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Os problemas da Toyota: um diálogo com Jeff Liker

Jeffrey Liker é professor de engenharia industrial e operacional na Universidade de Michigan, autor e co-autor de diversos livros sobre a Toyota, que devem totalizar mais de um milhão de cópias vendidas. Conheci Jeff em 1992, quando eu ainda estava na Toyota como gerente geral de planejamento e administração do Centro Técnico Toyota dos EUA, em Ann Arbor, a apenas dez minutos do campus de engenharia da universidade. John Campbell, da Faculdade de Literatura, Ciências e Artes, Brian Talbot, da Faculdade de Administração de Empresas, e Jeff conseguiram patrocínio do governo federal dos EUA para iniciar um programa de pesquisa e ensino, intitulado Programa de Gestão Japonesa de Tecnologia. Naquele momento, foi iniciada uma longa parceria entre aquele programa e a Toyota, e um de seus resultados mais importantes – certamente o mais conhecido e influente – foi a pesquisa e o trabalho de Jeff.

Naturalmente, com o surgimento dos diversos problemas de qualidade e recalls da Toyota, eu e Jeff nos encontramos em um café de Ann Arbor para discutir (geralmente de forma amigável) e debater (normalmente de forma mais vigorosa) as dimensões da crise da Toyota, se ela é realmente uma crise e o que ela pode significar para a empresa e para o Toyota Way. Julgo que seria interessante reproduzir aqui alguns desses diálogos. Vocês sabem a minha opinião; agora poderão conhecer um ponto de vista diferente.

Quais as dimensões da crise enfrentada pela Toyota e qual é realmente o problema?  

Jeff Liker: A mídia fez diversas tentativas de explicar o motivo das falhas da Toyota na área de qualidade e segurança. Vamos começar avaliando o próprio problema pelo qual a Toyota tem sido criticada publicamente, porque não acredito que ele tenha sido focado com precisão nas discussões públicas. Com efeito, penso que as evidências sugerem que a qualidade e segurança da Toyota poderiam estar no pico exatamente quando a mídia alega que elas falharam.

Durante a atual recessão, ocorreu um “intervalo” na Toyota. As fábricas foram fechadas ou tiveram suas atividades reduzidas para permitir o escoamento dos estoques, de forma que de 30% a 40% da força de trabalho não era necessária para a montagem de carros. Ao invés de dispensar pessoal, a Toyota adotou uma abordagem de “sofrimento compartilhado”, reduzindo o bônus e usando demissões temporárias em regime de rodízio. O pessoal excedente foi colocado para trabalhar resolutamente no aprendizado dos aspectos básicos do TPS e da solução de problemas no dia-a-dia. Como resultado desses esforços, em 2009, os defeitos encontrados na inspeção final de montagem na TMMK foram reduzidos em mais de 40%. A Toyota também não demitiu ninguém em pesquisa e desenvolvimento e ocorreram diversas oportunidades de kaizen. Em 2009, a Toyota conquistou 10 prêmios de qualidade inicial JD Power, mais do que qualquer outra montadora.

John, na última atualização de seu blog, parece que você alega que, ao longo da última década, o Toyota Way enfraqueceu e a crise forçaria uma revitalização. Ano após ano, tenho visto a empresa debater-se com problemas e sinto um certo fascínio, porque a Toyota sempre manteve uma tendência subjacente de aprimorar a forma de desenvolver seu pessoal, com diversas conquistas ao longo do tempo. Certamente esse não foi um processo linear e há pessoas muito mais desenvolvidas do que outras, mas o progresso foi impressionante.

Pouco antes do anúncio dos recalls e do início da agitação na imprensa, eu estava pronto para declarar que a Toyota havia vencido o desafio da pior recessão do pós-guerra, usando-a como uma oportunidade de desenvolver seu pessoal e fortalecer-se ainda mais. Suspeito que se não fosse por um acidente amplamente divulgado na Califórnia, onde um policial pegou emprestado um Lexus que estava com a forração mal ajustada e morreu junto com três membros de sua família, a Toyota teria prosperado durante a recessão em comparação com as outras empresas. Esse incidente espalhafatoso que foi filmado na Califórnia desviou os refletores para a Toyota e a Administração Nacional de Segurança em Rodovias e Transportes (National Highway Transportation and Safety Administration - NHTSA), o que levou a NHTSA a pressionar a Toyota para fazer um recall por uma situação que, no passado, teria gerado simplesmente um boletim de assistência técnica. Por exemplo, a Ford emitiu um boletim de assistência técnica para os freios do Ford Fusion Hybrid, um problema bastante similar ao que levou a Toyota a fazer o recall de todos os Prius 2010 do mundo.

Encaro os recalls como um indicador extremamente fraco de problemas básicos. Eles são problemas isolados de engenharia que, neste caso, aparentam não ter relação com a saúde do SPT nas fábricas ou mesmo com o desenvolvimento de produtos. Até o momento, os mais de 6 milhões de veículos chamados para recall apresentaram três problemas: um tapete oferecido como acessório e usado de forma inadequada pelo público, um pedal pegajoso devido a um material composto selecionado com um fornecedor há cerca de seis anos e um erro de programação cometido no início de 2009. Para um veículo com mais de 3.000 componentes por modelo, não são muitos erros em seis anos. Imagino que existam mais problemas, mas as reclamações apresentadas à NHTSA sobre problemas de segurança da Toyota na década de 2000 a 2009, quando, supostamente, ela estava em declínio, a colocaram como a quarta melhor entre 20 montadoras (Edmunds.com). As reclamações sobre a Toyota correspondem a 9% do banco de dados, enquanto ela vende 13,5% dos carros. Onde estão as evidências dessa queda livre na qualidade e segurança?

Estou dizendo que a Toyota não tem problemas e tudo isso é alarde da mídia? Não exatamente. Julgo que a razão pela qual a Toyota está no centro das atenções, e nos sentimos obrigados a admitir que ela perdeu o rumo e precisa de reformas profundas, é pura e simplesmente uma agitação na mídia. Penso também que a Toyota sempre teve e sempre terá problemas. Admito que minha maior preocupação com tudo isso são as evidências da reação lenta às reclamações relativas à segurança do consumidor e a noção de recalls “secretos”. Trazer à tona os problemas e solucioná-los sempre foi fundamental para o Toyota Way e ocultá-los sempre foi um pecado mortal.

A Toyota conta com uma capacidade de solução de problemas muitas vezes superior a de qualquer outra empresa que conheço. Com isso quero enfatizar a amplitude e a profundidade do pessoal que é capaz de solucionar habilmente os problemas. Isso era real há 30 anos e ainda é real – essa é minha opinião, baseada em minhas observações. Akio Toyoda precisa fazer com que essa capacidade de solução de problemas influencie a qualidade e a segurança. Como você observou, esta é uma oportunidade de ouro para usar a crise para o progresso da empresa e a Toyota não deve nunca desperdiçar uma boa crise. Ela usou eficientemente a recessão e agora, em seus calcanhares, está uma crise ainda mais ameaçadora. Usá-la, explorá-la, ficar melhor que a concorrência. Se a Toyota sair da crise menor, porém, mais forte, certamente ficarei satisfeito em ser seu observador.

John Shook: Concordo com seu último ponto, Jeff. Por mais urgente e imediata que a crise seja para a Toyota, o importante é que a empresa aproveite esta oportunidade para aprender e melhorar. Isso é verdade mesmo se, quando a poeira baixar, todo esse fiasco for maior que a tempestade já feita. (Um recall de produto desse porte e audiências no congresso com 20 pedais pegajosos no centro do problema? Alguém acredita que não estejam circulando 20 Fords com pedais pegajosos?)

Mas a situação deve ser encarada com seriedade. Pessoas morreram. A empresa enfrenta críticas de todos os lados, como nunca ocorreu antes. Os problemas de qualidade não começaram com os três que estão dominando as notícias e as desculpas públicas, reverências e promessas de Akio não são inauditas. Quatro anos atrás, o então presidente Watanabe fazia reverências para a imprensa japonesa, com promessas bastante semelhantes, jurando solucionar os problemas de qualidade e colocar a empresa nos trilhos novamente. Nos últimos anos, até mesmo os relatórios de consumidores tiraram os produtos Toyota das recomendações de compra. Assim, é difícil omitir esses fatos e considerá-los como algo isolado.

Espero que a Toyota tire proveito de sua grande habilidade de solucionar problemas para tratar dessas questões específicas, mas isso não será fácil mesmo para a Toyota. Em situações como essas, entender o motivo verdadeiro é extremamente difícil. Ninguém quer que as pessoas morram e todos desejam saber que vidas não estão sendo colocadas desnecessariamente em risco. Mas, junto com as audiências no congresso, os processos judiciais estão pipocando por todos os lados, e as pessoas que buscam “dinheiro fácil” começarão a culpar a Toyota por acidentes aleatórios (“o pedal do meu Camry emperrou...”) Separar o ruído dos fatos verdadeiros será extremamente difícil, mas é isso que acontece quando ocorre algo assim. A Toyota disse que desejava ser a Número Um.

Ao contrário de você, não conversei com ninguém da Toyota sobre os detalhes dos problemas de engenharia envolvidos nesses casos. Obviamente a empresa precisa estar informada de tudo isso, mas esse tipo de coisas pode certamente acontecer a qualquer empresa, qualquer sistema de engenharia complexo. A lei de Murphy é onipresente, e quanto mais complexo o sistema mais ela se manifesta.

Entretanto, existem acusações mais profundas que a Toyota deve encarar seriamente. Acusações de que ela foi lenta em reagir às reclamações relacionadas à segurança e, mais especificamente, que seus sistemas de controle eletrônico são suscetíveis à interferência eletromagnética. É óbvio que essas acusações devem ser totalmente investigadas. Elas serão e os fatos surgirão.

Confesso que acompanhar esses acontecimentos me leva a perguntar se, como uma espécie, somos absolutamente incapazes de aguardar pelo esclarecimento de todos os fatos antes de sugerir o que fazer.
Chegou a ser quase hilariante ver os gurus de administração que não têm a menor noção dos fatos – e que até mesmo reconhecem isso – prescrever sem hesitação o que a empresa deve fazer. Sou capaz de perdoar quando repórteres e apresentadores de TV fazem isso, suponho que esse seja seu papel.

Entretanto, em última análise, não posso deixar de vestir a carapuça de meu sensei na Toyota, que me ensinou a examinar todos os problemas com espírito crítico e a aprender com eles. Meu olho crítico diz que a Toyota está em crise e que a confiança dos consumidores está em risco. Esse é um problema imenso e a Toyota precisa ir até o fundo dessa história. Ao contrário dos repórteres e gurus, ela precisa descobrir os fatos reais e as principais causas, e tomar as providências necessárias. É esse desafio que definirá a empresa nesta década.

É por esse motivo que escrevi que o problema não é a crise, mas sim de que forma a Toyota reagirá à ela. A questão aqui é que a empresa deve usar a solução de problemas para sair dessa situação e então seguir em frente.

Nesse sentido, o que vemos para Akio Toyoda e a empresa é uma crise – e uma oportunidade.

A Toyota perdeu o rumo?

Jeff: Essa discussão levanta uma questão bastante profunda: a Toyota perdeu o rumo?

Na última atualização de seu blog, você sugeriu que os infortúnios da empresa são produtivos, que eles representam uma oportunidade de aprofundar o Toyota Way como você o conheceu quando trabalhou na empresa. Você parece argumentar que o Toyota Way foi diluído e que os problemas realmente começaram a ficar sérios quando o ex-presidente Okuda iniciou uma campanha agressiva com foco no crescimento e que essa diluição continuou com o plano Visão Global 2010, dos presidentes Cho e Watanabe, para conquistar 15% do mercado.

Meu ponto de vista é um pouco diferente. Vamos supor que seja possível calcular de alguma forma a densidade do Toyota Way, medindo a quantidade de DNA da Toyota que há em uma pessoa. Suspeito que, como você sugeriu indiretamente, ao longo das duas últimas décadas veríamos uma média menor e um desvio padrão mais elevado. Penso que isso era inevitável já que, com a globalização, a empresa perdeu a maior parte da geração original e contratou centenas de milhares de pessoas de fora. Exceto por continuar a ser uma empresa japonesa, quando a Toyota decidiu globalizar-se ela trilhou um caminho mais desafiador para manter a coesão do Toyota Way.

Os executivos e gerentes americanos com quem conversei reduziram a ênfase na meta de 15%. Eles viam o desafio como um alerta: a demanda pelos produtos da Toyota estava acelerando e era necessários que eles estivessem preparados. Para eles, a parte mais importante da Visão Global 2010 era se transformar na montadora de veículos mais admirada por sua qualidade excepcional e satisfação do cliente. Outro foco importante era a meta de autonomia regional, transformando a América do Norte em uma entidade auto-suficiente. A Toyota sabia que, por vezes, os americanos teriam de ser liberados para enfrentar essas questões com relativamente pouco auxílio do Japão.

Fazer isso em um período de crescimento intenso exigiria desenvolver o pessoal e os fornecedores de forma mais eficiente. Ao longo da última década, eles trabalharam não no crescimento em si, mas nos fundamentos do trabalho padronizado, qualidade, flexibilidade, fluxo e desenvolvimento do pessoal.

Concordo que, com o crescimento da empresa, os novos contratados não poderiam ser tão maduros quanto a geração original. Mesmo assim, não tenho tanta certeza de que a Toyota perdeu tanto seu rumo quanto se esforçou para amadurecer.

John: Sim, os problemas de crescimento que a Toyota enfrentou deviam ser esperados. Por outro lado, julgo normal que nossas expectativas para a Toyota fossem extraordinariamente elevadas, ou até mesmo excessivas. A Toyota definiu padrões de desempenho excepcionalmente elevados, tanto em termos de resultados quanto de processos, para as organizações industriais. Acho que a Toyota desejaria que tivéssemos essas expectativas elevadas.

Certamente, a Toyota tem as mesmas expectativas elevadas em relação à ela mesma.

Na Toyota, aprendi com meus mentores a nunca procurar por desculpas. Na Toyota, o que muitas vezes nos parece uma “explicação” é encarado como uma desculpa. Então, sim, quaisquer dificuldades que a empresa estiver experimentando são certamente uma questão de “lutar para amadurecer” como uma organização global. É perfeitamente compreensível que eles estejam onde estão. Mas, continuando com a metáfora de lutar para amadurecer, pense em como lidar melhor com um adolescente: apontar as áreas que precisam de desenvolvimento não deve ser encarado como um golpe no ego ou um julgamento negativo de caráter.

Ao contrário dos analistas que afirmam que os problemas da empresa foram causados por expansão excessiva, acredito que a decisão de buscar um crescimento tão incrível foi resultado da empresa já ter perdido seu foco. Não foi a estratégia de crescimento que causou os problemas; eles já estavam presentes e conduziram à decisão de buscar o crescimento desenfreado.

Em meados da década de 1990, o(s) desafio(s) que havia(m) orientado e até mesmo definido a empresa já haviam sido vencidos. Os líderes sabiam que a empresa precisava de novos desafios e fizeram o necessário tentando defini-los. A Toyota que conhecemos foi construída para vencer desafios que foram apresentados há cerca de meio século. Naquele momento, o desafio lançado por Kiichiro Toyoda, fundador da empresa, era alcançar a América. Liderada por Eiji Toyoda e outros, a empresa venceu esse desafio, incorporando-o no conceito de sua cultura empresarial, interpretada como a melhor empresa do setor automobilístico, com “melhor” significando qualidade, custo e cliente em primeiro lugar.

Como resultado, em meados da década de 1990, os líderes escolheram dois novos desafios: crescimento e atenção ao meio ambiente. A atenção ao meio ambiente levou ao desenvolvimento bem-sucedido da tecnologia híbrida, mas o foco no crescimento resultou em problemas que testemunhamos, que foram em função de um sistema de gerenciamento global despreparado.

Como ampliar internamente uma cultura durante um período de crescimento extremo?

Jeff: John, esse pode ser o desafio mais importante: manter-se consistente com os valores e princípios da Toyota em um período de crescimento extremo. A cultura não é estática, ela está em constante evolução. Uma organização não pode apenas se expandir e simplesmente manter sua cultura. Os sistemas humanos estão sempre em mudança, adaptação e evolução.

Esse desafio foi reconhecido por Fujio Cho na década de 1990. Da mesma forma que você, ele viu que o Toyota Way estava enfraquecendo sem as legiões de coordenadores e instrutores japoneses. Os americanos precisavam se tornar auto-suficientes. Assim, quando estava na América como presidente da TMMK, ele iniciou um esforço para desenvolver um documento formal do Toyota Way nos EUA. Ele e o comitê tiveram problemas com isso.

Eles agonizaram sobre cada palavra e houve desacordo sobre se seria até mesmo possível redigi-lo de forma produtiva. Após dez anos de esforços, e com sua nomeação para a presidência da Toyota Motor Company, Fujio Cho os liderou na redação do The Toyota Way 2001, que foi publicado como um guia para a cultura de toda a empresa em nível global. O simples fato da Toyota produzir e publicar um documento como esse foi significativo: ele constituía a admissão clara de que o Toyota Way não se sustentaria automaticamente e era necessário um enorme esforço para recriar a cultura de forma contínua.

O Toyota Way 2001 foi uma tentativa de transferir explicitamente a cultura da Toyota. Esforços adicionais levaram às Práticas Comerciais da Toyota, o método concreto de solução de problemas para colocar em prática o Toyota Way, e uma versão do Toyota Way para Vendas e Marketing. Houve um treinamento intensivo, que começou na cúpula da organização e foi difundido para toda a organização por meio do treinamento de instrutores. A cada passo, a teoria apresentada em sala de aula era vinculada à prática. No nível de cúpula, os líderes Sênior ultrapassaram limites geográficos e desenvolveram em conjunto projetos que conduziram a uma ligação e uma rede de relacionamentos que ajudou a consolidar uma cultura da Toyota. As práticas comerciais da Toyota exigiram uma solução de problemas rigorosa, que incluiu a apresentação de A3s para especialistas experientes. Mesmo no topo da empresa, 80% dos executivos que fizeram suas apresentações falharam na primeira vez e tiveram de voltar e aprimorar seus A3s. Foi um processo de aprendizado rigoroso. Conforme os executivos aprendiam, eles se transformavam em treinadores e juízes de seu pessoal e aprenderam mais ensinando e criticando do que no desenvolvimento de seus próprios projetos de solução de problemas.

Já vi diversas empresas tentarem se transformar em organizações Lean ou de alto desempenho, e o treinamento no Toyota Way e nas Práticas Comerciais da Toyota era exclusivo. A mudança efetiva de atitude e comportamento que testemunhei se tornou algo ainda mais profundo na Toyota. Embora outras empresas pareçam ter perdido o fôlego após a explosão inicial de energia, após oito anos, a implantação da Toyota ainda se fazia presente e se tratava de um enorme esforço – o que você, John, havia descrito como uma maratona e não uma corrida de velocidade.

Com o objetivo de manter a cultura, muitas outras inovações foram desenvolvidas na Toyota. Outra realização notável foi o Centro de Produção Global, uma forma inovadora de dos funcionários treinarem as principais habilidades (descrita no Talento Toyota e na Cultura Toyota). A idéia era que o treinamento eficiente dos funcionários nos aspectos mais rotineiros das funções (por exemplo, por meio de manuais em vídeo e, progressivamente, de exercícios mais difíceis) forneceria maior consistência e proporcionar liberdade para os líderes de grupo se concentrarem nas habilidades tácitas necessárias de forma mais intensa. A Toyota também preparou um treinamento sobre como fazer o desenvolvimento no próprio trabalho. Na produção, a Toyota continuou a retornar aos pontos básicos de trabalho padronizado, treinamento no próprio trabalho e agora as Práticas Comerciais Toyota para revigorar o nível de líder de grupo ou o nível gerencial. Por meio de hoshin kanri, os gerentes eram continuamente estimulados a conduzir suas habilidades de solução de problemas para outro nível.

Conforme testemunhava tudo isso, fiquei impressionado com a dedicação contínua ao desenvolvimento do pessoal. O aconselhamento individual por anos é claramente superior, mas a Toyota não desistira de buscar uma forma de manter sua base cultural e de habilidades mesmo quando não havia japoneses suficientes para prosseguir.

John: Quando era mais jovem e impaciente, eu julgava que muitos aspectos do desenvolvimento de um Toyota Way novo e global deveria ser muito mais rápido. Mas é perfeitamente possível que o processo de transferir profundamente uma cultura ou criar outra nova, híbrida, simplesmente demande todo esse tempo e perseverança. E “todo esse tempo” significa décadas. Então, sim, é uma maratona.

Isso me leva a uma observação crítica, que é o nível de dificuldade tremendo daquilo que a Toyota tenta fazer. Se uma empresa não estiver tão preocupada em transferir a cultura, é relativamente fácil simplesmente implementar operações ao redor do mundo, contratar os melhores gerentes locais e deixá-los à vontade. Quer dizer, “deixá-los à vontade” exceto, possivelmente, por controles financeiros rígidos e outros indicadores baseados em desempenho. Se você administra por meio de resultados, para usar o modelo de Tom Johnson, é relativamente fácil implementar controles para “gerenciar” as operações globais. Mas no caso da Toyota, que é gerenciada por meios e não por resultados, é necessário inculcar em cada operação global os meios pelos quais o trabalho é feito e os objetivos são atingidos. E, para seu crédito, foi isso que a Toyota começou a fazer quando criou na NUMMI sua primeira operação abrangente fora do Japão. (Da mesma forma que o modelo de Tom Johnson destaca a dificuldade, a descrição de Mike Rother do Toyota Kata introduz um capacitador importante para o desenvolvimento da cultura. Ainda mais importante que o treinamento específico é o estabelecimento das formas e rotinas básicas pelas quais o trabalho é conduzido.)

Em algum momento, qualquer pessoa que já trabalhou em uma empresa já se espantou com a dificuldade de fazer com que um grupo pequeno de pessoas esteja completamente afinado, mesmo em relação a um problema simples. Agora, multiplique isso pelo nível de dificuldade envolvido em desenvolver uma forma comum de pensar sobre o trabalho – o Toyota Way – ao longo de toda a complexidade geográfica e funcional de uma montadora de automóveis global. É muito mais simples dizer: “Essas são as metas – cumpra-as do seu próprio jeito”.

A Toyota ensinou ao mundo muito sobre o controle de processos, qualidade, produtividade, solução de problemas e desenvolvimento de pessoal – mas espero que, no final, sua grande contribuição seja a de liderar o desenvolvimento de um sistema de gerenciamento integrado verdadeiramente global. Esse é o processo que começou há 25 anos e continua a ser o maior desafio interno da empresa.

O único desafio maior pode ser aquele definido por seus líderes em meados da década de 1990: criar veículos menos prejudiciais ao meio ambiente. Esse esforço ganhou grande impulso nos últimos anos na Toyota e em toda a parte. Mas o que começou simplesmente com a criação de veículos um pouco mais favoráveis ao meio ambiente pode precisar ser estendido ao questionamento do próprio significado de mobilidade pessoal.

Obrigado, Jeff, por compartilhar suas visões.

Publicado em 26/03/2010

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