SAÚDE

As mãos de muitos

Fiona Keogan
Um caminho dedicado e a introdução de princípios de lean na saúde estão reunindo as pessoas para fornecer melhores cuidados às pessoas mais velhas e frágeis de um grupo hospitalar irlandês.

O Ireland East Hospital Group (IEHG) (link em inglês) é o maior grupo hospitalar da Irlanda, atendendo aproximadamente um milhão de pessoas. Ele recebeu 43.665 casos de emergência de pessoas com 75 anos ou mais em 2018, com 23.907 admissões. Em média, 820 leitos por dia são ocupados por essa camada da população.

Nos departamentos de emergência do nosso grupo hospitalar, cerca de metade dos nossos pacientes com mais de 75 anos mostram sinais de fragilidade (o declínio fisiológico que ocorre no final da vida, tornando essas pessoas particularmente vulneráveis). Como o sistema de saúde irlandês não é integrado – os hospitais e os serviços sociais são totalmente separados (com orçamentos e colaboradores separados) –, muitas vezes não existem muitos caminhos alternativos para a admissão de emergência.

Percebemos que precisávamos redesenhar e mudar os caminhos existentes para os pacientes idosos que acessam os serviços hospitalares do IEHG para atender a essa crescente demanda. Reunindo nossos parceiros da comunidade e o pessoal dos principais serviços (assistência social, geriatria, atenção primária etc.), coprojetamos para o futuro um serviço ideal para idosos. Nosso objetivo era melhorar o atendimento a esse tipo de paciente e, talvez, aliviar a pressão em nossos departamentos de emergência.

O maior desafio foi garantir que nossa equipe hospitalar identificasse e manejasse pacientes frágeis de maneira eficaz. Um dos primeiros processos que introduzimos - inicialmente em um hospital, agora em quatro - foi um sistema de triagem: agora, todo mundo que entra em nossos hospitais e tem 75 anos ou mais é examinado quanto a fragilidade (o teste consiste em três perguntas). Sempre que um paciente é identificado como frágil, um alerta é enviado para uma equipe multidisciplinar (ou o primeiro respondente nomeado), que completará uma “Avaliação Geriátrica Abrangente” dentro de uma hora, se possível. O objetivo é avaliar todas as necessidades da pessoa, olhando para os determinantes mais amplos de sua saúde, em oposição a apenas o que eles estão apresentando.

Avaliamos a fragilidade olhando para o contexto em que uma pessoa vive. Existem vários elementos que podem tornar uma pessoa frágil mais ou menos vulnerável, e é isso que pretendemos entender. Por exemplo, o apoio da família e dos cuidadores que eles podem ter ao seu redor é um elemento importante a ser considerado para definir o curso de ação a ser tomado. A fragilidade é uma condição multifacetada: você pode ter 85 anos e não ser frágil, por exemplo, se conseguir tomar banho, se vestir e sair de casa sem ajuda.

Sem essa análise cuidadosa da situação do paciente, decisões ruins podem ser tomadas: se não conhecermos o contexto, nosso plano de prestação de cuidados poderá negligenciar informações importantes sobre a vida diária da pessoa. Conhecer essas informações desde o início é fundamental: se, por exemplo, o paciente frágil tiver acesso a bons cuidados em casa, perguntamos se a admissão no hospital é a melhor opção. Admissão é a resposta padrão quando se trata de pacientes frágeis, mas a verdade é que a permanência em um hospital não é necessariamente ideal: ela expõe o paciente aos riscos de infecção, imobilização e descondicionamento e os tira da rotina, tornando-os vulneráveis a confusão e delírio.

Criticamente, se o paciente tiver alta após o tratamento, podemos enviar o formulário de “Avaliação Geriátrica Abrangente” para a equipe de atendimento da comunidade ou para o clínico geral. Se forem admitidos, eles vão para a enfermaria, mas são rotulados como frágeis, o que significa que a equipe do hospital prestará atenção extra a eles. É importante que essas informações acompanhem o paciente quando ele sair do departamento de emergência.

Um estudo recente mostra que 45% da população irlandesa com 65 anos ou mais é pré-frágil, e 24% é frágil. O cuidado preventivo (desde incluir mais proteína na dieta do paciente até recomendar uma vida social mais ativa ou exercício diário) garantirá melhor saúde futura, mas precisamos encontrar os pacientes em risco primeiro! É por isso que nosso trabalho de avaliação é tão importante. Na verdade, em nosso estado futuro, gostaríamos de chegar a um ponto em que todos os irlandeses sejam examinados - por exemplo, pelo médico da família ou pela enfermeira da comunidade - quando eles atingirem certa idade. Devemos pensar maior e olhar para o sistema de saúde como um todo, em vez de apenas olhar para os pacientes que recebem atendimento de emergência.

O TRABALHO LEAN

O fluxo de valor de fragilidade foi um dos primeiros programas de trabalho identificados como parte de nossa jornada lean e nos propusemos a construir uma linha-modelo para fragilidade em todo o grupo. Começamos com apenas um hospital, porque queríamos construir a cultura certa, conquistando corações e mentes e criando um movimento social antes de se expandir e se espalhar por toda a organização.

Fizemos workshops sobre valores e visão com cada hospital e concluímos a análise do fluxo de valor nos locais, realizando em seguida Eventos de Melhoria Rápida (EMRs) de uma semana, que foram cruciais para tornar o caminho da fragilidade uma realidade. Nem todo mundo conseguiu enxergar o valor disso imediatamente: algumas das pessoas que participaram dos primeiros EMRs sentiam que não precisavam estar lá e que não podiam contribuir muito. No entanto, assim que chegamos aos detalhes da experiência do paciente e dos processos atuais, elas perceberam que de fato tinham muito a dizer, porque constantemente interagem com nossos pacientes e enxergam os problemas diariamente.

Para o IEHG, foi um momento “a-ha” para aprender o quanto nossos parceiros comunitários sabem sobre os pacientes e com que frequência conhecem as soluções para um problema. Eles são uma parte muito importante do sistema de saúde, mas muitas vezes não são comunicados durante a internação hospitalar. As informações que nos fornecem permitem que diferentes conversas ocorram e que um  melhor atendimento seja fornecido. O lean permitiu que pessoas que, de outra forma, trabalhavam de forma não integrada (colaboradores do hospital e da comunidade) unissem forças para criar melhores resultados para os pacientes. Isso nos está ajudando a compensar as deficiências de um sistema em silos.

Na verdade, não há dúvida de que a maior contribuição para nossa mudança de mentalidade veio da união das pessoas – desde a equipe do laboratório até enfermeiras, de abastecedores até cirurgiões, de clínicos gerais locais até assistentes sociais. O lean é muito poderoso nesse contexto: quando mapeamos a jornada do paciente, as informações e os problemas que descobrimos são apresentados a nossa frente. Ninguém pode negar os problemas. E quando as pessoas voltam para seus locais de trabalho, elas enxergam esses mesmos problemas e começam a pensar em como podem melhorá-los.

Nos últimos 18 meses, introduzimos melhorias lean no processo de fragilidade de quatro de nossos locais – o St. Luke’s Hospital Kilkenny estava liderando os esforços, sendo, portanto, o local onde o lean está mais avançado. Estamos dedicando tempo para garantir que possamos incorporar a cultura certa em nossos hospitais, e parece que isso está funcionando: há sinais claros de que as pessoas estão começando a pensar de uma maneira diferente. Elas estão aceitando que o cuidado atual que oferecemos a pessoas frágeis não é o ideal (e elas ficam chateadas com isso), e agora existe um senso de urgência em toda a organização, o que é um catalisador para a mudança. Nossa equipe está usando a linguagem da fragilidade, e, mais importante, temos visto melhorias marcantes no atendimento de pacientes idosos e frágeis. Também estamos treinando o pessoal para desenvolver uma força de trabalho mais sintonizada.

Também investimos muito tempo para garantir que compartilhamos o conhecimento e a experiência em nossos hospitais. Organizamos visitas em cada um dos hospitais que apoiamos – seja para compartilhar práticas recomendadas ou para aprender com colegas que estão mais avançados em sua jornada. Há uma expectativa de que as pessoas mostrem seu trabalho e apoiem os outros, e essa abordagem é apreciada pela equipe da linha de frente: ela incentiva as pessoas a ir além. Se seus colegas conseguem fazer isso, você também consegue!

BENEFÍCIOS POR TODO LADO

Embora nosso trabalho até o momento tenha se concentrado apenas nas primeiras 72 horas do processo de atendimento de emergência, já vimos grandes benefícios para todos os envolvidos. É muito encorajador.

Nossos pacientes frágeis agora estão tendo uma experiência muito diferente quando visitam um dos quatro hospitais que implementaram o lean (em particular o de Kilkenny, que tem uma equipe dedicada): eles agora são gerenciados de forma mais proativa. Isso tem duas implicações principais: primeiro, os pacientes são expostos a muito menos riscos e, em segundo lugar, recebem mais voz.

Sem a avaliação inicial que agora realizamos, seria desafiador saber se existem alternativas à admissão, e os pacientes e cuidadores poderiam não ter a chance de expressar seus desejos. Se a saúde se deteriorar, nossos pacientes frágeis podem preferir receber “medidas heróicas” (terapia intensiva, RCP e assim por diante) do que ser internado no hospital. Muitas pessoas de maior idade optariam por viver em casa o máximo que pudessem. Para facilitar isso, precisamos ter processos claros dedicados a esses pacientes. O lean nos deu as ferramentas para cuidar de nossos pacientes da maneira que eles querem.

Há grandes vitórias para nossa equipe também. Elas agora estão usando uma linguagem comum e têm muito mais oportunidades de aprender e se desenvolver do que antes. Mais importante, elas recebem permissão para trabalhar de maneira diferente e ser mais abrangente em sua abordagem. Trabalhar dessa maneira é mais gratificante e usa as habilidades e competências da equipe.

O sistema está colhendo os benefícios para nossos pacientes idosos frágeis. Estamos começando a entender melhor o fluxo de trabalho e a demanda para cada um de nossos hospitais. Estamos obtendo clareza sobre o número previsto de pacientes que necessitam de cuidados em cada local: por exemplo, saber o número de apresentações diárias de pessoas com mais de 75 anos e de pacientes potencialmente frágeis é importante para planejar e gerenciar altas efetivas. Outra vantagem significativa do novo sistema é o relacionamento com nossos parceiros da comunidade: a responsabilidade coletiva e a solução de problemas como parte da equipe tiveram um impacto enorme, e já vimos resultados impressionantes. Em Kilkenny, por exemplo, o número de readmissões de pacientes com mais de 85 anos foi reduzido de 20,5% para 10,9%. Há também mais pessoas indo para casa agora do que para asilos, o que é uma economia significativa para o sistema de saúde.

As pessoas idosas e frágeis são alguns dos pacientes mais vulneráveis que podem atravessar as portas de um hospital, e para nós é importante continuar trabalhando para tornar sua experiência melhor, mais segura e mais confortável. A maneira de permitir isso é através do pensamento lean. Os processos que usamos para chegar onde queremos estar estão criando a cultura que desejamos incorporar.

Para aprender sobre a transformação lean do grupo hospitalar, clique aqui (em inglês).

Publicado em 28/03/2019

Autor

Fiona Keogan
Líder de melhoria de serviço do Ireland East Hospital Group
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal