fundição capaz de produzir todas as peças fundidas necessárias para o modelo Bandeirante. O segundo passo foi a ampliação da capacidade do processo de usinagem. A etapa seguinte foi a instalação da unidade de forjaria, inclusive com ampliação da ferramentaria para produzir, tanto o ferramental da forjaria onde se desenvolvia um set-up rápido, como também o da fundição.

Concomitantemente a todas essas ampliações, o Sr. Taiichi Ohno visitou várias vezes a Toyota do Brasil para introduzir e aperfeiçoar o Sistema Toyota de Produção, com a colaboração do pessoal da OMCD - Operations Management Consulting Division (Divisão de Consultoria de Gerenciamento de Operação) - da matriz da Toyota. Foi durante essas visitas que o Sr. Ohno acabou viabilizando, na Toyota do Brasil, a aplicação de produção em pequenos lotes na forjaria. Isto constituiu um fato histórico, pois serviu de exemplo para a forjaria da matriz da Toyota que relutava em aceitar os conceitos do Sr. Ohno.

Para mais detalhes, veja o artigo:
Set-up de forja aprendida na Toyota do Brasil

Aconteceu também na mesma época, meado da década de 70, a introdução do Plano de Sugestões - Circulo de Kaizen (originalmente CCQ - Circulo de Controle da Qualidade) e o OJT ("On the Job Training". Foi colocado em prática o lema "Um veículo por funcionário por mês", isto é: com 400 funcionários (quantidade total de funcionários da empresa na época) produzir 400 veículos modelo Bandeirante por mês. Para concretizar isso, foram colocados em ação os princípios e as ferramentas do TPS. Foram implementadas melhorias no chão de fábrica, no planejamento das matérias-primas, no recebimento de peças compradas, na utilização de ferramental em geral, etc. Paralelamente, foram também introduzidas melhorias no produto, tais como maior capacidade do diferencial, caixa de transmissão sincronizada e freios mais responsivos. Na divisão comercial, a introdução de vendas à vista foi a melhoria que ajudou na lucratividade. Assim o Sistema Toyota de Produção, mesmo fora do Japão, em produção verticalizada e de pequena escala - 3.500 a 4.000 veículos por ano - mostrou um grande resultado, comprovando a sua aplicabilidade.

Na década de 90, o legado do velho Bandeirante possibilitou a introdução do Corolla no Brasil, já na nova fábrica de Indaiatuba-SP, com novas instalações para uma capacidade inicial de 15.000 veículos por ano. Como parte do projeto da introdução do Corolla, a OMCD da matriz japonesa enviou para a Toyota do Brasil, no início de 1996, o Sr. Sakamaki, discípulo do Sr. Taiichi Ohno, juntamente com mais dois coordenadores. A missão desse grupo foi a de treinar os futuros responsáveis pela operação da nova fábrica do Corolla. As instalações da fábrica do modelo Bandeirante, em São Bernardo do Campo, foram utilizadas como base para o treinamento. Foram dois anos de intenso trabalho.

Os conceitos do TPS foram reciclados com diretores, gerentes e supervisores da manufatura (produção, engenharia e controle de qualidade) e gerências das divisões de recursos humanos, vendas, compras e finanças. A maior carga de treinamento sempre foi na divisão manufatura. OJT ("On the Job Training" foi o método usado e todos os participantes foram solicitados a "arregaçar as mangas" e aprender fazendo as tarefas para melhor fixação e assimilação para poderem depois, gerenciar os colaboradores e os trabalhos.
O TPS é um conjunto de princípios e ferramentas gerenciais e como tal deve ser de conhecimento total das chefias mais do que dos colaboradores do chão de fábrica. Assim gerentes, chefes de departamentos, supervisores e líderes são as pessoas que devem dominar o sistema e fazer a melhor utilização do TPS. Nessa perspectiva, o treinamento foi bastante árduo. Uma das lições aprendidas foi a de que a chefia deve fazer tudo para facilitar as atividades dos colaboradores na execução dos trabalhos, pois o salário dos diretores, gerentes e chefes e além do resultado da empresa, são produtos do trabalho e esforço deles.

O pessoal da OMCD aos poucos foi estendendo suas ações e influências em todos os processos produtivos. O primeiro grande impacto foi na forjaria. Logo que entrou nessa área, o Sr. Sakamaki simplesmente mandou suspender a produção, por vários dias devido ao enorme inventário. Havia pessoas que estavam incrédulas e incomodadas com a situação. Mas com o passar do tempo foram percebendo e entendendo o que aqueles enviados da OMCD estavam fazendo e querendo ensinar. Em seqüência foram a fundição, usinagem, estamparia, funilaria, pintura, sub-montagens e linha de montagem final.

Mesmo a Toyota do Brasil praticando o TPS, o que se observou foi que nem todos os processos estavam em fluxo contínuo. Por exemplo, a forjaria e a fundição, processos que foram introduzidos nos anos 70, trabalhavam praticamente independente dos processos de fluxo contínuo como a funilaria, pintura e linha de montagem. Isoladamente, esses processos estavam operando dentro com eficiência muito boa, porém com nível de inventário ainda muito alto. Havia, portanto, uma grande oportunidade para redução de custo. A ação implementada foi a de colocar todos os processos integrados dentro de um único tempo takt e fazer fluir continuamente. A tarefa não foi nada fácil. Para se colocar os processos produtivos em fluxo contínuo, uma das premissas foi a estabilização da disponibilidade das máquinas/equipamentos. A manutenção teve dias e mais dias de total imersão em trabalhos para capacitar e aumentar a disponibilidade das máquinas/equipamento a níveis antes não experimentados. Houve uma redução drástica no nível de estoques em todos os processos.

Na estamparia o desafio também foi grande. Estampar todas as peças desde pequenas arruelas, calços etc. até os enormes componentes do chassi em lotes cada vez menores, exigiu muita criatividade.

A reestruturação dos supermercados, o dimensionamento do tamanho dos lotes em função da disponibilidade das prensas, o planejamento e o preparo dos "blanks" (chapas pré-recortadas), os postos de kanban e o treinamento dos colaboradores para fazer funcionar o sistema, foram as principais atividades que duraram aproximadamente dez meses, incluindo a elaboração dos trabalhos padronizados. Uma vez atingido esse estágio, o próximo passo foi sistematizar as melhorias contínuas através do já existente Circulo de Kaizen. Na realidade, foi então que começou a real grande batalha rumo a competitividade; isto é, buscar as reduções de custos eliminando os desperdícios.

Todo o período que o pessoal da OMCD esteve por aqui foi para colocar a fábrica num estágio enxuto e em condição de, com os próprios recursos humanos devidamente capacitados, dar seqüência ao que foi reestruturado.

Nessa empreitada não só a área de manufatura foi envolvida, mas também os dois extremos da cadeia: Suprimentos e Vendas. A Toyota do Brasil após dois anos de treinamentos, estava pronta para mais uma nova etapa.

A fábrica de Indaiatuba estava em franca construção. Em setembro de 1998 iniciava-se a produção do modelo Corolla brasileiro com processos de funilaria, pintura e linha de montagem, totalmente integrados em um fluxo contínuo.

Desde então, o modelo Corolla, agora na 2a. geração, aqui no Brasil tem expandido suas vendas rapidamente. A fábrica inicialmente concebida para uma produção de 15.000 unidades/ano em 1998 foi incrementada para 60.000 unidades/ano a partir do fim de 2001. E desde então vem operando em plena capacidade, com dois turnos produzindo veículos de boa qualidade a um preço competitivo, possibilitando a companhia operar com lucro.

O TPS tem sido o sustentáculo e o diferencial nesse empreendimento. Tudo isso gerenciado pelos brasileiros que receberam os treinamentos da OMCD. No último mês de junho, um diretor da OMCD, Sr. Hayashi - esteve aqui e pela avaliação dele as fábricas tanto de S.B.Campo e como a de Indaiatuba estão bem situadas quanto à aplicação dos fundamentos básicos do TPS. Mas também alertou: "Há ainda espaço para muitos kaizens". É assim... as melhorias não têm fim.

Publicado em 21/09/2005

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal