GERAL

Você não tem como saber se você não souber

John Shook

Helen Kales, médica, é uma professora de psiquiatria do Sistema de Saúde da Universidade de Michigan. Recentemente, ela escreveu um blog fantástico descrevendo suas experiências com um importante conjunto de palavras: “eu não sei”.

O medo de parecer incompetente na frente de um grupo provavelmente já impediu a maioria de nós de dizer “eu não sei” pelo menos uma vez em nossas vidas. A Dra. Kales descreve um exercício simulado de fluxo que experimentou durante uma sessão de treinamento de saúde lean na Universidade de Michigan. Seu grupo lutou para conseguir o fluxo necessário, mas, quando os facilitadores lhes perguntaram o que eles pensavam que estava errado, o grupo começou automaticamente a dar respostas possíveis. Foi só após o grupo admitir, “não sabemos”, que deram um passo para trás, examinaram todas as possibilidades e, finalmente, chegaram a um inesperado momento “ah-ha!”.

A simulação fez com que a Dra. Karas lembrasse de várias experiências da vida real, incluindo uma situação pessoal que pedia um “eu não sei” contraintuitivo, mas crucial. Com medo de que seu filho Theo pudesse nascer prematuramente, provocando apneias e pé torto, os médicos fizeram uma bateria de testes negativos, determinados a provar que havia algo errado com ele. Tudo culminou em um médico dizendo à Dra. Kales que Theo “provavelmente” tinha uma doença neurológica debilitante que teria um impacto ao longo de sua vida. A realidade? Você adivinhou: o pediatra da família admitiu que não sabia o que (ou se) estava “errado” com Theo. E eis que os problemas respiratórios de Theo duraram apenas um mês antes de ser resolvido. Ele, agora, vive uma vida feliz e saudável.

O artigo da Dra. Kales levanta uma questão interessante: quando foi a última vez que você se sentiu completamente confortável dizendo “eu não sei”? Mesmo se você não tem problemas em dizer isso, você já sentiu uma pequena pontada de culpa por ter que pedir ajuda? Se isso fez você parar e coçar a cabeça, você não está sozinho. Por que parece haver um estigma associado a admitir não entender alguma coisa? Temos medo de parecer incompetentes?

O medo de dizer “eu não sei” é um indício de uma doença organizacional séria.

O dia em que os funcionários estão relutantes em pedir ajuda é o dia em que sua organização deixa de ser lean. É importante identificar cedo e corrigir na fonte.

Para mim também: uma das minhas primeiras lições lean era sobre o poder do “eu não sei”. Muito, muito antes de eu entrar na Toyota, eu era um estagiário de verão em uma enorme estufa da Yoder Bros. fora de Ft. Myers, Flórida, trabalhando para um imigrante alemão chamado Fred Kupke. Fred tinha escapado da Alemanha Oriental, arriscando sua vida por de milhas de escalada, rastejamento e corridas em busca de liberdade pessoal. Fred era um cara honesto. Ele não gostava de besteiras.

Um dia, Fred me perguntou por que um determinado problema tinha ocorrido na estufa: toda uma fileira de plantas não tinha sido regada corretamente. Hoje eu não me lembro o motivo. E eu não sabia o motivo na época também. Mas não foi isso o que eu disse a Fred quando ele me perguntou por que o problema havia ocorrido. Dei alguma besteira como resposta. Fred percebeu imediatamente. Ele olhou para mim com um olhar seco, sem piscar.

“O quê?”, ele perguntou novamente. Gaguejei a mesma resposta boba. Ele não se preocupou em me dizer qual era o verdadeiro problema ou em me contar como ele sabia que eu estava almoçando fora porque o que eu disse não fazia sentido ou em me explicar como o sistema de irrigação realmente funcionava, e era assim que ele sabia que minha resposta não fazia sentido. Ele nem sequer se preocupou em me pedir para explicar como cheguei a minha conclusão absurda.

Ele disse: “John, quando você não sabe… diga que você não sabe”. Essa foi minha primeira lição lean.

Tão poderosa quanto qualquer outra que eu aprendi alguns anos mais tarde na Toyota, onde vi o “eu não sei” atualizado como a prática do dia a dia. Cultura mesmo. Se você não pode dizer “eu não sei”, você não vai procurar entender as verdadeiras condições atuais, você não vai para os gembas procurar as causas, você não vai revelar problemas, você não vai resolver problemas, porque você não vai sequer encontrá-los. É o primeiro passo para descobrir a necessidade de ir ao gemba, realizando a análise da causa raiz, evitando tirar conclusões precipitadas e encontrando e resolvendo problemas. Uma sequência essencial, fundamental para o pensamento lean.

Voltando à história da Dra. Kales. Seu aprendizado durante o curso de saúde lean na UMich foi um catalisador, mas só reforçou a importância de uma lição que ela conhecia muito bem. A área da saúde – e uma das razões pelas quais a saúde precisa desesperadamente do pensamento lean – tem uma grave crise “eu não sei”. O trabalho de clínicos traz consigo uma enorme responsabilidade. Por isso, talvez, seja natural que, mais do que você e eu, os médicos às vezes tenham dificuldade com essa coisa de “eu não sei”.

Mas eis o importante: a descoberta nunca pode acontecer sem o “eu não sei”. É o oxigênio, o O2, da aprendizagem – sem ele, a aprendizagem é sufocada. Ela morre. Se o “eu não sei” é o oxigênio, uma atitude “sei tudo” é o dióxido de carbono – sem “eu não sei”, sem aprendizagem. E sem aprendizagem – sem lean.

Publicado em 24/11/2016

Autor

John Shook
Presidente da Lean Global Network, Senior Advisor do Lean Enterprise Institute, Estados Unidos
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal