ENTREVISTA – Um cardiologista de um hospital em Salvador, Bahia, explica como seu departamento foi completamente transformado após a introdução de um caminho dedicado para pacientes cardíacos.
Planet Lean: Qual era a situação no Departamento de Cardiologia quando o lean foi introduzido pela primeira vez?
Eduardo Novaes: No Brasil, uma pessoa morre de ataque cardíaco a cada cinco minutos - são 80 mil mortes por ano, 60% das quais ocorrem na primeira hora. Isso torna realmente importante tratar os pacientes cardíacos o mais rápido possível, o que é uma das razões pelas quais, em maio de 2016, o Hospital Aliança decidiu introduzir um caminho multidisciplinar dedicado para eles. Isso envolveu profissionais de diferentes áreas (como médicos, enfermeiros, assistentes sociais etc.).
O problema que nos convenceu a tentar o lean foi o fato de o departamento de cardiologia possuir tecnologia de ponta e pessoal muito capaz, mas uma alta taxa de inatividade. Não havia nenhuma maneira padronizada de gerenciar a provisão de cuidados, e nós não monitorávamos nenhum KPI.
Auxiliar os pacientes de ataque cardíaco usando o novo protocolo multifuncional foi o primeiro desafio que escolhemos enfrentar em nossa jornada lean. Não precisávamos mais do que apenas um protocolo teórico para consultar. Queríamos um sistema que abrangesse todo o fluxo do paciente, desde o momento em que ele chega com dor no peito, até a equipe de emergência e hemodinâmica limpar a artéria obstruída e, finalmente, levá-lo para a UTI.
Existem padrões internacionais rigorosos para cada etapa desse processo. Implementar tais protocolos é uma tarefa desafiadora, porque dependemos daqueles na linha de frente para saber o que precisamos fazer e quando. Essa foi a primeira vez que esses conjuntos de ações ocorreram de forma coordenada.
PL: Como o lean os ajudou?
EN: As pessoas que trabalhavam na recém-criada "Linha de Cardiologia" eram todas profissionais de cuidados sem experiência com gestão, e o hospital não tinha um conjunto de ferramentas adequado que pudesse orientá-los. Como médico que administra o novo caminho clínico, senti-me completamente despreparado para esse papel e pensei que não tinha qualificações suficientes. Por um tempo, até pensei em desistir.
Mas, então, o hospital nos forneceu treinamento lean para desenvolver nossas capacidades, e, em equipe, percebemos imediatamente a conexão forte que sentimos com essa maneira alternativa de pensar. A introdução do lean no Hospital Aliança nos deu a chance de modificar nossa abordagem de atendimento, redefinição de processos, criação de padrões e desenvolvimento das capacidades de nosso pessoal. O lean nos deu um método para seguir e o apoio da alta administração de que nosso pessoal precisava para ter sucesso.
Os resultados que conseguimos graças ao protocolo baseado no lean foram tremendos. Eles incluem uma redução de 23% no tempo entre a admissão do paciente e o procedimento de angioplastia, bem como uma melhoria geral em nosso desempenho. Para mais informações sobre como começamos nossa jornada lean e os resultados obtidos, leia este outro artigo que coescrevi.
PL: Como muitas vezes acontece em uma jornada lean, você começou por um A3. O que você pode nos contar sobre essa experiência?
EN: No início, construir o primeiro A3 foi bastante lógico e direto, mas o conteúdo do trabalho era imenso, e, em pouco tempo, mapear o processo do tratamento de um ataque cardíaco (que envolve várias pessoas, processos e muita informação) em uma página apenas começou a parecer uma tarefa impossível. Como profissionais da saúde, estamos acostumados a manuais com centenas de páginas!
Houve muitas iterações do A3, mas quando finalmente conseguimos, foi incrível. O impacto foi enorme, tanto para nossos colaboradores quanto para os pacientes: os colaboradores desenvolveram uma melhor compreensão do processo (que poderiam, então, padronizar), enquanto os pacientes poderiam ser tratado com a maior rapidez.
PL: Qual é o papel do sistema de TI no hospital? Como você sabe se ele facilita o trabalho ou se atrapalha?
EN: Não é fácil, mas a regra de ouro é que a TI tem que trabalhar com e para os médicos e outros profissionais. Os dois devem estar perfeitamente alinhados, de modo que o pensamento clínico possa de alguma forma ser incorporado na estrutura da TI em uso no hospital.
PL: Você encontrou alguma resistência quando introduziu o lean pela primeira vez? Como você a eliminou?
EN: Tenho que dizer que a resistência não foi um grande problema para nós: as pessoas pareceram estar abertas a colaborar assim que aprenderam sobre lean. Nos casos em que encontramos alguma resistência, confiamos na empatia e começamos a nos colocar no lugar das outras pessoas. Os médicos encontravam-se com enfermeiras ou recepcionistas relutantes e diziam que fariam um esforço para olhar as coisas pelo ponto de vista deles. Ao longo do caminho, todos aprendemos a nos colocar no lugar do paciente, que é a coisa mais importante que podemos fazer enquanto profissionais da saúde. No final do dia, somos todos humanos, e é importante que aprendamos a escutar uns aos outros.
PL: Qual é a maior lição que sua jornada lhe ensinou até agora?
EN: Há muitas na verdade. A primeiro e mais importante é que o lean é uma excelente abordagem para melhorar os cuidados da saúde, uma que permite reduzir drasticamente o desperdício e resolver problemas sistêmicos recorrentes. Também aprendemos que as pessoas que estão em melhor posição para melhorar o processo são aquelas que o realizam dia após dia, no gemba.
Pessoalmente, tenho que dizer que mudei muito: não estou mais apenas envolvido na prestação de cuidados aos pacientes; sou um profissional mais completo, com capacidades gerenciais. Essas duas funções, agora aprendi, me complementam, e acredito que essa abordagem ao trabalho deva ser compartilhada com o resto do hospital. Os benefícios para a organização como um todo seriam incríveis.
Para mais informações sobre cuidados de saúde no Brasil, entre em contato com Flávio Battaglia em [email protected]