POLÍTICA

O candidato lean

Alessandro Martemucci
O candidato lean
Você já considerou como o pensamento lean pode ser aplicado à política? O autor explica como o resultado de uma eleição para prefeito no sul da Itália foi finalmente determinado pela abordagem lean adotada por um dos candidatos.

NOTA DOS EDITORES: O Planet Lean e o Lean Institute Brasil não apoiam nenhum partido político, na Itália ou em qualquer outro lugar. O objetivo do conteúdo deste artigo é informar os leitores sobre a abordagem adotada por um dos candidatos, independentemente de sua filiação política, e fornecer uma perspectiva única sobre como uma campanha política pode ser gerenciada.

 

De 20 a 21 de setembro, milhões de italianos foram chamados às urnas para votar nas eleições locais e regionais. Em disputa estavam sete regiões e várias cidades, incluindo Matera. Essa cidade de 60.000 habitantes, localizada na região sul de Basilicata, é conhecida pelos Sassi, duas extensas áreas de cavernas que representam um dos mais antigos assentamentos continuamente habitados do mundo. É um local de grande beleza que, em 2019, foi a Capital Europeia da Cultura.

Você pode se perguntar o que isso tem a ver com o pensamento lean. Bem, pela primeira vez na Itália, uma abordagem lean foi usada lá para fazer uma campanha política – nesse caso, a de Domenico Bennardi, do Movimento Cinco Estrelas. A ideia era simples: atingir o valor máximo – vencer a eleição – com o mínimo de investimento. Neste estudo de caso, explicarei como esse objetivo foi alcançado e como as pessoas envolvidas reagiram a essa abordagem política bastante incomum e orientada para o marketing.

MAPEANDO O ESTADO ATUAL

Para entender o contexto e o estado atual completamente, a equipe contou com o modelo A3 e com o Lean Marketing Canvas (uma ferramenta que descrevi em um artigo recente no Planet Lean – em inglês). Em particular, essas estruturas foram usadas para:

  • Reunir dados da eleição anterior (número de eleitores elegíveis, número de eleitores reais, número de partidos, resultados do segundo turno).
  • Identificar os erros cometidos na eleição anterior.
  • Estudar a Lei Eleitoral, bem como o processo e a dinâmica política.
  • Analisar a voz do cliente (ouvir atentamente os problemas levantados pelos cidadãos).
  • Identificar as principais causas de insatisfação com o atual cenário político.
  • Elaborar uma visão para estabelecer uma classe política nova e mais jovem.

Em seguida, definimos os objetivos mínimo e máximo, os KPIs que acompanharíamos e nosso público-alvo:

  • Nosso objetivo mínimo era obter 10.000 votos e chegar ao segundo turno da eleição para prefeito (que foi realizada de 4 a 5 de outubro) com 20-23% dos votos.
  • Nosso objetivo máximo era ganhar a eleição com o maior número de vereadores.
  • Nós nos esforçamos para renovar a classe política garantindo que 80% de nossa base fossem candidatos que nunca haviam se candidatado antes.
  • Nosso público-alvo: pessoas de 18 a 99 anos, o que corresponde aos 50.730 eleitores elegíveis.

ANÁLISE DE PROBLEMAS E COMPETIDORES

Assim que analisamos a situação inicial, percebemos que nenhum partido (excluindo o Movimento Cinco Estrelas) conseguiria concorrer sozinho e esperar atingir o objetivo mínimo – chegar a 20% dos votos. Os motivos eram vários: não tinham muitos representantes na Câmara Municipal; eles eram recém-estabelecidos e, portanto, pouco conhecidos; eles não tinham muita presença em instituições públicas; eles tinham menos história em comparação com outros partidos e eram menos ativistas.

Para solucionar esse problema, os partidos optam por formar uma coligação com outros partidos para atingir o objetivo mínimo, com uma ressalva (considerando as crenças do candidato e do estatuto do seu partido): nenhum candidato a vereador poderia ter participado de outras coligações no passado ou concorrido com outros partidos que haviam governado Matera na legislatura anterior.

Outra etapa importante em qualquer campanha (seja ela política ou de marketing, na verdade) é entender com quem você está competindo. Então, analisamos os outros candidatos à eleição para prefeito e os partidos que os apoiavam. Aqui estão eles: 

  • Rocco Sassone, centro-direita, com seis partidos (Lega, Forza Italia, Fratelli d’Italia e três outros partidos cívicos) representando 188 candidatos a vereador.
  • Giovanni Schiuma, centro-esquerda, com cinco partidos (incluindo o Partido Democrático) e quatro outros partidos cívicos, para um total de 138 candidatos.
  • Pasquale Doria com dois partidos cívicos e 54 candidatos.
  • Nicola Trombetta com um partido cívico de 32 candidatos.
  • Luca Braia com um partido cívico e 26 candidatos.
  • Domenico Bennardi, o candidato que apoiamos, com quatro partidos (Movimento Cinco Estrelas, VOLT, VERDI PSI e Matera 3.0) e 106 candidatos.

Ao mesmo tempo, iniciamos um processo de nemawashi para estabelecer informalmente as bases para a mudança que queríamos alcançar ao discutir nossa abordagem com as pessoas envolvidas na campanha e apoiá-las continuamente conforme elas se ajustavam ao novo método. 

No começo, os candidatos estavam céticos. Eles não estavam acostumados a medir seu desempenho e ficaram surpresos pela prática de analisar os erros na frente de seus colegas. Depois de algumas semanas, entretanto, eles começaram a enxergar os benefícios dessa abordagem (ela tornava mais fácil não repetir os mesmos erros) e mergulharam de cabeça.

NOSSA ESTRATÉGIA DE MARKETING LEAN

Com nossos objetivos claramente definidos, estávamos prontos para seguir para a fase de execução. Mas não antes de definir claramente os papeis e as responsabilidades dos colaboradores da campanha: mídias sociais, comunicação, logística, marketing estratégico, relações públicas, gerente de operações etc. Isso ajudou muito a desenvolver um sentimento de responsabilidade em cada membro da equipe. 

Nesta etapa da campanha, nossa análise assumiu um papel vital. A Lei Eleitoral Italiana recompensa a coligação que recebe o maior número de votos no primeiro turno da eleição para os candidatos a prefeito, e não para os candidatos a vereador. Com base nisso, começamos a treinar e desenvolver os colaboradores e os candidatos, explicando a eles como a lei funciona em detalhes, alinhando-os em direção a uma meta comum e motivando-os. Ou ganharíamos a eleição juntos ou perderíamos juntos. 

O treinamento aconteceu durante toda a campanha, com sessões semanais de alinhamento de 35-40 minutos com os candidatos. Durante essas reuniões, oferecemos a eles as ferramentas de que precisavam para fazer uma campanha eficiente – por exemplo, relatórios de dados. Em termos de KPIs, rastreamos leads e propectos (sendo que os leads são eleitores em potencial que ainda não escolheram nenhum candidato; já os prospectos são eleitores que já estão ativamente engajados com o candidato). Semana após semana, olhávamos para os resultados conquistados e para qualquer desvio que possa ter ocorrido. Isso nos informava sobre como planejar para comícios e outros eventos da campanha, que deveriam preencher a lacuna identificada. 

Graças a essa abordagem, com base em uma análise e controle contínuos e motivação, toda a coligação se manteve focada no Norte Verdadeiro, fazendo com que Domenico Bennardi fosse eleito mesmo que isso significasse sacrificar seus próprios votos. 

NOSSA ABORDAGEM À COMUNICAÇÃO

Outro motivo por trás do sucesso da campanha de Bennardi foi o estilo de comunicação do candidato a prefeito com o resto da coligação. Esse era justamente o foco do treinamento: garantir o alinhamento dos candidatos e moldar sua comunicação durante os comícios e os encontros com os eleitores. O foco estava em escutar a voz do cliente, discutindo as necessidades reais das pessoas de Matera em vez de responder aos ataques dos rivais (na verdade, parte da estratégia era evitar sequer mencionar os oponentes de Bennardi). Todos os 106 candidatos deveriam adotar essa abordagem e somente compartilhar informações relacionadas ao plano de Bennardi, em vez de gastar tempo com guerras fúteis de palavras com os oponentes. Num primeiro momento, essa foi talvez a coisa mais difícil da campanha – é difícil não responder a provocações e ataques pessoais –, mas no final mesmo os “keyboard warriors”1 da coligação começaram a aderir à política, após enxergar os excelentes resultados que conquistamos semana após semana. 

O pensamento lean até mesmo definiu o slogan da campanha de Bennardi, que foi inspirado na tradução para o italiano da palavra kaizen: “Cambia in meglio”, que significa “Mudar para melhor”. Essa mensagem foi claramente aceita pelos cidadãos de Matera e claramente contribuiu para a vitória de Bennardi. 

Também percebemos a importância de tornar a informação que compartilhávamos o mais facilmente consumível possível. Com isso em mente, resumimos o programa de eleição de Bennardi (que ainda estava disponível por completo no website) em um folheto com diferentes cores correspondendo a diferentes tópicos – desde meio ambiente até planejamento urbano, desde turismo até esportes. Veja na figura acima. O lean nos ensina o poder da visibilidade, algo que levamos a sério quando definimos nossa abordagem à comunicação. 

A fim de reduzir o tempo e os custos do projeto e da impressão de panfletos, programações, posters, outdoors etc., decidimos confiar em uma visão única para toda a coligação. Isso também nos ajudou a passar uma mensagem de consistência e união, ao mesmo tempo que oferecemos aos eleitores uma visão geral clara de quem era parte dos partidos. Cada panfleto ou qualquer outro recurso eleitoral poderia, portanto, ser personalizado para cada candidato da coligação. Outro benefício dessa abordagem foi que fomos capazes de evitar personalismos e garantir um nível igual de visibilidade a todos os candidatos (o que é muito importante para aqueles que não gastam dinheiro para imprimir e colocar outdoors). 

O website que criamos, que contém as informações mais relevantes sobre Dominico Bennardi, sua história e seu plano para Matera, também se tornou uma ferramenta para informar a campanha e ajustar nosso objetivo: os dados fornecidos a nós com informações preciosas sobre os usuários. 

Nossa estratégia de mídia social focava principalmente no Facebook e no Instagram. A página do Facebook, em particular, se tornou a principal plataforma que o candidato usava para alcançar sua base. Aqui, postávamos todas as fotos, gráficos, atividades, comícios, slogans, vídeos, lives para manter as pessoas atualizadas sobre as atividades diárias de Bennardi. 

De forma crítica, a análise dos insights da página nos permitiu medir a resposta de cada post e, mais importante, sentir as reações dos eleitores e suas opiniões sobre tópicos importantes. Nosso trabalho no Facebook nos ajudou a entender os principais tópicos da campanha, as coisas com que as pessoas realmente se preocupavam e o tipo de comunicação a que elas mais respondiam. Sincronizar nossa mensagem (com todos os candidatos compartilhando os posts de forma consistente e rápida) aumentou a visibilidade e a popularidade de nosso conteúdo, o que forçou nossos competidores a gastar dinheiro com propaganda e conteúdo patrocinado para tentar nos alcançar. 

Devido à pandemia, as pessoas se mostraram relutantes em participar dos comícios e outros eventos pessoais, e é por isso que os vídeos e os eventos ao vivo no Facebook representaram uma parte tão importante de nossa estratégia. Eles não só permitiram que alcancemos mais pessoas, mas também, como mencionado acima, forneceram a nós grandes insights que nos ajudaram a formar nossa mensagem. 

Os aplicativos de mensagens instantâneas, como WhatsApp e Telegram, também foram importantes na campanha. Eles foram usados para informar os colaboradores sobre atividades que estavam acontecendo e mudanças de planos de última hora, garantindo que a campanha ocorresse de forma suave. 

RESULTADOS E REFLEXÕES

No primeiro turno das eleições, Bennardi recebeu 27% dos votos (nossa meta era 20-23%), o que significa que ele enfrentaria Rocco Sassone (da coligação centro-direita) duas semanas depois no segundo turno. Escolhemos por não juntar forças com outras coligações; em vez disso, Bennardi e sua campanha continuaram focando em seus esforços de comunicação inspirados pelo lean e mantiveram a estratégia. 

Nos dias 4 e 5 de outubro, essa abordagem deu resultado, levando Bennardi a uma vitória enfática contra Sassone. O resultado final foi 68% dos votos para Bennardi e 32% para Sassone (que foi o candidato mais votado no primeiro turno). Então, o valor máximo foi conquistado para a campanha de Bennardi com o mínimo de custo: ela custou um sexto do que a dos oponentes.

Colocar o lean em nossa estratégia de comunicação significa que conseguimos concentrar a maior parte de nossos esforços de campanha em diversas plataformas, o que, por sua vez, resultou em custos de marketing muito mais baixos e em nossa habilidade de controlar a campanha mais de perto. Também sentimos o efeito da Covid-19: o medo da infecção manteve as pessoas em casa e efetivamente tornou a campanha digital, sendo movida em grande parte para a mídia social. Ao medir o impacto de nossos posts e nossa atividade online, pudemos entender com o que os eleitores realmente se preocupavam e ajustar nossa mensagem de acordo para endereçar suas preocupações.
O novo prefeito de Matera e sua coligação nunca haviam pensado que o método científico poderia ser tão importante para uma campanha política. As pessoas acreditam que a política só tem a ver com relacionamentos, comícios e emoções. Embora isso seja parcialmente verdade – não há dúvidas de que a emoção tenha um papel na escolha de quem votamos –, foi incrível ver quanto sucesso a campanha teve graças a uma análise consistente de dados, um foco nas necessidades dos eleitores e uma estratégia baseada na melhoria contínua. Se essa não for uma prova de que o lean sempre vence, eu não sei qual será!

Nota da tradutora
1. Uma pessoa que faz posts abusivos ou agressivos na internet, normalmente escondendo sua verdadeira identidade. (Definições da Oxford Languages)

Publicado em 21/10/2020

Autor

Alessandro Martemucci
Lean Coach no Istituto Lean Management, na Itália
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal