Roberto Priolo: Qual é a situação atual com o pensamento lean na Austrália?
Alister Lee: O pensamento e a prática lean se espalharam para a maioria dos setores da economia australiana. A força original da manufatura no país vem declinando em questão de empregos há muitos anos, e isso culminou na saída da indústria automotiva. A Toyota foi a última montadora a interromper sua produção em solo australiano, em outubro de 2017 (em inglês), e isso causou um grande impacto no movimento lean - muitas pessoas ganhavam insights através de visitas e interações com o pessoal da Toyota. A vantagem é que agora temos ex-colaboradores da Toyota espalhando seu conhecimento para novos negócios e setores.
RP: No que o Lean Enterprise Australia está trabalhando no momento?
AL: Inevitavelmente, nosso trabalho está refletido na transição da manufatura para as indústrias de serviço - bancos, companhias de seguro e, utilizando o conhecimento de Denise Bennett, saúde e governo local. Por exemplo, estamos conduzindo coaching em solução de problemas para executivos seniores e de nível médio do Conselho Municipal de Knox, em Melbourne. Outros setores em que estamos trabalhando são os de alimentos e bebidas e mineração.
Iniciamos uma colaboração com o Grupo REA (em inglês), uma empresa digital. Participamos do último de seus hack days (eventos que visam gerar ideias criativas que beneficiem a sociedade), que tinha muda como tema. A empresa tem sido uma pioneira em práticas ágeis, e vamos conduzir coaching com suas equipes para desenvolver suas capacidades de solução de problemas e melhoria de processos. É um projeto empolgante para nós!
Outra tendência interessante é que cada vez mais empresas de pequeno e médio porte estão experimentando o pensamento e a prática lean. De acordo com nossa experiência, elas podem conseguir um bom progresso, principalmente quando são apoiadas por uma liderança forte. Trabalhar com pequenas empresas é muito agradável: elas são mais flexíveis, livres de tantas restrições burocráticas e políticas, e as pessoas tendem a ser mais engajadas. Como muitas delas estão passando por sua fase de startup, considero-as muito abertas a aceitar novas ideias.
RP: Quais são as diferenças entre a manufatura e o setor de serviços quando se trata de introduzir o pensamento lean?
AL: É um prazer provar cada vez mais que os princípios lean funcionam tão bem nos serviços quanto na manufatura. Na verdade, alguns deles funcionam melhor: por exemplo, enxergar o fluxo de trabalho é muito difícil na indústria de serviços, o que normalmente faz com que visualizar o trabalho e mapear os processos cause um impacto muito grande.
Outra coisa que é necessário ter em mente é o conceito de valor para o cliente, que em um ambiente de serviço é ligeiramente diferente. Sabemos que o valor está nos olhos do cliente e que cada cliente valoriza diferentes coisas. Por isso, é crítico passar algum tempo entendendo o cliente e fazendo melhorias que tenham um impacto positivo neles. Afinal, no setor de serviços, não estamos apenas projetando nossos processos internos, mas também o processo que o cliente experimenta. Acredito que existam excelentes oportunidades para avançar o pensamento e a prática lean no setor.
RP: Qual é a sua experiência? Conte-nos sobre sua carreira, por favor.
AL: Na maior parte de minha carreira, trabalhei na indústria automotiva. Minha primeira exposição ao lean aconteceu quando li “A Máquina que Mudou o Mundo” em um avião, e lembro de ter ficado intrigado, mas cético. Eu não tinha certeza se os métodos de melhoria e gestão desenvolvidos pela Toyota no Japão funcionariam na Austrália, onde os colaboradores normalmente gostam de questionar as iniciativas da gestão. Com certeza, eu acreditava, isso faria com que fosse mais difícil para o lean se enraizar. Agora tenho outra opinião: questionar é um elemento-chave do lean!
A empresa de manufatura na qual trabalhei tinha a Toyota como cliente. Estávamos bem em termos de qualidade e entrega, mas eles queriam que reduzíssemos nossos custos. Eventualmente, deixamos que eles nos ajudassem (de forma relutante no começo, preciso admitir), e eles me convenceram já no primeiro evento de kaizen que conduziram conosco. Eles trabalharam com uma de nossas equipes de melhor desempenho, e muitas pequenas melhorias que eles fizeram em um curto espaço de tempo tiveram um impacto significativo na qualidade e nos resultados da equipe. Aquela, para mim, foi a primeira vez que realmente senti o gosto do pensamento lean. Foi quando eu percebi o impacto de reunir as pessoas, encontrar formas de simplificar o processo e empoderar a equipe para continuar melhorando.
Em 1998, fui transferido para os Estados Unidos com a função de disseminar os princípios e as técnicas lean em diferentes plantas. Trabalhando com equipes por todo o país e compartilhando nossas dificuldades e sucessos foi uma experiência de aprendizagem fantástica para nós. Após alguns anos, assumi um papel operacional em uma planta em North Carolina. De certa forma, fui jogado diretamente aos leões, já que tivemos um grande problema com qualidade assim que entrei para a equipe, algo que ameaçou até mesmo parar as linhas de produção de nossos clientes. Pressionada pelos executivos, que estavam em modo de combate a incêndios, minha equipe focou em encontrar a causa raiz do problema. Um processo intenso de solução de problemas fez com que superássemos a crise, mas foi um evento de colocar carreiras em risco que me ensinou a nunca pular a conclusões, não importa quão urgente a situação é. Durante meu tempo nos Estados Unidos, tive a sorte de ter muitos ótimos mentores que me ensinaram a importância de desenvolver as pessoas, algo que me serviu de base quando voltei para a Austrália como CEO da empresa.
Meu tempo como CEO foi uma experiência maravilhosa, mas intensa. Foi uma ótima oportunidade para liderar o engajamento e a melhoria desde cima. Quando deixei a indústria automotiva, em 2006, tirei um ano de folga e viajei com minha família por toda a Austrália, morando sob as estrelas. Enquanto estava no outbackNT australiano, tive muito tempo para refletir e percebi que eu queria ser um coach lean para desenvolver pessoas como meus mentores me desenvolveram. E é isso que tenho feito pelos últimos 12 anos. Inicialmente, eu fazia isso sozinho. Chamei minha empresa de “Lean Experience” (minha esposa brincava que ela se denominava “lean” porque tinha pouco dinheiro entrando em caixa). Durante meu tempo trabalhando no setor automotivo, desenvolvi um relacionamento com Peter Walsh, do Lean Enterprise Australia, e começamos a trabalhar juntos com maior frequência. Hoje, administro o instituto com Denise Bennett, uma verdadeira pioneira em levar o lean para novos ambientes (leia o perfil dela no Planet Lean aqui - em inglês).
RP: Qual é o maior desafio do LEA atualmente?
AL: O desafio para nós na Austrália é apoiar e fortalecer a comunidade lean enquanto expandimos a aplicação da filosofia na área de serviços. O lean se aplica ao trabalho intelectual, e precisamos nos tornar mais relevantes no espaço digital e mais conscientes sobre o quanto podemos agregar a abordagens como o movimento ágil. Há muitas metodologias de melhoria que compartilham princípios e práticas similares, e estamos tentando criar alianças com as pessoas que as usam (um exemplo sendo nosso trabalho com Nigel Dalton, do Grupo REA - em inglês). Acho que, enquanto movimento lean, precisamos ser mais abertos aos outros e aprender como eles trabalham. Sempre que fazemos isso, imediatamente enxergamos as principais ideias lean servindo como base para eles!
EP: Quais são os benefícios de fazer parte da Rede Global Lean (LGN)?
AL: Para mim, tem a ver com a habilidade de aprender com os outros ao redor do mundo, que trabalharam em todos os tipos de ambientes diferentes. Estamos apenas começando a atingir esse potencial com atividades em grupo como a semana jishuken que tivemos na Polônia.
Para nosso instituto, há um grande benefício em fazer parte de uma grande organização sem fins lucrativos. A missão da LGN de compartilhar conhecimentos e aprender com organizações lean ao redor do mundo ressoa muito bem com nossos clientes.
NT: Outback se refere às regiões remotas e geralmente desabitadas do interior da Austrália.