CULTURA E LIDERANÇA

Estou fazendo o lean da forma certa? Como posso saber?

Passo muito tempo no gemba, mas como saberei se estou fazendo o lean da forma certa?

Você tem um sensei? Essa é uma pergunta muito interessante e autoreflexiva, e estou impressionado que você tenha perguntado de uma forma tão direta – mas não sei como respondê-la. É para isso que sensei é útil – assim como tai chi ou qualquer outra arte onde a prática é o foco; o relacionamento com um mestre (e seu relacionamento o mestre dele) é um elemento poderoso em que os dois podem ter uma nova perspectiva direta, focalizada e aberta às duas perguntas lean assustadoras que surgirão toda vez que você mostrar para seu sensei o que alcançou:

Por quê? Qual é o seu próximo passo?

É uma pergunta excelente, entretanto. Estive no gemba há alguns dias, e, enquanto tentávamos entender um assunto com o CEO no departamento de engenharia de software, o gerente-médio começou a debater “ágil” versus “lean”. Para ser honesto, estávamos mais interessados em entender se as equipes de software estavam trabalhando em problemas imediatos do cliente e quanto o desenvolvimento recente afetou a estabilidade do produto final e ficamos surpresos.

Mas o assunto continua valendo: como podemos saber se estamos adotando a abordagem certa? Principalmente quando estamos engajando os colaboradores em uma prática que seja contraintuitiva e que receberá muitas críticas das pessoas, como “não há motivo para fazer isso”, “para que fazer isso?”, “é impossível” – e o resto das reações comuns que as pessoas têm quando você desafia o desempenho do trabalho.

3 parâmetros para fazer o lean da forma certa

Se dermos um passo atrás, podemos estabelecer três parâmetros:

É seu objetivo fazer o lean da forma certa?

Você tem uma melhoria visível de desempenho através do desenvolvimento de pessoas?

Você sabe o que está fazendo?

O objetivo importa, mais do que costumamos pensar. Vamos encarar: há um mistério quanto ao lean. Primeiro, do TPS aos programas lean, temos sessenta anos de tradição lean para recorrermos – e muitos casos diferentes. Segundo, a abordagem “ferramentas kaizen / princípios lean” à aprendizagem, que consiste em observar, fazer e discutir, não é feita de simples receitas, e muito do pensamento lean tem a ver com manter o espírito da descoberta vivo. Ainda assim, há alguns pontos de verificação claros para descobrir quão intensamente você está tentando:

Você foi ao gemba hoje?

Você observou algum problema de segurança hoje e defendeu a solução de problemas para proteger melhor os colaboradores?

Você observou algum problema com a satisfação do cliente hoje e defendeu seu cliente contra os próprios processos da empresa?

Você observou algum pensamento em lotes hoje e pediu por mais flexibilidade e mais variedade para o cliente? Tentando aproximar-se de fazer apenas um produto ou serviço por vez?

Você observou algum caso de retrabalho e discutir o processo passo a passo com o colaborador para entender onde estava o problema, como as pessoas pretendem solucioná-lo e quais barreiras eles pensaram ter enfrentado?

Você encorajou uma equipe a olhar para seu próprio desempenho, estudar seu próprio método de trabalho e descobrir uma forma melhor de fazer as coisas?

Você aprendeu com sua visita ao gemba alguma oportunidade para tornar mais lean sua organização (independentemente de sabermos ou não fazer da forma certa agora)?

Essas perguntas são difíceis de responder, e o segundo aspecto de um objetivo verdadeiramente lean é que você se comprometa a não solucionar os problemas, mas a encontrar formas de fazer com que as pessoas no comando da área entendam o problema e descubram as respostas (o que, obviamente, não significa que você não pode ter sua própria opinião quanto ao assunto – apenas não a pode compartilhar).

Relacione o desempenho visível com as pessoas

Ao segundo ponto: está funcionando? O objetivo de qualquer atividade lean é duplo: você melhorou o desempenho e desenvolveu alguém para fazer isso. Um melhor desempenho é o principal teste que lhe dirá se o que você fez estava certo; medir resultados distingue a aprendizagem da experiência – que pode ser uma mudança aleatória. Mas, no lean, os resultados não dizem muito (melhor ter sorte do que ser bom, certo?) se ninguém tiver crescido. O desempenho visível deve ser relacionado à melhor compreensão de alguém de uma situação de trabalho e ao claro enunciado “antes, fazíamos isso; agora, lidamos dessa forma”. Sem uma maior autonomia das pessoas em situações complexas e sem um melhor desempenho delas, uma simples melhoria local não quer dizer muito.

Uma diferença crítica entre a abordagem lean e a gestão financeira é que os gerentes lean não tentam controlar todos os aspectos táticos – eles aprendem a deixar rolar. Em vez disso, eles focam nos fundamentos, sempre. A gestão financeira pode lhe dizer, em qualquer situação, como você poderia aumentar o preço, reduzir o custo e, provavelmente, investir em algo que traga um ótimo retorno. Como sabemos, a soma dessas decisões táticas costuma resultar em desastres políticos. Os resultados do lean são diferentes porque cada situação é lidada de acordo com o desempenho em geral (não apenas o custo), e ele foca nos condutores do desempenho: como as pessoas definem o sucesso, como entendem a situação e como escolhem o que fazer e refletem quanto a isso.

Portanto o segundo parâmetro para saber se você está fazendo o lean “da forma certa” é mostrar os casos específicos onde os resultados visíveis possam ser atribuídos a uma pessoa ou a uma equipe descobrindo algo fundamental e preciso sobre seu próprio trabalho em suas próprias circunstâncias e realizando melhorias visíveis de desempenho. Por exemplo, quando um hospital reduz seu tempo médio de internação em 20% (o que é uma enorme melhoria de desempenho para um hospital) ao criar uma unidade de alta e preparar antecipadamente o próximo passo para casos difíceis de pacientes, essa melhoria visível de desempenho pode ser relacionada a um melhor entendimento dos fundamentos do fluxo de pacientes. Podemos tentar muito aliviar a pressão das unidades de emergência, mas, se não houver leitos livres para os pacientes em outras unidades, as condições ruins continuarão na emergência.

Cuidar das altas com cuidado é a chave para diminuir a carga na emergência. Nesse caso, o resultado visível no gemba é explicado por um entendimento mais profundo quanto a como o fluxo do hospital funciona, então isso é fazer o lean “da forma certa”.

Aprofunde seu entendimento

O último parâmetro pode parecer um pouco estranho, mas podermos argumentar que, enquanto houver melhoria, não há necessidade de ir além. Pessoalmente, acho que, se quisermos melhorar com a prática do lean, devemos também melhorar nosso entendimento quanto a como o lean gera melhorias.

O lean, para mim, é uma mudança completa de paradigma. Ferramentas individuais são fáceis de entender, mas o sistema inteiro continua sendo um mistério que requer a prática diária por muitos anos. Estive, recentemente, na fábrica de Taipei da Toyota e perguntei a eles: quanto tempo leva para desenvolver um sensei STP? A resposta: 30 anos. Não acredito que fosse uma resposta superficial – há um motivo. O sistema lean cresceu por 60 anos em uma variedade de situações, e entendê-lo é um objetivo para toda uma vida. Por isso acredito que qualquer atividade (de sucesso ou não) deve também aprofundar seu entendimento quanto ao próprio lean.

Tenho receio quanto a muitos consultores. Na verdade, não tenho nada contra consultoria – o que me incomoda é que muitos consultores pegam uma ferramenta e ficam com ela. A história dos homens cegos e o elefante nos diz que, quando encontramos um sistema complexo, tendemos a ser como homens cegos encontrando um elefante: um diz “o elefante é uma cobra”, o outro, “é uma parede”. O terceiro, “é uma árvore”. Justo. Mas os homens cegos podem continuar tocando no elefante e se movendo da tromba (a cobra) para a barriga (a parede) para a perna (a árvore) e, progressivamente, montar uma imagem mais completa. A autorreflexão quanto ao lean é essencial para entender o espírito do sistema por trás das ferramentas individuais e para usar as ferramentas correspondentes de uma forma mais sábia.

O sensei da Toyota Taipei falou sobre “enxergar a sabedoria” no chão de fábrica: as operações do chão de fábrica projetadas para tornar o trabalho mais fácil para os operadores sem muri,mura ou muda. Essa sabedoria vem do constante questionamento de “o que, exatamente, é fazer o lean da forma certa?”, que é exatamente a pergunta que você fez.

Sei que essa é uma resposta muito pessoal e não sei se pode ajudá-lo, mas obrigado por fazer essa pergunta, pois tive de pensar muito nisso. Estou no gemba cada segundo do dia também, e é uma ótima pergunta para fazer a si mesmo se não quiser cair nas rotinas sem sentido.

Para resumir, acredito que a resposta tem três aspectos: primeiro, quão sério é seu objetivo de praticar o lean? Segundo, enxergamos melhorias visíveis de desempenho que possam ser relacionadas a alguém aprendendo a fazer algo melhor em seu próprio trabalho? Terceiro, constantemente nos perguntamos como nossas experiências no gemba mudam nosso próprio entendimento quanto ao pensamento lean para que nossos resultados sejam intencionais, e não acidentais? Sim, é melhor ter sorte do que ser bom, mas podemos sempre esperar pela sorte? Procurar praticar o lean “da forma certa” é metade da batalha!

Fonte: Lean Enterprise Institute.

Publicado em 14/09/2015

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal