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Toyota e a Aceleração Súbita: Fatos Relatados pela NASA

A NASA acaba de publicar seu relato tão esperado sobre a carga da Aceleração Súbita e Inesperada (em inglês, SUA – Sudden Unintended Acceleration) nos veículos da Toyota (www.nasa.gov/topics/nasalife/features/nesc-toyota-study.html). Lá está sua sentença. E o sistema de controle eletrônico do acelerador está totalmente isento de qualquer culpa. O estudo de dez meses feito por 30 engenheiros da NASA não encontrou “nenhuma evidência de que um mau funcionamento na parte eletrônica tenha causado acelerações involuntárias”, segundo Michael Kirsch, principal engenheiro e líder da equipe de estudo. Isso significa que os relatos de Aceleração Inesperada foram causados pela “má utilização dos pedais”, ou de outro modo, por erro do motorista.

Portanto, os eventos que levaram a Toyota a fazer um recall de 10 milhões de veículos serão conhecidos como a maior tempestade em um copo d’água de uma falha técnica na história industrial. Nós temos agora fatos confirmados, em vez de suposições, insinuações e intimidações.

Em adição ao esclarecimento dado por meio do relato da NASA (autorizada pela NHSTA dos Estados Unidos), teremos em breve o lançamento de um livro chamado “Toyota Under Fire”, de Jeff Liker e Tim Ogden o qual ilumina ainda mais o abismo entre os fatos e o modo que os oportunistas chegaram a conclusões precipitadas ao longo de toda a crise. Eu acompanhei de perto a história e seu desenrolar (“Toyota: vilã”, “Problemas da Toyota: Lutando contra os demônios da complexidade”, “Observações de Robert Cole”, “Um diálogo com Jeff Liker”, “It’s Not the Crisis, It’s How You Respond”, “Detroit Auto Show Overshadowed”), mas é possível encontrar mais informações ainda na obra “Toyota Under Fire”.

Esses novos relatos mostram claramente como os eventos saíram de controle. O evento central que desencadeou a “crise de recalls” foi a trágica morte da família Saylor em um Lexus empresatdo em San Diego no ano de 2009. A história desse acidente rapidamente se espalhou pela mídia e foi interpretado como uma Aceleração Súbita e Inesperada causada pela parte eletrônica.  O que realmente aconteceu foi que uma concessionária colocou um tapete comum, que deveria servir para um SUV, no automóvel emprestado sem colocá-lo corretamente ao chão do carro. O tapete enroscou no acelerador, causando o acidente. Esse evento e a atenção pública subsequente geraram, então, uma crise global para a Toyota com audiências no Congresso, desculpas públicas em vários países ao redor do mundo e 10 milhões (aproximadamente) de recalls.

As acusações técnicas feitas à Toyota tomaram vida própria, tornando-se rapidamente a “verdade” aos olhos do público. Novamente, esses relatos mostram que nunca houve um único caso confirmado de acelerações involuntárias causadas pela parte eletrônica em nenhum veículo de nenhum modelo. Voltando mais ao ponto dos problemas específicos da Toyota:
1. existiram dois casos documentados de sérios acidentes causados pelo “enroscamento do tapete” (o que resultou no acidente acima citado e em um acidente com um Camry em 2007 que matou uma pessoa) e 2. o problema do “pedal preso” nos EUA é baseado em vários relatos técnicos da Toyota, os quais incluem somente doze veículos (os outros estão certamente fora dos EUA, mas não foram confirmados; e outros ainda estão certamente fora dos EUA em veículos de todas as marcas e modelos). Pedais presos não causam Aceleração Inesperada, eles simplesmente demoram para retornar a posição original (e testes mostraram que a distância para paradas com o pedal preso é a mesma necessária para paradas com o pedal normal). Para isso, 10 milhões de recalls.

Então... caso encerrado? Não tão rápido. Para o lado técnico, as descobertas da NASA podem ter isentado a Toyota dos maiores problemas sérios dos quais a empresa tem sido acusada nos últimos anos. E não podemos ainda deixar a empresa desobrigada tão facilmente. Ainda há muitas provas de que a empresa não tem operado nos mesmos níveis internos de excelência pela qual se tornou famosa. E eu acho que não há problema em mantermos grandes expectativas em relação à Toyota.

A Toyota é uma empresa que possui uma relação especial com problemas. A essência do Modelo Toyota é o comprometimento com o respeito: comprometimento com a excelência e com a melhoria contínua, respeitando as pessoas e a verdade. A intensa contribuição da Toyota na busca pela excelência é um comprometimento indiscriminado para expor e lidar com problemas. Dessa forma, para muitos, a crise contínua da Toyota tem sido um pedaço de um enigma. Se não havia problemas técnicos, pelo que a Toyota tem que se desculpar? A resposta da Toyota confundiu muitos desde o começo.

Essa crise também levantou questões em relação a outros aspectos de desempenho e decisões recentes da empresa, incluindo sua rápida expansão na última década. A velocidade do crescimento da empresa ultrapassou sua habilidade de desenvolver a própria organização e seus colaboradores. Isso é óbvio, e muitos observadores chamaram o fato de “a causa raiz dos problemas” e a empresa já o admitiu. Mas por que a empresa DECIDIU crescer tão rápido? E, tendo decidido isso, por que era tão difícil manter seus colaboradores e sua própria organização em desenvolvimento? Hmm, explorando agora essas questões

Desde o início da crise a Toyota vinha buscando uma resposta técnica para os problemas e confusões que estavam emergindo a seu redor. Como mostra o relato da NASA, a Toyota foi essencialmente correta na avaliação técnica do problema. Os engenheiros da Toyota estavam no caso, obviamente, desde o início. Os engenheiros da Toyota são treinados para enxergarem problemas em TODOS os LUGARES. Todo o tempo, em todos os lugares. Portanto, para os engenheiros que estavam não havia motivo algum para se precipitarem. Na verdade, a precipitação certamente seria a resposta errada. Todas as evidências que eles tinham bem a sua frente os levavam à conclusão de que não existia nenhum problema técnico (foco de seus problemas). Para ter mais convicção ou uma possível conclusão diferente, mais fatos seriam necessários. Anos de aculturação e solução de problemas disciplinados os ensinaram que nunca deve-se precipitar uma conclusão – examine os fatos, determine a causalidade e julgue adequadamente, para, então, tomar o melhor caminho de ação.

Mas a natureza do problema rapidamente mudou de uma questão técnica para uma questão bem diferente: comportamento humano (cliente e colaborador), expectativas e sensibilidade do cliente, nuança de comunicação e confiança. Como a Toyota continuou a focar o lado técnico da questão, parecia incerto sobre o que pensar em relação ao crescimento da preocupação de seus clientes.

É por isso que eu acredito que a Toyota é  considerada, de fato, totalmente responsável - sem desculpas - pela confusão na qual se encontrava. Com grandes ou pequenos problemas, não era o problema que importa; é como  você reage a ele. E a Toyota não respondeu bem nos primeiros dias da crise. A empresa vai pagar um preço muito alto por isso nos próximos anos. Robert Cole, que passou sua carreira toda estudando qualidade, em um rascunho de pré-publicação de um artigo afirmou: "Não importa o quanto os meios de comunicação super-enfatizaram o problema ou o quanto os políticos os polítizaram. A percepção do cliente é o juiz final. Portanto, as percepções dos clientes se traduzem em um problema sério de qualidade para a Toyota. "(Citado com a permissão do autor)

Assim, essencialmente, é aí onde a Toyota tropeçou, onde tudo começa e termina - com o cliente. Os engenheiros da Toyota estavam "certos" - não havia nada seriamente perigoso em seus veículos (quase nada do ponto de vista da engenharia ou manufatura), mas os eventos evoluíram e, por isso, o problema rapidamente se tornou não um problema de engenharia, mas sim um problema causado pela falta de ouvir e respeitar o cliente. Cliente em primeiro lugar. Parte da Toyota estava fazendo todo o possível para ouvir o cliente. Mas, essa parte da empresa não estava sendo ouvida pelas pessoas que tomavam as decisões.

Os clientes estavam preocupados e com medo. As ações da Toyota não foram suficientes para acalmar esses medos. “A percepção do cliente é o juiz final” – fim da história.

Então, o que toda essa discussão significa para cada um de nós no dia-a-dia, em termos práticos? Vamos voltar ao começo, para o Lexus desgovernado em San Diego, para termos uma sequência notável de eventos. O veículo em questão era um empréstimo, que significa um veículo emprestado aos motoristas cujos carros são utilizados para serviço. Enquanto isso, o mesmo veículo em questão tinha passado pelo mesmo problema com um motorista diferente poucos dias antes do acidente da família Saylor. No  caso  anterior,  com muito esforço e temor, o motorista foi capaz de parar o veículo. Ele tirou o tapete do chão e foi trabalhar sem qualquer problemas com o carro.  Mas,  depois, como relatado por Liker e Ogden, uma série de eventos incrível e trágica aconteceu.

Quando ele devolveu o carro a concessionária, Bernard avisou a recepcionista de que havia um problema com o tapete do veículo e que isso tinha causado uma aceleração fora de controle do carro. Ele lembra do que disse à recepcionista: ‘Eu acho que foi o tapete que causou o evento, você precisa dizer isso a alguém’. Seu aviso foi ignorado. Aparentemente a recepcionista pensou que Bernard contaria sua história para um técnico de serviço; Bernard pensou que a recepcionista repassaria a história. Três dias depois, Mark Saylor entrou no carro, ainda com os tapetes errados no chão, e inseguro, foi embora.”

Então, o que não ocorreu é tão notável quanto o que ocorreu. O técnico de  serviço que poderia ter corrigido o problema após o primeiro incidente nunca foi avisado porque duas pessoas fizeram suposições sobre quem diria isso a ele. (Para uma visão lean desse problema comum, veja minha coluna  "A Technical Problem or a People Problem?") Há muito mais ainda nessa história, mas você  deve ler o relato completo no livro de Liker e Ogden.

Assim, a recepcionista é a borboleta cujas asas não bateram, resultando em uma crise intensa. Mas, não se engane – a lição aqui não tem NADA a ver com culpá-la. Se o aluno não aprendeu, o professor não ensinou. Se a Toyota se define por sua relação especial com problemas, isso deve estender à relação que cada membro da organização tem com problemas.

Daí as lições mais profundas a serem tiradas daqui sobre o “Modelo Toyota” e o “Sistema Toyota de Produção”. As práticas de aspiração da Toyota permanecem exemplares e servem brilhantemente como uma estrela norte para qualquer indivíduo ou organizações que buscam níveis similares de excelência. Mas, a verdadeira excelência não acaba no final da linha de montagem ou restringe-se aos laboratórios de engenheiros e às suítes executivas. A excelência se estende para todos os lugares. De engenheiros a recepcionistas. É tão forte quanto o eleo mais débil da cadeia de satisfação do cliente. Qualquer coisa que podemos chamar de o “Modelo Toyota” ou “Seu Modelo” é na verdade de como nós fazemos tudo que fazemos, em todos os lugares que fazemos: concepção, manufatura, vendas, serviços, políticas de RH, cumprimento da legislação. Abrir e fechar nossas portas todos os dias para nossos colaboradores e clientes. Tudo isso conta.

Uma lista com links relevantes:

 

Traduzido por Tamiris

Publicado em 25/02/2011

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal