PROCESSOS ADMINISTRATIVOS

Praticando conceitos lean em um ambiente de escritório

Drew Locher

Aplicar os princípios lean em organizações de serviços e em processos administrativos dentro de organizações de manufatura muitas vezes confunde as empresas. O membro do corpo docente lean e autor Drew Locher oferece quatro etapas fundamentais para se concentrar a fim de alcançar o sucesso.

Criando fluxo lean em processos de escritório e de serviço

Há muitos sucessos lean bem documentados em aplicações na manufatura. No entanto, as organizações de serviços e os processos administrativos dentro de organizações de manufatura muitas vezes não conseguem aplicar esses conceitos. Um grande problema é que as empresas tendem a se concentrar estritamente nas “ferramentas” lean e não mudam fundamentalmente como o trabalho é realizado e como ele flui e, portanto, não percebem os resultados significativos que podem ser alcançados. Isso é desanimador e pode levar ao abandono do lean completamente. Os membros da equipe de colaboradores percebem o esforço, então, como “apenas outro programa” – um programa fracassado.

Outra armadilha de muitos esforços de escritórios e serviços lean é a falta de alinhamento com a estratégia da organização e com os objetivos do negócio. Ao aprender uma nova ferramenta, as pessoas tendem a sair e procurar uma aplicação para ela. Tais esforços bem intencionados nem sempre fornecem os resultados esperados, porque não estão alinhados com os principais objetivos da empresa ou não atendem a uma necessidade empresarial.

Nessas situações, é a gestão que tende a se desanimar, e mais uma vez o esforço é abandonado. Isso não se deve à ineficácia dos conceitos lean, mas ao fato de que a administração não considerou cuidadosamente os processos de negócios específicos que precisavam ser reelaborados para que a organização realizasse seus objetivos. Alinhamento é criticamente importante.

O esforço de escritório e serviço lean deve focar nos principais processos do negócio que afetam diretamente a capacidade da organização para entregar valor aos seus clientes, tais como o processamento de pedidos. A empresa, então, perceberá benefícios imediatos, e os clientes verão rapidamente os resultados. No entanto, pode haver outros processos que devem ser abordados por outras razões comerciais.

Em uma empresa, o novo processo de contratação exigia atenção imediata, uma vez que havia uma necessidade de empregar efetiva e eficientemente novos associados para atender à crescente demanda. Em outra empresa, o foco era em processos que ajudariam a gerar capital de giro, pois havia uma necessidade urgente de dinheiro. Vários processos contábeis relacionados foram abordados, tais como devoluções de fornecedores e descontos, disputas e resolução de faturas de clientes. Compete a cada organização desenvolver um conjunto de objetivos claros, identificar os processos de negócios que se relacionam com eles e determinar quais precisam ser abordados.

Armadilhas das ferramentas lean

Ainda outro obstáculo do foco na ferramenta é a tendência de fazer mudanças isoladas dentro de departamentos e funções. Mais uma vez, a maneira fundamental de trabalho é executada, e os fluxos muitas vezes permanecem inalterados. A aplicação de qualquer ferramenta deve ser feita no contexto do projeto global dos processos do negócio a fim de obter todos os benefícios.

Em outras empresas, o esforço “lean office” ou “lean servisse” se limita a tentar organizar melhor o local de trabalho através da técnica dos 5S. Essas organizações não conseguem implementar os principais conceitos de trabalho padrão, fluxo e puxada nivelada.

Por que tantas empresas sofrem para aplicar os tão conhecidos conceitos lean nos processos de escritório e de serviço? O principal motivo é que a natureza do trabalho realizado no escritório ou no serviço é diferente. Mas como é diferente? A maioria das pessoas aponta para a variabilidade do trabalho, a multitarefa, a imprevisibilidade da demanda e a natureza “criativa” do trabalho.

E é verdade: o trabalho realizado no escritório e nos serviços tende a ser altamente variável. No entanto, isso ocorre por várias razões, a maioria das quais são criadas pelas próprias empresas. Por exemplo, a falta de trabalho padrão e sua aceitação contínua pela gerência é uma causa preliminar para a variabilidade no escritório e nos serviços. A falta de trabalho padrão muitas vezes resulta em qualidade de informação inconsistente, o que requer tempo prolongado para endereçar e corrigir.

Outra fonte de variabilidade da demanda é o processamento em lote ou a realização de uma atividade periodicamente, muitas vezes por causa da conveniência do colaborador. As pessoas não percebem que estão loteando e o impacto que isso tem sobre os processos abaixo. A boa notícia é que você pode reduzir a variabilidade através da aplicação dos conceitos lean.

Vamos cobrir quatro etapas básicas para a aplicação do lean em locais de trabalho de escritório e serviço:

  • Estabilizar
  • Padronizar
  • Visualizar
  • Melhorar

A abordagem que você precisará tomar depende de seu ponto de partida. Se o processo é altamente instável, na medida em que tem uma saída inconsistentes e muitas vezes inaceitáveis, você precisa primeiro estabilizá-lo. Se o processo já é estável, porém, você pode começar a padronizar a maneira pela qual os processos são realizados. Em outras palavras, identificar e chegar a um acordo sobre a melhor maneira de executar cada atividade ou processo e assegurar que pessoas diferentes realizem o mesmo processo de forma consistente.

Uma vez que seu processo foi padronizado, você precisa visualizá-lo dentro da organização. E, claro, seu objetivo final é melhorar todos os processos em uma base contínua.

Vamos explorar cada etapa em mais detalhes. Mas, em primeiro lugar, cuidado: a importância de identificar com precisão seu ponto de partida precisa ser enfatizada. Por exemplo, se você tentar padronizar um processo instável, provavelmente não verá resultados desejáveis. Vamos dar uma olhada em “estabilizar” primeiro.

Estabilizar

O objetivo desta etapa é criar saídas previsíveis e repetíveis. Em ambientes de escritório e de serviços, “nunca sabemos o que vamos conseguir” é um mantra comum. Mas esse não é o caso dos processos de fabricação. Mesmo quando eles não são tão eficientes quanto poderiam ser, no final há uma garantia de que o produto irá funcionar como o cliente espera.

Então, qual é a diferença? Em ambientes de manufatura, as operações de inspeção e teste fornecem essa garantia. No entanto, em ambientes de escritório e de serviço, o “produto” não é tão tangível, por isso pode ser mais difícil garantir a qualidade da saída. Em ambientes de serviços, em particular, a criação e o consumo em tempo quase real de um serviço pode tornar a garantia de qualidade problemática.

Se seu processo de escritório ou serviço é incapaz de entregar uma saída consistente, então seu esforço lean deve começar aqui. Você precisa identificar a fonte da instabilidade, que, na maioria das vezes, é uma compreensão inadequada das necessidades do cliente. Em casos raros, você pode até mesmo encontrar um desrespeito completo para satisfazer as necessidades do cliente. “O cliente irá receber quando dissermos”. Apesar de você não escutar alguém dizendo isso abertamente, o mesmo significado pode ser comunicado pelo fraco desempenho contínuo de uma determinada organização, departamento ou indivíduo. Em outras palavras, os prestadores de serviços não ouvem mais a “voz do cliente”.

Nessas situações, você começará devagar, definindo claramente as necessidades do cliente, documentando-as de maneiras simples (pense em listas de verificação) e fornecendo treinamento para o pessoal de escritório e de serviço. Curiosamente, a implementação de sistemas de puxada pode proporcionar a tão necessária estabilidade.

Um dos objetivos dos sistemas de puxada é dar ao cliente o que eles querem e quando eles querem. Claramente, apenas alcançar esse objetivo em uma base consistente trará estabilidade a seu processo ou sistema. Essa é uma razão para a implementação de sistemas de puxada ser um foco precoce de uma implementação lean em escritórios e serviços. Quais são as outras causas de instabilidade?

Vamos examinar o que acontece quando você tem um processo mal definido. Nesse caso, seus membros de equipe são deixados sozinhos para entender a melhor maneira de executar um processo. Suponhamos ainda que os detalhes para realizar esse processo estejam dentro de cada pessoa (muitas vezes referido como “conhecimento tribal” e não adequadamente compartilhados com outros na organização). Você consegue ver como isso poderia causar instabilidade, já que as saídas podem variar muito com base em quem executa o processo? A correção, novamente, é bastante simples: você precisa definir um processo específico para todos os funcionários entender e seguir. Mapear o processo todo pode fornecer a tão necessária definição. Isso nos leva a nosso próximo passo lean, “padronizar”.

Padronizar

Ao implementar o lean no escritório e nos serviços, você descobrirá muitas vezes que já tem alguma estabilidade dentro de seus processos, e padronizar será, então, seu ponto de partida. Quando padronizamos, desenvolvemos práticas consistentemente seguidas por todas as pessoas que realizam o processo e/ou as atividades ligadas ao processo.

Por que se importar em como fazer isso, desde que seja feito? Importa sim. Na maioria dos casos, há alguma estabilidade que pode ser melhorada através da padronização. Um foco principal da padronização é simplificar o trabalho. Digamos que você tenha um processo que leve 15 minutos, e, através da padronização, você é capaz de diminuir a duração para 10 ou até 5 minutos. Menos variabilidade acontecerá no processo devido à duração mais curta, e seus colaboradores estarão mais propensos a aderir ao processo se souberem que ele representava a maneira mais simples possível no momento em que foi desenvolvido.

Outro objetivo da padronização é tornar mais fácil a identificação das condições que não são padrões. Essas são condições que devem ser analisadas para retornar o processo a níveis aceitáveis de desempenho. Condições não padronizadas não serão reconhecidas se não houver normas para as comparar. Por exemplo, se todos executam certa atividade de maneiras amplamente diferentes, que tipo de conclusões você pode tirar sobre a eficiência e o impacto no processo do cliente? Ao padronizar, você pode tornar aparentes as respostas a essas perguntas básicas, e isso nos leva ao próximo passo.

Tornar visível

Nosso objetivo principal com este passo é fazer com que o local de trabalho “fale” conosco. A comunicação visual é o método de comunicação mais eficaz e eficiente. As empresas lean sempre procuram melhorar a visibilidade ao longo de suas operações. Algumas pessoas se referem a isso como “transparência”. No início, as organizações tornarão o desempenho mais visível. Esse é um bom primeiro passo. No entanto, muito mais pode ser realizado, mas apenas uma vez que seus processos e atividades forem padronizados.

Um local de trabalho visual é aquele que é mais fácil de gerenciar ao longo do tempo. Com instruções de trabalho e regras de priorização publicadas visivelmente, menos tempo será necessário para dirigir as atividades mais básicas. Com técnicas que tornam o desempenho mais visível, menos tempo será necessário para identificar problemas de desempenho. Um local de trabalho visual torna mais fácil a condução da melhoria contínua, o verdadeiro objetivo do lean, o que nos leva ao próximo passo.

Melhorar (continuamente)

Quando você começa sua implementação lean, não haverá falta de oportunidades para melhorar. Você envolverá seu pessoal para melhorar o desempenho. Você pode optar por começar com alterações em menor escala, dentro de departamentos ou funções existentes. Em primeiro lugar, você obterá melhorias locais, o que estabelecerá uma base para mudanças mais amplas a serem feitas no futuro. Alternativamente, você pode optar por começar com o redesenho de fluxos de valor inteiros. Em outras palavras, você vai escolher uma abordagem que funcione para a sua situação.

Independentemente da abordagem, haverá um alto nível de atividade de melhoria por algum tempo, talvez dois a três anos. Mas como você vai sustentar a melhoria contínua? Como a melhoria contínua se tornará parte da cultura de sua organização?

As técnicas de gestão visual a serem implementadas ajudarão muito nesse aspecto. Mas você precisa de mais: você precisa de líderes eficazes que proporcionem um ambiente de aprendizagem onde seja seguro fazer experimentações. E você precisa de práticas de desenvolvimento de pessoal para sustentar o sistema, mesmo no caso de uma mudança na liderança.

Poucas organizações investem suficientemente no desenvolvimento de seu pessoal. Há empresas que aplicaram com sucesso o lean por muitos anos, cinco ou até 10 anos, mas ainda “se perdem no caminho”. Muitas vezes isso é atribuído à incapacidade de desenvolver continuamente líderes que compreendam profundamente o lean, que possam sustentar e até mesmo melhorar o sistema e que possam ensiná-lo a outros. Somente dessa maneira a cultura de melhoria contínua pode ser sustentada. Embora o lean já pertença ao senso comum, ele ainda não é uma prática comum.

Apesar de a natureza de senso comum dos conceitos lean fazerem sentido para a maioria das pessoas, a aplicação bem-sucedida do lean requer mudanças fundamentais de comportamento em muitas pessoas. As pessoas são criaturas de hábito e têm dificuldades para mudar. Mas você pode criar novos hábitos, dado o tempo e o apoio suficientes.

- Adaptado com permissão do vencedor do prêmio Shingo de 2012, “Lean Office and Service Simplified: The Definitive How-to Guide, de Drew Locher.

Publicado em 06/03/2017

Autor

Drew Locher
Presidente da Change Management Associates
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal