DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS E PROCESSOS

O caminho para o inferno produtivo é pavimentado com falta de LPPD

Jim Morgan

A maioria das pessoas já deve estar familiarizada com os problemas de qualidade e entrega que a Tesla teve com o lançamento do produto Modelo 3. Até mesmo o CEO Elon Musk reconhece seu baixo desempenho, referindo-se ao “inferno produtivo” de peças atrasadas, processos de baixo desempenho, acidentes de funcionários e retrabalho como apenas uma parte normal de seu processo de lançamento de produtos. Isso não é normal. Embora os lançamentos nunca sejam fáceis, nenhuma empresa que conheço tem esse tipo de problema. O problema não é só que a Tesla está meses atrasada; ela ainda está experimentando o tipo de problema de qualidade embutida que deveria ter sido resolvido meses ou anos atrás. Os problemas na montagem que recentemente foram identificados pela empresa de engenharia automotiva e benchmarking Munro and Associates em um artigo da Auto Week por Jay Ramey são surpreendentes. O CEO da Munro comentou ao revisar um Modelo 3 recém-entregue: “Olhe aqui! Eu mal consigo colocar minha unha neste espaço, mas do outro lado eu consigo colocar meu polegar inteiro. Isso é muito incomum; a tolerância para erros neste carro é diferente de tudo que já vimos antes.”

Recentemente li um artigo na Bloomberg View em que o autor, Edward Niedermeyer, explicitou a má qualidade da montadora, perdendo prazos e gerando retrabalho em larga escala. "A Tesla está levando a indústria automotiva de volta à idade das trevas", disse ele. Niedermeyer identificou corretamente a introdução do Sistema Toyota de Produção (STP) como a força que transformou drasticamente o desempenho na fabricação de automóveis. Além disso, ele afirmou que a maneira Toyota foca em consertar a causa raiz dos problemas: “Ao invés de tentar reparar defeitos mais eficientemente, que por sua natureza variam muito e assim prejudicam os processos padronizados, a maneira Toyota foca em consertar as causas do defeito".

Então, estava lendo, concordando e pensando: "Sim, já é hora de alguém dizer isso". E então bam! O fim. O autor cai na mesma armadilha que a Tesla aparentemente caiu: pensar que você pode curar esses problemas na produção. Basta usar o STP - problema resolvido. Não é tão fácil assim.

Não escrevi isso para criticar a Tesla. Odeio quando as pessoas criticam uma empresa que está em dificuldade. Passei muitos anos na Ford durante alguns dos seus momentos mais difíceis e difíceis e sei exatamente como é. Isso não ajuda. Na verdade, quase não escrevi esse artigo por essa mesma razão. No entanto, acredito que há uma lição importante aqui para muitas empresas: que a hora para resolver esses problemas é no desenvolvimento do produto. Todos os heroísmos do chão de fábrica na Tesla fazem pouco para chegar à raiz dos problemas, e eles rapidamente desgastam as pessoas. O que é ainda pior é que os engenheiros, que estão presos no inferno produtivo, não ficam disponíveis para o próximo projeto, quase garantindo que ele vá falhar, começando um clássico círculo vicioso no setor de desenvolvimento de produtos.

Não me entenda mal. O STP é um sistema de fabricação incrivelmente poderoso. Mas uma vez que você já está no lançamento, suas ferramentas, acessórios, processos, designs de peças, interfaces e requisitos - tudo isso já está feito. A liberdade que o pessoal da manufatura tem agora é apenas uma pequena fração do que tinha durante o processo de desenvolvimento do produto. Focar no começo do processo de desenvolvimento tem sido um fator fundamental para o desenvolvimento lean. E o final do processo de desenvolvimento é onde os ciclos rápidos de aprendizado por meio da experimentação direcionada devem ocorrer. Não durante o lançamento, muito menos durante a produção. Embora os problemas possam ser oportunidades ricas de aprendizado, quando se trata de lançar os melhores produtos, problemas são aquilo que você nunca deve ter.

O desenvolvimento de produtos é uma atividade empresarial

Projetar, construir e entregar ótimos produtos é uma atividade empresarial que envolve engenharia, qualidade, marketing, manufatura e fornecedores-chave. E não como uma espécie de atividade “ininterrupta”, mas como parceiros integrais com equidade e responsabilidade reais. Uma das características que diferencia o Desenvolvimento Lean de Produto e Processo (LPPD) das abordagens tradicionais é que ele permite criar novos fluxos de valor, não apenas um produto isolado. Uma das maneiras de fazer isso é envolvendo a empresa no início do processo de maneira estruturada e colaborativa através do sistema de gerenciamento obeya e de um processo que permite o princípio de compatibilidade antes da conclusão (CbC).

Dessa forma, as empresas são capazes de identificar e lidar com problemas interfuncionais no início do processo, enquanto o espaço para a solução é maior. Em nenhum lugar isso é mais importante do que na manufatura, onde a capacidade de aplicar efetivamente o know-how de fabricação é uma poderosa vantagem competitiva na criação de ótimos produtos e processos. Talvez não surpreendentemente, a Toyota se destaca nessa capacidade. Mas o mesmo acontece com empresas como a Apple, que criam produtos "insanamente ótimos" e tem uma capacidade de fabricação igualmente fenomenal.

Embora possa não parecer, estou realmente torcendo pela Tesla. Seu pensamento e seus produtos desafiaram o status quo na indústria automobilística, como a Toyota fez muitas vezes no passado. E isso é bom para a indústria e para o cliente. Então espero que eles continuem. Sei que eles são espertos, e há evidências de que eles estão aprendendo. Em um tweet recente, o CEO da Tesla disse que "a automação excessiva foi um erro. Para ser preciso, meu erro. Os seres humanos são subestimados”. Isso é encorajador e soa como uma pessoa que está aberta ao aprendizado. Mas a hora da urgência, a hora para "dormir" no trabalho, é durante o desenvolvimento dos produtos - não durante a produção. Então apenas temos que fazer com que ele e sua equipe olhem para o fluxo e que possam começar a entender e abraçar os princípios e práticas do LPPD. Esse será finalmente o começo do fim do inferno produtivo da Tesla.

E você? Seus lançamentos são um pouco mais agitados do que precisam ser?

Publicado em 24/07/2018

Autor

Jim Morgan
Presidente da EMC Network e senior advisor do Lean Enterprise Institute. Autor dos livros "Projetando o Futuro" (2020) e "Sistema Toyota de Desenvolvimento de Produtos" (2008).
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