SERVIÇOS

Abaixo os lotes

Ricardo Felix
Para acelerar a emissão de apólices de seguro, um departamento da SulAmérica decidiu se afastar dos grandes lotes e começar a trabalhar em fluxo.

A SulAmérica decidiu há muito tempo focar no mercado de SME (empresas de pequeno e médio porte) como uma estratégia de negócio no segmento de seguros de saúde. Isso provou ser uma boa jogada, com os seguros de SME se tornando um best seller no portfólio do setor. Esse é o lado comercial do seguro de saúde, atendendo proprietários de pequenos negócios e dando-lhes acesso a nossa rede de hospitais e serviços.

O processo de emissão das apólices, entretanto, não teve tanto sucesso quando o produto. Precisávamos de dias – normalmente por volta de duas semanas – para completá-lo. Preocupados em controlar esse processo, instalamos um sistema complicado de verificação que consistia em colocar cada proposta que recebíamos do departamento de vendas em uma planilha de Excel. Isso, somado ao sistema de trabalho em lotes que usávamos, significava que recebíamos três grandes blocos de propostas por dia da área de expedição.

Até que todo o lote fosse processado, e todas as informações fossem transferidas para a planilha de Excel, a próxima etapa do fluxo de valor não podia começar seu trabalho – e é assim que os atrasos aconteciam. Antes que uma apólice pudesse ser emitida, precisávamos garantir que todos os documentos estivessem lá, colocar as informações no sistemas, verificar a autenticidade da assinatura do cliente, ter certeza que o cliente não tenha nenhuma condição pré-existente, ocasionalmente pedir uma análise médica (ao enviar uma proposta, o cliente precisava incluir a Declaração de Saúde Pessoal; na presença de condições pré-existentes, a SulAmérica precisa determinar se podemos assumir o risco) e, por fim, fazer uma verificação de qualidade.

Os atrasos no processo também faziam com que o pessoal da equipe de vendas nos ligasse a toda hora para saber quando uma proposta seria emitida (somente após isso os corretores ganhavam sua comissão, então você pode imaginar a pressa deles). Claro, os clientes só podem começar a usufruir de sua apólice de saúde ou dentária depois que o número for emitido.

Eu era a pessoa responsável por todas as transições entre as etapas. Cada uma delas era registrada em uma planilha de Excel – o que significava que eu salvava e fazia backup toda hora em um pen drive que ficava em meu pescoço o dia todo. Meus colegas brincavam que eu dormia com ele por medo de perder.

Em um primeiro momento, a equipe não conseguia enxergar o problema dos lotes. Eles sabiam que havia problemas no processo, mas não conseguiam enxergar o maior deles. Certo dia, durante nossa primeira tentativa de fazer um exercício hoshin, nosso coach Flávio Battaglia, do Lean Institute Brasil, aplicou uma dinâmica usando um processo de assinatura por lotes e em fluxo, e, então, entendemos que ela refletia nosso processo atual. Estava claro que não fazia sentido trabalhar em lote.

OS EXPERIMENTOS COMEÇAM

Uma das primeiras medidas que tomamos foi remover as verificações entre as etapas – nosso maior gargalo – mantendo somente uma no início e uma no final do processo. Como resultado, tivemos uma redução drástica em nosso lead time. Eventualmente, os controles foram totalmente removidos, pois as propostas corretas e completas podiam ser processadas no mesmo dia. As únicas que não podiam ser completadas em um dia eram aquelas em que faltavam informações e que precisavam ser enviadas de volta ao corretor e as que precisavam ser enviadas para análise médica. O processamento de uma proposta no mesmo dia é uma vantagem competitiva para nós, obviamente.

Para nos afastarmos dos lotes – anteriormente, recebíamos três entregas por dia de quase 100 propostas cada –, introduzimos um novo sistema em três etapas, chamadas de Casa 1, Casa 2 e Casa 3. Apesar dos claros desafios de leiaute (uma das Casas ficava em uma sala diferente), o sistema agora tinha três etapas claramente definidas. Um efeito indesejado foi que equipes diferentes começaram a competir entre si e frequentemente iam à área de expedição para conseguir mais propostas para trabalhar. As Casas 2 e 3 precisavam esperar que a Casa 1 terminasse seu trabalho e, por isso, começaram a reclamar. Então, embora tenha melhorado a situação, o sistema de Casas também criou alguns problemas.

Quando nos mudamos para uma nova instalação, pudemos colocar todas as etapas em uma linha, uma ao lado da outra. Era uma organização de trabalho muito lógica que nos permitiu nos afastar do sistema de Casas. Ao tomar medidas para entender profundamente cada tarefa e quanto tempo levava para completá-la, pudemos alocar nossos recursos mais efetivamente. Então, por exemplo, designamos duas pessoas para a expedição e sete para a etapa de análise (a principal etapa do processo, na qual todas as informações são colocadas no sistema, e a equipe verifica se toda a documentação foi apresentada; se algo estiver faltando, a proposta é enviada a outra equipe, que tem a tarefa de buscar as informações que faltam). Depois isso, implementamos o trabalho padronizado para cada uma das tarefas, para trazer consistência para a forma como desempenham e previnem erros. Como resultado, a equipe foi capaz de chegar a um ponto no qual ela processa uma apólice por vez – fluxo de uma só peça, como nós, praticantes lean, chamamos.

Uma grande contribuição para alcançar esse objetivo veio a partir do uso de ferramentas visuais e da introdução de reuniões diárias de gestão. Primeiro, colocamos caixas ao lado de cada etapa do processo para tornar os possíveis gargalos claramente visíveis.

Para organizar nosso dia e alocar recursos da melhor maneira possível, começamos a usar quadros de gerenciamento diário. Esses quadros mostram quantas pessoas estão presentes em determinado dia e nos ajudam a atribuir tarefas. Hoje, todos da equipe entendem o quadro, e conseguimos rotacionar a liderança semanalmente. Para facilitar a ajuda de todos nos problemas e acelerar todo o processo, também enfatizamos muito a habilidade múltipla: criamos um “índice de autonomia de capacidade” para ver quem poderia fazer o que em cada equipe e identificar oportunidades para maior desenvolvimento de capacidade, o que se tornou uma grande responsabilidade para a equipe de liderança. Foi ótimo ver como, com o tempo, as pessoas se tornaram mais proativas e começaram a prestar mais atenção às metas que estabeleceram para si mesmas e como essas metas impactavam toda a SulAmérica.

A prova está na experiência, eles dizem. A prova de que nosso sistema funciona reside no fato de que o departamento consegue lidar com picos de demanda (sempre que realizamos uma campanha ou antes de ajustarmos nossos preços, por exemplo) muito mais rapidamente e com mais eficiência do que nunca.

TRAZENDO O LEAN A OUTRAS ÁREAS

O sucesso do departamento de PME continua inspirando outras pessoas na SulAmérica a adotarem medidas e abordagens semelhantes. Na área em que trabalho agora (que lida com reclamações de clientes e alterações cadastrais de apólices, além de produtos de seguros para associações ou sindicatos profissionais), por exemplo, estamos focados no gerenciamento diário. Entretanto, encontrei uma armadilha comum das implementações lean aqui: a temida abordagem de copiar e colar, com os gerentes simplesmente adotando as boas práticas que já haviam visto em outros lugares e colocando-as em seus processos.

Rapidamente percebemos que precisávamos envolver as equipes no gerenciamento diário. Para engajá-las nessa prática, transformamos isso em um jogo: as tarefas se tornaram missões, com diferentes equipes sendo recebendo o figurino de um super-herói que podiam usar enquanto acompanhavam o progresso de suas atividades. Nossa meta é lidar hoje com 97% dos pedidos que chegaram no dia anterior. Para fazer isso, precisamos reduzir os atrasos o máximo possível, o que implica entender nossa capacidade e nossa carga de trabalho – o gerenciamento diário representa uma ferramenta poderosa nesse sentido. Ao usá-lo, garantimos ajuda às pessoas que dela precisam e que o número certo de pessoas seja designado a cada etapa do processo.

Publicado em 31/07/2020

Autor

Ricardo Felix
Gerente de operações da SulAmérica, no Brasil.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal