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Toyota: vilã

Recentemente tenho me encontrado em situações difíceis, frequentemente cercado por agentes de mudança lean ansiosos por me mostrar suas cicatrizes infligidas por resistentes re-energizados. As pessoas que criticam a filosofia lean se apegaram a crise da Toyota para resistirem a mudanças, admoestando: “Vocês nos dizem para ‘ser como a Toyota’. Olhem para eles agora!”

Não desanimem.

Vamos recordar o porquê que buscamos aprender com a Toyota em primeiro lugar. Nós não estudamos e buscamos nos adaptar ao modelo da Toyota porque a empresa era perfeita. A Toyota nunca foi uma zona livre de desperdícios. De fato, eu nunca pensei que os líderes que construíram a Toyota foram tocados por um gênio superior aos outros famosos líderes influentes. Nós olhamos para Toyota porque, por razões de grandiosas coincidências históricas, a Toyota veio incorporar muitos dos ideais que desejamos em organizações humanas. Se a fonte de inspiração de alguém é Henry Ford, W. Edwards Deming, Alfred Sloan, the programa Training Within Industry (TWI) , Seis Sigma, Frederick Taylor, Frank & Lilian Gilbreth, Elton Mayo, Mary Parker Follett, Henri Fayol, Max Weber, Peter Drucker, Shigeo Shingo, John Dewey, Douglas McGregor, Eli Goldratt, Michael Hammer, Peter Senge, Jim Collins, Tom Peters, Russell Ackoff, Edgar Schein, or Henry Mintzberg (Uau! Será que me lembrei de todos?), as ideias e ideais representados por esses indivíduos e suas iniciativas encontraram suas melhores realizações na Toyota. Pelo menos por um período de tempo. Será que esse período de tempo vai durar para sempre? Será que ele já acabou? Como ainda é muito cedo para responder a essas perguntas, é mais importante reconhecer a extensão pela qual a Toyota tem servido como o laboratório organizacional de negócios da mais larga escala que já vimos.

Cultura de Controle?

Ainda assim, nós devemos reconhecer que, mesmo em seu auge como um GPS organizacional, a Toyota nunca foi tão boa quanto sua reputação em alguns aspectos, mas melhor em outros. Ambas ao mesmo tempo. Ainda existem críticas em relação à forma como a empresa trabalhava e trabalha que não foram totalmente explicadas, e eu acho que pode ainda fornecer respostas para nossos problemas mais incômodos da organização humana.

Um ponto característico diz respeito à tensão entre respeitar o indivíduo enquanto, simultaneamente, ser extremamente severo com eles. As críticas dizem que os funcionários da Toyota devem sacrificar a individualidade pelo bem do grupo, seguindo regras rígidas que ditam quase toda faceta de suas vidas no trabalho. Um artigo recente se aprofunda nessa questão (‘As maneiras conformistas dos Homens da Toyota são criticadas’ (John M. Gliona, 22 de Março de 2010)  http://www.latimes.com/business/la-fi-toyota-man23-2010mar23,0,7100881.story?page=1) incluiu a afirmação que “A maneira real da Toyota é uma cultura de controle”, diz Masaki Saruta, professor de Negócios na Universidade Chukyo do Japão. O artigo continua dizendo “... as diretrizes ditam quase toda faceta no dia do trabalho – como eles dobram a esquina enquanto andam na propriedade da empresa, onde eles comem seus almoços e mesmo como eles se transportam até suas casas. Nesta planta da Toyota, os funcionários não podem por suas mãos em seus bolsos. Inspetores delatam os infratores. Pessoas que dirigem para o trabalho devem relatar suas rotas para seus superiores. Os que viajam em dias de folga devem arquivar tais detalhes como quando eles estão de férias...”

Pessoas que lêem esse artigo me perguntam: “Aquela descrição horrível é realmente verdadeira?”

Há, na verdade, aspectos daquele artigo que são, ou foram, verdadeiros. Aquilo era também parte da maneira Toyota. A Toyota nunca foi perfeita, ou melhor dizermos apenas, “ela está sempre na incansável busca pela perfeição” como se costuma dizer. Algumas das coisas descritas naquele artigo condenatório são (ou foram, de alguma forma) verdadeiras, mas, para a maioria, elas também representaram a dimensão da Toyota durante seu período de formação, dimensão que alguns líderes da empresa queriam mudar. Acontece que, eles, os boletins de notícias, não são tão fáceis de mudar. Muitos líderes da Toyota têm - algumas vezes conscientemente, outras vezes inconscientemente - tempo desejado para livrar a empresa de precisamente aquelas dimensões menos atraentes descritas no artigo.

Proibido colocar as mãos nos bolsos

Nada disso é uma notícia nova. A Toyota sempre teve sua cota de críticas no Japão. Um jornalista simpatizante comunista juntou-se a Toyota como um operário de linha no início dos anos 70 e escreveu sua experiência em um ataque sarcástico publicado em um livro chamado, em inglês, “Japan in the Passing Lane” (em português poderia ser “Japão na pista de passagem”. O título original japonês era algo como “Hell Factory Toyota” (o que seria em português “Toyota, a fábrica do inferno”). O livro defendeu claramente um único lado, dissecado com profundidade por uma introdução crítica escrita para a edição inglesa por R. P. Dore.
Em resposta a questão “Realmente existe um ‘inspetor’ para garantir as regras do ‘proibido as mãos nos bolsos’?” Bem, eu não sei sobre os ‘inspetores’. Mas as “mãos nos bolsos” era absolutamente um não não na Toyota antigamente. Os inspetores bravos não precisavam, mas um superior amigável o faria de bom grado. Havia uma lógica para explicar isso.

  1. Segurança. Você não quer pessoas  caindo com o rosto no chão e com as mãos nos bolsos.
  2. Respeito. Nesse quesito há muitos lados.
  3. Costume japonês.
  4. Mãos livres exibem uma postura de “estou pronto a ajudar”, principalmente na fábrica.
  5. E exibe uma postura decididamente desrespeitosa em relação àqueles que trabalham na linha, quem não têm nenhuma oportunidade de tempo livre para colocar as mãos nos bolsos.

Esse é um dos muitos artefatos culturais que causam confusão do outro lado do Pacífico. Eu me lembro de ter testemunhado mais de uma ocasião os gerentes japoneses batendo nas mãos de funcionários americanos por eles começarem a deslizar as mãos para os bolsos. Não somente nas fábricas também. Eu ainda me lembro da expressão chocada de um gerente de 30 anos, enquanto meu próprio chefe bateu nas mãos dele fazendo barulho.

Duas palavras

Se a Toyota - a velha Toyota, de alguma forma - fosse uma pessoa, ele seria um belo e robusto garoto. Um disciplinado conservador. O treinador de futebol que fica no pé de seu jogador como Vince Lombardi do antigo Green Bay Packers. Se não arremessa coisas como o técnico de basquete Bobby Knight, também não acalma como o técnico K do time de basket da Universidade Duke. O técnico da NBA Pat Riley diz aos jogadores: “Eu preciso de sua cooperação voluntária para empurrá-los além do que vocês conseguem ir...”. Toyota seria o instrutor militar, que pode empurrá-lo para o ponto de ruptura, mas que também daria sua vida por você no campo de batalha. Duro amor, como eles dizem. Talvez não para todos, mas definitivamente parte do Modelo Toyota (Toyota Way).

Respeito não é necessariamente fazer os indivíduos se sentirem bem de uma forma abstrata. Como Jim Womack diz em sua e-letter de dezembro de 2007, ‘Respeito às pessoas’, “O gerente desafia seu funcionário em cada passo de seu caminho, pedindo para que pensem mais, que mostrem mais fatos, que discutam mais sobre isso, enquanto o que os funcionários querem é somente implementar suas soluções favoritas. Com o passar do tempo, eu aprendi que esse processo da solução de problemas é na verdade a maior forma de respeito.”

Então, certo grau de agressividade pode ser necessário às vezes, principalmente nos negócios sujos de manufatura, como de automóveis. O processo de vários milhares de pessoas que trabalham em conjunto para reunir dezenas de milhares de peças que convergem uma por minuto para constituírem um automóvel é um trabalho difícil, exigindo legítima disciplina. Ainda assim, houve casos na antiga Toyota em que muitos observadores poderiam protestar. E eu imagino vestígios daquela Toyota ainda podem ser encontrados rondando suspeitosamente, principalmente no final de um dia ruim. Porém, isso são apenas algumas dimensões da empresa que décadas atrás alguns líderes reconheceram como necessidade de mudança. O presidente Fujio Cho e outros buscaram na Toyota uma representação do melhor dos dois mundos. O melhor dos dois mundos em diversas dimensões: velho e novo; leste e oeste; norte e sul; tradição e mudança; severo, mas sereno. Sempre melhorando, mudando, construindo e incorporando o melhor que podemos esperar para trabalharmos juntos para propósitos humanos. Esse é o objetivo: então há o plano versus a coisa real.

Publicado em 25/05/2010

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal