SAÚDE

A arte do lean

Catherine Chabiron
cirurgia

NOTAS DO GEMBA – Nesta caminhada pelo gemba do departamento de cardiologia de um hospital parisiense, o autor descobre como a equipe está mudando sua dinâmica interna e seus processos para tornar lean sua maneira de pensar.

Quando entrei no Hôpital Lariboisière com Benjamin Garel, diretor de assistência médica da Assistance Publique – Hôpitaux de Paris (um sistema de 39 hospitais universitários na região Ile de France, cuidando de oito milhões de pessoas por ano e empregando 100.000 pessoas), fomos recebidos por uma senhora sorridente que insistiu que tentássemos detectar alguns dos 14 “erros de segurança” que ela tinha cometido em um quarto que contava com um paciente manequim, uma bandeja de comida, um arquivo sobre o paciente e alguns medicamentos.

Esse exercício fazia parte das atividades da “Semana de Segurança”, organizada pelo hospital tanto para o pessoal quanto para os visitantes – uma forma divertida e eficaz de lembrar às pessoas de que a profilaxia inadequada, os medicamentos errados ou os rótulos imprecisos contribuem para a má qualidade do atendimento, o que, em um hospital, pode realmente resultar em uma doença grave (ou mesmo a morte) para um paciente.

Aplicar o lean na área da saúde significa fazer com que os médicos e a gestão enxerguem os problemas e puxem o andon para tentar resolvê-los e que puxem o fluxo para aprender a navegar em um ambiente complexo de silos que normalmente ignoram uns aos outros. Como se as coisas já não fossem suficientemente difíceis, conceitos como “entrega tardia” ou “não certo na primeira vez” têm um significado muito diferente quando o cliente é um paciente com dor. Sempre admirei pessoas como Benjamin, que – apesar dessas dificuldades – assumem o desafio de trazer o lean às organizações de saúde (primeiro ele fez em um hospital em Grenoble, antes de ir trabalhar para a Assistance Publique – Hôpitaux de Paris, onde ele está conduzindo uma transformação lean).

Nosso destino naquele dia foi a unidade de angiografia coronariana do departamento de cardiologia do hospital, liderada pelo professor Patrick Henry, que decidiu usar o pensamento lean para aumentar a satisfação do paciente e motivar toda a equipe, desde médicos até enfermeiros.

Antes de falar sobre o trabalho lean que a unidade empreendeu, deixe-me dar-lhe mais alguns dados: bem como fabricantes e empresas de serviços, os hospitais na França têm de competir com outros hospitais públicos e clínicas privadas em uma série de serviços específicos, como a angiografia. A alta competição em um mercado saturado é uma parte normal da vida diária de um hospital. Ao mesmo tempo, os hospitais públicos estão assistindo a um aumento da demanda (devido ao envelhecimento da população, mas também porque eles representam uma alternativa aos hospitais que fecham à noite ou para as pessoas como menor poder econômico que precisam consultar um médico). Tudo isso se torna ainda mais complicado por causa dos severos cortes orçamentários.

Então, deixe-me dizer-lhe o que estava acontecendo no Hôpital Lariboisière antes de Patrick Henry iniciar uma viagem lean com o apoio de Benjamin.

A maioria dos pacientes vem à unidade de angiografia para uma verificação de rotina, mas, se suas artérias coronárias estão em mau estado, a verificação pode facilmente se transformar em um procedimento, como a dilatação de uma artéria e a colocação de um stent cardíaco (um tubo de malha que impede a oclusão). Pacientes que necessitam realizar tais procedimentos não têm tempo a perder, uma vez que geralmente têm um alto risco de trombose coronária – comumente conhecida como ataque cardíaco: isso significa que, tratando-se do lean, o heijunka (nivelamento da carga de trabalho de produção) não se aplica aqui, e a equipe tem que trabalhar de acordo com a chegada das pessoas.

Quando os pacientes chegavam à unidade diretamente de fora do hospital, todos eles recebiam uma consulta às oito horas da manhã em certa data. Todos se reuniam ao mesmo tempo, nervosos e com fome (é necessário estar com o estômago vazio) – tendo que esperar que o arquivo administrativo seja preenchido e que a enfermeira os prepare, o que inclui fazer a barba, fazer testes e, em alguns casos, medicá-los previamente.

reunião

Como sempre, quando loteamos, os últimos pacientes a descerem para a sala de angiografia para sua verificação esperaria por horas na área de ambulatório – se não o dia inteiro – sem qualquer indicação de quando eles poderiam ser chamados, e sem poder comer. Ao meio-dia, costumavam estar nervosos, zangados, gritando e maldizendo, o que inevitavelmente impactava os níveis de estresse da equipe médica. Os enfermeiros do hospital chamavam seus colegas da área coronária e gritavam com eles, que normalmente respondiam algo assim: “Não podemos fazer nada melhor. O terceiro paciente mostrou ser um caso difícil, necessitando de três stents. Nem mesmo tivemos tempo para sentar e comer algo”.

A discussão sobre o lean criou um sentimento de consciência de que algo poderia ser feito para melhorar a situação e que os pacientes perceberiam a qualidade do tratamento médico geral (o produto) como melhor se sua entrega (o serviço associado e a logística) pudesse ser melhorada. Expectativas básicas (mesmo quando não expressadas) não atendidas “matam” um produto perfeito, assim como um banheiro sujo em um restaurante “mata” a experiência de um jantar.

O primeiro passo que o professor Henry deu foi convencer as diferentes funções envolvidas no processo (pessoas encarregadas pelas consultas, enfermeiras na área ambulatorial e a equipe médica da angiografia coronariana) a começar a se reunir regularmente e discutir possíveis oportunidades de melhoria.

A semente da melhoria contínua foi plantada, o que levou as equipes a eventualmente mudar seu padrão: uma reunião rápida diária às duas da tarde acontece agora com todas as partes envolvidas para rever juntos os tempos de espera e os problemas. O quadro da equipe exibe dados básicos sobre os tempos de espera, e é atualizado manualmente durante a reunião: é aqui que o sucesso é reconhecido, e a diferença entre o estado atual e os objetivos é discutida. Cada membro da equipe – seja da área coronária ou ambulatorial – pode participar das discussões sobre os problemas, enquanto o professor Henry escreve no quadro os experimentos a serem lançados ou as ações a serem rastreadas. Esse não é um quadro tradicional totalmente controlado e estático – é, sim, um espaço aberto para o pensamento da equipe.

Logo após a reunião, a equipe se desloca para a sala de enfermagem para planejar o dia seguinte, usando o sistema de programação comum. Ao tentar nivelar o esforço ao longo do dia, a informação do paciente e o contexto são considerados mais do que nunca. A discussão entre todas as partes interessadas em um melhor cronograma foi a primeira descoberta: os pacientes ambulatoriais agora recebem consultas em diferentes momentos (nivelando as chegadas ao longo do dia), e o tempo médio de espera caiu 40% em seis meses. Quando o lean entrou em cena, apenas metade dos pacientes esperava menos de cinco horas para o atendimento – agora esse dado subiu para 95%. Em certos casos, os pacientes também podem tomar café da manhã.

Essas mudanças estão estabelecidas e, surpreendentemente, melhoraram a atmosfera na ala. As coisas estão muito mais tranquilas do que costumavam ser, e a colaboração entre as funções tornou-se óbvia. Todo mundo aceitou a nova maneira de trabalhar como um enorme aperfeiçoamento.

Como sempre, no entanto, quando você começa a observar e discutir detalhes, você identifica uma série de pontos em aberto em que podemos aplicar o conceito lean de “aprendizagem reutilizável”, como definida por Michael Ballé, Dan Jones e Jacques Chaize neste artigo do Planet Lean (em inglês) (o risco de nos limitar à aprendizagem reutilizável é que simplesmente “copiamos e colamos” de outras experiências sem pensar muito). Para facilitar o pensamento ao longo dessas linhas, Michael, Dan e Jacques sugeriram o uso desta tabela:

tabela

Se pegarmos algumas das atividades na coluna da esquerda, poderemos rapidamente retratar alguns dos problemas que a equipe coronária está enfrentando, que são discutidas regularmente nas reuniões rápidas:

  • Reduzir lotes e aumentar a frequência de entregas:No caso de um paciente chegar tarde (ou não chegar), o mesmo intervalo de tempo é dado para dois pacientes (mesmo que isso ainda seja lotes). A enfermeira ambulatorial fica sobrecarregada no início da manhã (para preparar tudo), enquanto o pessoal da área coronária espera (ou faz outras tarefas). O tempo de espera melhorou, mas a média é pouco inferior a três horas, o que é ainda muito longo para os pacientes.
  • Aproximar-se do fluxo contínuo de uma só peça e do just-in-time:enquanto a enfermeira ambulatorial prepara o paciente, ela se pergunta qual nível de teste ela deveria fazer – dependendo da intervenção, ela tem uma série de testes para executar e riscos para verificar. Assim, caso seja necessária uma dilatação da artéria, ela aumenta tanto o número de testes quanto o tempo de preparação. Longe de fazer apenas o que é necessário.
  • Tornar o ritmo de produção mais próximo ao ritmo de vendas:com 10 pacientes por dia, em média, é de se esperar que a enfermaria chame um novo paciente a cada 48 minutos. A duração do processo varia de 10 minutos para uma verificação normal que não revela quaisquer problemas até duas horas para alguns procedimentos, se a angiografia revelar que as artérias estão em mau estado e precisa de imediata “reparação”. Há apenas um quarto disponível, entretanto, o que significa que os procedimentos complexos estão atrasando os simples. Além disso, a chegada de pacientes urgentes de última hora pode interromper um fluxo bem programado.
  • Tornar a detecção mais próxima à criação do defeito e parar em cada defeito:Um grande progresso já foi alcançado em termos da qualidade do ambiente de trabalho (principalmente a atmosfera). Ainda assim, como você verifica a qualidade em uma ala de hospital? Como você decide quando parar (jidoka) e pedir ajuda? Como você aprende com os erros?

Trazer o lean à área da saúde é um processo longo e doloroso. As organizações são complexas, e o bem-estar das pessoas está em jogo quando uma empresa é prejudicada pela má qualidade ou eficiência. Você não pode selecionar os pacientes que prefere (isso é serviço público), nem agilizar suas linhas de produtos para se concentrar no que você sabe melhor ou onde você conseguiu criar para si uma vantagem competitiva (clínicas privadas podem, mas não hospitais públicos). A abertura e a transparência quando se trata de problemas e erros permanecem tópicos difíceis de conversar na saúde, por causa do risco de ação legal. Mas o que Benjamin está aprendendo da maneira mais difícil, junto com todos os que estão dispostos a pensar de maneira diferente e agir de acordo no hospital, é aceitar que há sempre muito mais a aprender e, criticamente, que, antes de mais nada, precisamos aprender a aprender.

Publicado em 13/02/2017

Autor

Catherine Chabiron
Autora lean e membro do Institut Lean France.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal