EDUCAÇÃO

A transformação lean sob a visão da diretoria

Robson Gouveia e Cristiano Ferreira de Assis

Nesta terceira parte do caso Ânima registraremos uma entrevista feita com o diretor de serviços e processos acadêmicos do grupo. Cristiano falou um pouco sobre toda a mudança radical de mentalidade e cultural que vem acontecendo da organização e como isso  vem afetando a todos os envolvidos, independentemente do cargo que ocupam ou das funções que exercem.


Lean Institute Brasil: Cristiano, você poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória na Ânima?

Cristiano: Claro. Entrei na Ânima em 2005 como professor, cargo que mantenho também até hoje. Em 2006, comecei minha trajetória administrativa no grupo atuando como coordenador de curso. Desde então, assumi a gestão de alguns campus e algumas faculdades e atualmente ocupo o cargo de diretor na diretoria de serviços e processos acadêmicos, que pertence à vice-presidência acadêmica do grupo.

LIB: O LIB já publicou alguns artigos sobre o sucesso do lean no grupo Ânima com diversos resultados positivos obtidos. Como diretor, você tem uma visão mais ampla, do todo. Com essa visão, quais resultados você considera serem os mais significativos pro grupo?

C: Os resultados imediatos e mais tangíveis estão relacionados aos objetivos de cada projeto. Por exemplo, tivemos uma melhoria significativa no processo de rematrícula. Antigamente, 40% de nossos alunos precisavam abrir protocolos durante esse processo; hoje, apenas 22.1% dos alunos abrem protocolos relacionados a ele. É fácil enxergar nos outros artigos publicados vários desses resultados tangíveis.

Entretanto, o maior resultado que conquistamos é a própria transformação que está acontecendo na companhia como um todo. Começamos esse movimento na diretoria de relacionamento com o aluno, e agora o grupo inteiro já está falando em termos mais avançados, como transformação digital e desenvolvimento ágil. Conseguimos observar uma transformação sustentável na qual a equipe trabalha por todos, e todos se empenham para fazer seu melhor. Hoje, possuímos um norte verdadeiro, um propósito; as pessoas sabem o porquê de cada ação. Outra coisa que conseguimos mudar é a forma de pensar no fluxo de valor, em vez de pensar nos processos isoladamente. Pensar em termos de geração de valor fez uma diferença enorme na jornada de nossos alunos dentro da instituição.

Então, quando avaliamos a transformação das pessoas dentro e fora da organização, percebemos que hoje temos mais respeito pelo outro e mais autonomia. As pessoas hoje no grupo não têm medo de errar; pelo contrário, elas aprendem com seus erros. Essa parte intangível para mim é a parte mais importante da transformação.

LIB: O grupo parece ter passado por uma transformação cultural muito significativa. Como esse processo aconteceu? Foi difícil para as pessoas mudar e se adaptar a essa nova cultura?

C: Tirar as pessoas da zona de conforto e mudar a forma como as coisas são feitas sempre gera uma grande resistência. No início, era comum ouvir as pessoas sussurrando: “O que esse pessoal está fazendo aqui com esse monte de post-its na parede?”. Também era comum ver as pessoas desistirem de ir às reuniões. Começávamos com um grupo de doze pessoas, mas, no final do mês, apenas cinco ainda compareciam. Fomos aprendendo e nos transformando aos poucos. Primeiro tivemos que transformar os líderes, para só então eles conseguirem transformar aos poucos suas equipes e as outras pessoas que trabalham a seu redor.

Quando efetivamente começamos a fazer a construção coletiva, do início ao fim, aumentamos o engajamento e o senso de pertencimento das pessoas. Para mim, a grande virada aconteceu quando encerramos o ciclo de gestão de provas, e o Robson (consultor do LIB) deixou uma provocação. Ele disse: “Muito bonito isso tudo aí que vocês estão fazendo, os resultados e tal. Mas não se esqueçam de uma coisa muito importante: a gente deve fazer ao final de todo processo o hansei”. Ele anotou isso no quadro e foi embora.

Após isso, fizemos o hansei com todos da equipe e lá reafirmamos o norte verdadeiro, o propósito e os desafios. Começamos a utilizar técnicas de inteligência coletiva. E ao envolver todos, com uma equipe heterogênea, dentro de uma mesma sala, conseguimos construir esse espírito, essa força que move a gente a sempre olhar para o aluno, para o que gera valor. Isso foi fundamental em nossa virada.

Quando observo hoje a maturidade das pessoas e a transformação em cada uma delas em relação a o que elas eram há um ano, sei que valeu a pena cada dia que saímos de casa para implementar o lean. Enxergar as pessoas com um propósito, um brilho no olhar e com autonomia e leveza para fazer as coisas, alcançando resultados que não imaginávamos, é muito gratificante.

LIB: Conseguimos enxergar um foco muito forte do grupo no Gerenciamento Diário. Qual você acha que é a importância do GD?

C: Ao contrário do que algumas pessoas pensam, o GD não é simplesmente um painel com informações para auxiliar no processo de tomada de decisões. Para mim, a maior importância do GD é a capacidade que ele tem de reunir as pessoas relacionadas a um mesmo assunto para discutir, dialogar e contribuir com determinado propósito.

O GD visto de fora parece ser apenas um painel de gestão com números indicando onde estamos e aonde queremos ir. Tudo bem, existe esse painel com esses dados, fatos e informações. Mas a prática de reunir as pessoas para proporcionar um diálogo e a oportunidade de aprender a fazer perguntas é muito mais importante.

No grupo, para incentivar a participação, adotamos uma prática em que cada dia um integrante diferente da equipe efetua a apresentação. Isso garante que todos saibam o que está acontecendo e que uma pessoa possa contribuir com o desafio da outra. Essa é uma materialização de uma construção coletiva com um acompanhamento coletivo. O GD tem que fazer sentido para todos que estão lá, e não apenas apresentar números e post-its sem explicar o porquê.

Conquistamos essa nova visão aos poucos. Hoje, o GD, que causava reações do tipo: “Poxa, hoje tenho que ir lá 11h”, virou algo natural, e as reações das pessoas se tornaram: “Que horas será o GD?”. Agora o pessoal procura o GD, em vez de fugir dele, como faziam antes.

LIB: Qual é a função da liderança no GD?

C: A liderança tem que aproveitar todas as situações para ensinar e mentorar as pessoas. Portanto, acho que a função da liderança no GD é apoiar cada um dos colaboradores que estão ali e efetivamente fazer a equipe trabalhar em conjunto. Além disso, acho importante que a liderança desafie as pessoas e saiba fazer as perguntas que vão nortear o trabalho, pois somente através de perguntas é possível provocar uma reflexão e desenvolver a autonomia das pessoas.

Então, no final das contas, acho que a grande função do líder é apoiar e liderar com respeito, tentando fazer com que cada um alcance seu sucesso. Aprendi o termo “liderar com respeito” no livro dos Ballé, que nos ensinou que o lean tem a ver com as pessoas, e não é apenas uma técnica para resolver problemas. Essa foi uma mudança de mindset importante que fez com que passássemos a valorizar mais a metodologia.

LIB: Pensando que a Ânima é um grupo educacional, como o lean pode contribuir com a formação dos alunos na sala de aula?

C: Inicialmente, começamos o lean na parte operacional da instituição, nos canais de atendimento para eliminar os erros de cobranças de boletos e demais serviços acadêmicos e de aplicação de provas. Mas hoje também utilizamos o lean para garantir o ciclo de melhoria contínua em nosso ecossistema Ânima de aprendizagem. Hoje também utilizamos o lean para desenvolver projetos que colaboram com a jornada dos professores em relação tanto à parte de prestação de serviços quanto à parte acadêmica propriamente dita. Até aí, estamos falando em utilizar o lean sob a ótica da melhoria de processos dentro da instituição, o que indiretamente reflete em uma melhor prestação de serviços educacionais.

Entretanto, começamos recentemente um movimento para aplicar o lean também no currículo. As pessoas que trabalham nos processos também são professores, e elas já começaram a colocar a prerrogativa da metodologia na hora de preparar uma aula ou na hora de apresentar um case. Na verdade, acreditamos tanto nessa transformação curricular que vamos lançar uma pós-graduação focada na metodologia lean. Acho que essa será nossa grande iniciativa para contribuir para a formação de egressos que tenham essa competência universal estabelecida pelo lean.

Dentro de um curto ou médio prazo, pretendemos conquistar uma competência lean dentro do currículo da Ânima. Isso já é quase que uma realidade; a própria LDB já preconiza que o aluno tem que ter a capacidade de resolver problemas. Então, indiretamente já podemos utilizar essa metodologia para auxiliar o que a LDB preconiza. E isso é importante, porque queremos que nossos alunos sejam agentes transformadores de nosso país. Afinal, nossa missão é transformar o país através da educação.

Publicado em 20/02/2019

Autores

Robson Gouveia
Diretor no Lean Institute Brasil.
Cristiano Ferreira de Assis
Mestre em Administração pela FPL, especialista em Tecnologia de Redes pela UFLA e graduado em Engenharia Elétrica pelo CEFET. Possui mais de 12 anos de experiência na gestão acadêmica, atuando como coordenador de curso, coordenador geral dos Programas de Pós-Graduação Lato Sensu, diretor de campus, diretor de faculdade, assessor acadêmico da reitoria e diretor de serviços e processos acadêmicos da holding (função atual). Além da experiência na gestão acadêmica atua como professor universitário desde 2004.
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