CULTURA E LIDERANÇA

Entrevista com Michael Ballé

co-autor de "A mina de ouro"



Michael Ballé é co-fundador do Project Lean Enterprise (www.lean.enst.fr), que é hoje a mais importante ação na França de disseminação da filosofia lean, sistema que visa eliminar os desperdício dos processos produtivos, originário do Sistema Toyota de Produção.

Escrito em co-autoria com seu pai, Freddy Ballé, outro dos mais importantes disseminadores da manufatura enxuta, o livro “A mina de ouro” trata-se de um “romance lean” que mistura de forma pioneira uma interessante história de ficção aos ensinamentos da manufatura enxuta.

“Foi fruto de muita visita ao ‘chão de fábrica’ das empresas”, respondem, rápidos, os franceses, pai e filho, à pergunta sobre como se tornaram especialistas no “pensamento lean”.

Michael respondeu a entrevista a seguir, feita pelo Lean Institute Brasil, sobre a necessidade das empresas adotarem a filosofia.

Lean Institute Brasil – Por que o pensamento lean é importante para empresas nessa economia globalizada?

Michael Balle – Respondi essa mesma questão repetidas vezes durante o lançamento de “A Mina de ouro” na China. Acreditamos que o pensamento lean não é apenas “importante” para empresas no mundo globalizado: é uma questão de vida ou morte. E podemos comprovar isso com dois argumentos. O primeiro vem da economia de escala, quando a quantidade de produtos que você vende precisa, numa economia global, cobrir todos os custos operacionais e estruturais do seu negócio – do desenvolvimento ao marketing. Daí vem o segundo ponto: a redução de custos. Certamente que a qualidade é o primeiro foco dos esforços da Toyota, mas reduzir custos por volta de 10% ao ano é um segundo ponto importante da montadora. Sentimos que este é um foco importante do lean. Numa economia globalizada, estes conceitos são ainda mais importantes porque as empresas já não estão mais competindo “com o estudante mais brilhante da classe ou mesmo da escola”, “mas com o mais brilhante do mundo inteiro”. O lean é a única maneira para sobreviver na inevitável concorrência entre grandes empresas num mercado global.

LIB – Qual foi a inspiração para escrever “A mina de ouro”?

MB – Tivemos essa idéia quando meu pai, Freddy, aposentou-se, deixando cargos de destaque que até então ocupara na indústria automotiva. Decidimos iniciar, juntos, uma consultoria. Conversamos sobre vários aspectos do pensamento lean e sobre como poderíamos ensiná-lo às empresas. Ou como elas, as empresas, poderiam encontrar, por si só, esses ensinamentos. Decidimos escrever o livro em parceria. Inicialmente, era para ser um livro específico sobre ferramentas lean. Mas percebemos que não era o caminho: estávamos tentando passar três mensagens básicas: a dimensão humana do “Sistema Toyota de Produção”; a mudança e a transformação na empresa que tenta implementar esse sistema; e o desenvolvimento pessoal, das pessoas mesmo, no processo de transformação da empresa. Então, percebemos que o formato de romance, de novela, poderia ser mais eficiente para passarmos essas três mensagens.

LIB – O livro é baseado em fatos reais?

MB – O livro é totalmente ficcional no sentido de que nem a fábrica narrada e nem o processo dessa fábrica realmente existe. Os personagens também foram inventados. Entretanto, em meio à ficção da história, tentamos reproduzir e ensinar coisas que meu pai, Freddy, aprendeu em seu trabalho de 25 anos como “sensei” (mestre no pensamento lean) na Toyota. Considerando que a maioria do conteúdo sobre lean da história vem da minha experiência e da experiência do meu pai, podemos dizer que a obra é baseada em fatos reais, ou seja: testemunhamos muitas das “cenas” sobre lean descritas no livro, embora em contextos diferentes, com pessoas diferentes.

LIB – Então podemos afirmar que, embora ficcional, a história reflete a realidade que ocorre na maioria das empresas que implementam o pensamento lean?

MB – Não acreditamos que haja um padrão rígido no trajeto de implementação do pensamento lean. Descrevemos o que acreditamos que seja uma “rota” razoavelmente típica de transformação de uma empresa nesse processo. O modelo “formal” de transformação, descrito no livro, está centrado nas pessoas: sobre a reação delas ao experimentarem os momentos de implementação do lean e suas compreensões verdadeiras sobre conceitos e técnicas dessa filosofia. Na história, isso é mais desenvolvido nos papeis dos personagens, em suas atitudes com relação à filosofia lean. O trajeto de transformação de uma empresa varia segundo os diferentes “atores” que compõem a empresa. No começo do livro, o personagem Phil (sócio da empresa que está à beira da falência), enfrenta esse problema com força suficiente para perceber que precisa de ajuda. Ele aceita então ajuda de um “sensei”. Esse tipo de atitude por si só já é um grande e raro passo. Poucos executivos estão dispostos a enfrentar o fato que seus negócios poderiam ser muito melhores. E uma quantidade menor ainda está, realmente, pronta para aceitar as constantes mudanças provocadas por um “sensei” da filosofia lean. A transformação é um progresso humano. Precisa de pessoas que “se ligam” no espírito lean. Quando as pessoas conseguem isso elas aplicam naturalmente o pensamento lean em seus locais de trabalho. Nossa experiência com transformações lean em situações reais mostra que tudo depende do gerente ou do gerenciamento da fábrica, do negócio. Se o gerente da fábrica captar o pensamento lean a transformação acontecerá. Senão ela será uma longa e árdua batalha.

LIB – Você acredita que esse livro pode aproximar o leitor da realidade da implementação da filosofia lean numa empresa?

MB – Tivemos vários depoimentos de gerentes de fábricas que usaram o livro com suas equipes para guiar esforços na transformação lean. Ao lerem, capítulo por capítulo, com seus líderes de equipe, gerentes têm sido capazes de progredir, muitas vezes sem ter acesso direto a um “sensei”. Este é o objetivo do livro. Ele foi construído para passar um entendimento geral sobre o espírito lean e sobre os padrões de transformação. E também descrever detalhes sobre ferramentas específicas do pensamento lean. O objetivo de “A Mina de ouro” é conseguir estimular leitores a experimentarem o pensamento lean em si próprios e assim aprender o básico. Então, eles poderão procurar consultores especializados para ajudá-los em pontos específicos. Se qualquer companhia brasileira tiver algum sucesso em usar o livro desta maneira, nós ficaremos muito ansiosos para ouvir seu depoimento!

LIB – Por que o livro se chama “A mina de ouro”?

MB – Há uma explicação para isso. Eu estava ministrando um curso na Índia para uma equipe muito brilhante. Mas eles simplesmente não conseguiam entender porque a questão do “excesso de estoque” era um ponto importante da discussão. Então um deles, repentinamente, entendeu a essência da coisa. Ele explicou aos outros que trabalhar de forma correta com o estoque “é o ouro” do chão de fábrica, porque isso afeta diretamente o custo. O “ouro”, como uma metáfora, ajudou realmente a despertar o pensamento da equipe. Eles usaram isso, repetidas vezes, durante o programa. Então, quando o livro estava tomando corpo, lembrei-me dessa história, o que inspirou o título.

LIB – Qual é a importância do lançamento desse livro no Brasil? Vocês têm informações sobre o grau de inserção do pensamento lean nas empresas brasileiras?

MB – A experiência de meu pai, com empresas brasileiras do setor automotivo, é dupla. Em primeiro lugar sabemos que, por várias razões, as indústrias brasileiras tendem a sofrer uma volatilidade muito grande de demanda: muito elevada num mês, muito baixa no mês seguinte. Em tal ambiente a adoção do pensamento lean é fundamental para a sobrevivência financeira de uma empresa. Ele mantém os custos tão flexíveis quanto a demanda do mercado, pois os custos ficam ligados à produção, pois se elimina o desperdício. A segunda parte da experiência do meu pai com empresas brasileiras é que ele sempre encontrou uma cultura de pessoas muito abertas, interessadas e ansiosas para aprender. Isto é essencial. Nós acreditamos que o “Sistema Toyota de Produção” é, essencialmente, um sistema de aprendizagem. A idéia é ensinar gerentes a utilizar, mais e melhor, seus colaboradores, equipamentos e materiais. Conseqüentemente, nós acreditamos que há uma necessidade grande de técnicas lean nesse contexto de flexibilidade das empresas brasileiras. Essa cultura brasileira é muito direcionada à aprendizagem e à melhoria contínua. Nós temos grandes esperanças sobre o sucesso do movimento lean no Brasil.

LIB – Qual é o significado do Brasil ser o segundo país do mundo a ter um instituto dedicado à pesquisa e à divulgação do pensamento lean, o Lean Institute Brasil?

MB – Nós acreditamos que este é um sinal do alto potencial de crescimento do pensamento lean no Brasil. E também conseqüência da dedicação e do carisma do Professor José Roberto Ferro (Presidente do Lean Institute Brasil) em compartilhar essa filosofia.

LIB – De que maneira institutos como o Lean Institute Brasil podem facilitar a implementação do pensamento lean em empresas? Essas entidades podem tornar a implementação menos “árdua” do que ocorre na história narrada em “A mina de ouro”?

MB – Isso é uma questão complexa. Nós nunca vimos uma implementação da cultura lean como uma tarefa fácil. A transformação lean é árdua precisamente porque a aprendizagem é elevada. Mudanças constantes em nossos próprios processos, assim como resolver problemas por meio da busca das causas-raiz, não são coisas fáceis de serem assimiladas em nenhuma cultura. Assim, a implementação do pensamento lean sempre tenderá a ser um processo difícil. Mas, além de espalhar conhecimento, os institutos lean podem cumprir um outro papel, igualmente importante: pensar lean é pensar de forma radicalmente diferente do pensamento usual das indústrias tradicionais. Nossa experiência mostra que os verdadeiros pensadores lean sentem-se, freqüentemente, isolados em meio a outros gerentes de pensamento tradicional, em suas próprias organizações. Eles recebem a permissão de implementar experiências lean por causa dos benefícios óbvios da manufatura enxuta. Mas raramente isso os torna mais “populares” dentro da empresa. E nem exerce fortes convencimentos frente às pessoas de pensamento tradicional. Nesse contexto, institutos lean criam grupos de referência, alternativos, onde os pensadores lean podem se encontrar, discutir temas, aprender novas técnicas e dividir experiências. Consideramos que este é provavelmente um dos fatores-chave para o sucesso do pensamento lean numa empresa ou país. Nossos próprios métodos de intervenção em empresas são baseados na criação de comunidades lean organizadas dentro da empresa. Criar e manter uma comunidade centrada na prática lean – e fazer crescer vagarosamente esse grupo como uma referência para todos – é uma missão essencial para a penetração do pensamento lean na cultura local de negócios. Importante para transformar a performance da empresa.

Publicado em 07/02/2007

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal