GERAL

O caminho para uma organização de aprendizagem

Karen Whitley Bell e Steve Bell
A história desta ONG mostra como a gestão visual permite melhorias e elimina as barreiras entre as equipes. É um primeiro passo fundamental para uma transformação lean.

“Para quem são esses elementos visuais? Para a liderança ou para nós?” um membro da equipe perguntou quando a prática do Obeya foi introduzida em uma grande organização como início de um esforço de transformação em larga escala que reorganizou toda a empresa utilizando equipes multidisciplinares e multilocalizadas recém-formadas (as equipes do fluxo de valor eram divididas em “tribos” e “grupos”). As equipes também estavam lidando com uma série de novas responsabilidades, estruturas de relatórios e formas de trabalho. Dada a escala e a velocidade da mudança dentro dessa organização, é fácil entender por que essa pergunta estava sendo feita. Como coaches no outro lado do mundo, consideramos como podemos ajudar essa nova comunidade de coaching a ajudar todos na empresa toda a responder essa pergunta – entendendo não apenas a pergunta, mas, mais importante, por que ela está sendo feita. Por baixo disso, há uma pergunta mais profunda, que mantém os líderes acordados a noite toda: “O que é preciso fazer para obter sucesso na transformação?”.

Viaje conosco, partindo dessa empresa asiática até Kampala, Uganda, onde há seis anos nos engajamos em um trabalho voluntário para ajudar a ONG Grameen Foundation a expandir uma inovação bem-sucedida na Uganda para outros países em desenvolvimento na África e no mundo. Essa inovação envolveu a contratação de moradores locais com conhecimento sobre agricultura e alfândega, aos quais fornecemos smartphones, para visitar os agricultores rurais, onde eles compartilharam informações e ajudaram a otimizar o rendimento das colheitas e o valor das vendas. Assim, eles aprimoraram o conhecimento local usando recursos digitais para ajudar a melhorar a vida daqueles que, de outra forma, não teriam esse conhecimento. Eles chamaram esse sistema de entrega de informações de Programa Community Knowledge Worker (CKW). Estivemos lá para ajudar a equipe da CKW a transformar sua abordagem heróica em processos escalonáveis e repetíveis que pudessem ser adaptados em diferentes culturas e práticas governamentais.

Depois de um dia de aprendizado com os clientes do programa no interior da Uganda, transformamos nosso próprio gemba no escritório da Fundação Grameen em Kampala, que é composto de duas grandes salas, uma com várias mesas unidas, formando uma única grande mesa para acomodar todos e outra com uma grande área aberta com pequenos cubículos servindo como um espaço de trabalho para cada um. Agrupados de um lado dessa sala estavam os cubículos da equipe CKW (cerca de 25 pessoas) e, do outro lado, os da TI, com mais 25 pessoas: duas áreas muito distintas, formando uma linha invisível entre os dois.

Fomos para a grande mesa para dar início à sessão e ficamos surpresos quando a equipe de TI não compareceu. O diretor explicou que a equipe de TI entregava o principal produto da ONG – serviços financeiros habilitados por telefone – e que as receitas advindas disso, juntamente com o apoio de doadores, permitiram o desenvolvimento do programa CKW, incluindo a contratação ampliada para operá-lo. A equipe de TI enxergava o programa CKW como algo que tirava recursos deles e de seu trabalho principal. Ele compartilhou que, para muitas ONGs, a escala salarial era menor que a das organizações locais com fins lucrativos e, como a programação e a gestão de serviços de tecnologia eram habilidades sob demanda, era comum que empresas com fins lucrativos contratassem equipes inteiras de TI. Todos os tecnólogos estavam em demanda, e aqueles com experiência em serviços financeiros ainda mais. O diretor estava avaliando cuidadosamente as necessidades do CKW com as necessidades de suas operações existentes – um ato de equilíbrio que muitos líderes enfrentam diariamente.

Então, continuamos com a equipe do CKW e sem a equipe de TI. Começamos mapeando o processo. Com base em nossas conversas anteriores, reconhecemos que a abordagem tradicional do mapa de fluxo de valor não transmitia a complexidade e as inter-relações do programa. Ele não era um processo linear. Era multidimensional. Orientamos a equipe para que visualizassem essa complexidade. Essa abordagem tornou-se a base daquilo que, ao longo do tempo, evoluiríamos para o que chamamos de um Mapa Multidimensional do Fluxo de Valor. Distribuímos post-its e canetas. Depois das primeiras rodadas de questionamentos facilitados e incentivo para escrever o que acabara de ser dito, a equipe começou a entender, e o volume na sala aumentou, passando de uma escrita individual silenciosa para um engajamento animado completo quando a equipe começou a enxergar as conexões – e desafios – de seu trabalho de uma forma que nunca enxergaram antes. De vez em quando, à medida que o nível de energia e ruído aumentava, os membros da equipe de TI observavam periodicamente. Nos intervalos, um ou dois vinham examinar, ocasionalmente pegando uma caneta e preenchendo em silêncio um espaço em branco reservado para a TI ou adicionando um comentário sobre a TI, mas na maior parte, a equipe de TI permaneceu distante.

Depois disso, conduzimos um curso rápido sobre solução disciplinada de problemas, reuniões em pé e ferramentas em equipes e individuais de visualização, como o kanban. Em nosso último dia, a equipe de TI pediu um pouco de nosso tempo e fornecemos alguns treinamentos, misturando ágil, scrum e lean conforme a situação. Muitas vezes, em muitas organizações, essas práticas são vistas como domínios concorrentes. No entanto, elas são baseadas em muitos dos mesmos princípios e compartilham os mesmos objetivos. Cada disciplina tem muito a oferecer, e a empresa que reconhece isso e reúne essas abordagens tem, a nosso ver, uma vantagem nessa economia global cada vez mais ativa digitalmente.

Quando saímos de Kampala, as paredes da equipe do CKW estavam cobertos de elementos visuais, incluindo painéis de equipe com priorização de demanda e WIP, quadros de problemas, indicadores para metas e painéis de status de equipe com informações sobre quem estava onde durante a semana atual. Nas mesas, os kanbans pessoais eram cercados por fotos de crianças, familiares e amigos. Os recursos visuais da equipe orientavam todos para o trabalho que precisava ser feito agora, os problemas ou obstáculos associados a esse trabalho e o trabalho que estava aguardando para ser feito assim que os recursos se tornassem disponíveis. Os kanbans pessoais ofereciam essa mesma informação no nível individual, fornecendo uma profundidade adicional por trás dos levantamentos verbais diários.

Alguns meses depois, conversamos com o diretor. Algo notável aconteceu. A produtividade aumentou, o desperdício diminuiu, os processos continuaram a ser aperfeiçoados e melhorados, e os padrões estavam sendo preparados para implementações futuras. O ritual da manhã de segunda-feira na grande mesa tinha se transformado em reuniões rápidas em pé todos os dias. A equipe do CKW estava no modo de colaboração completa, com as pessoas constantemente vendo e atualizando os elementos visuais da equipe e apoiando-se nos colegas para ajudar com os kanbans pessoais. Todo o dia ele ouvia: “Eu posso ajudar”.

Ele também começou a visitar os elementos visuais das equipes, embora ele admita que, no início, a equipe ficava um pouco preocupada com isso. Embora isso o ajudava a enxergar o status, o valor real era enxergar os obstáculos que atrapalhavam a equipe, obstáculos que muitas vezes exigiam seu envolvimento para resolvê-los ou removê-los. Eles agora o convidam sempre que algo aparece. Ele agora é um colaborador, não apenas “o chefe”.

Tudo isso foi ótimo, ele acrescentou, mas havia mais um problema. A equipe de TI estava observando silenciosamente tudo isso. De vez em quando, eles se aproximavam para examinar os elementos visuais. Em pouco tempo, elementos semelhantes começaram a aparecer no lado da sala dedicado à TI. Então, um dia, enquanto um membro da equipe de TI estava estudando um dos recursos visuais da equipe do CKW, ele se inclinou e disse: “Eu posso ajudar”.

Voltando à Ásia ou à sua própria organização, “qual é o objetivo de uma ‘transformação’?”. Transformar significa, simplesmente, mudar significativamente. Para onde estamos indo? Bilhões de dólares são gastos em organizações em todo o mundo para responder essa pergunta. Em última análise, estamos buscando o que esse líder sênior da ONG enxerga: um ambiente de aprendizado altamente colaborativo, onde todos trazem seu conhecimento e experiência juntos para criar e continuar a melhorar a experiência e o valor para o cliente.

Para aprender, precisamos convidar a aprendizagem, compartilhando ativamente onde estamos, onde esperamos ir e onde estamos presos. Tornar o trabalho visível (fisicamente, e quando apropriado, virtualmente) é uma maneira de nos ajudar a melhorar nosso trabalho. Também é uma maneira de convidar e permitir a colaboração com nossos colegas, que trazem diversos conhecimentos, habilidades e ideias, e com a liderança, que pode remover os obstáculos que mantêm as equipes presas. Obviamente, a transparência exige confiança, e a colaboração em escala requer práticas e estruturas disciplinadas, mas uma das maneiras mais simples de começar a transformar a forma como o trabalho é feito é visualizando o trabalho (em inglês). Em uma sala, um campus, uma empresa. Em todos os fusos horários, capacidades e culturas. Em qualquer linha invisível que separe as capacidades e o conhecimento das pessoas. Transformando a maneira como nos envolvemos e trabalhamos. Aprendendo e colaborando. “Posso ajudar com isso”.

Para obter uma visão da transformação em escala, você pode ler sobre a jornada do ING Bank mesclando lean, ágil, DevOps e outras disciplinas para aumentar a agilidade e o valor no livro “Accelerate”, recente vencedor do Prêmio Shingo. Um download gratuito da seção sobre “Liderança e Gerenciamento de Alto Desempenho”, incluindo a jornada de aprendizado do ING, está disponível aqui (em inglês).

Publicado em 31/07/2019

Autores

Karen Whitley Bell
Coach e Autora Lean
Steve Bell
Coach e Autor Lean “TI Lean”.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal