SAÚDE

O hiato de custos entre a assistência médica nos EUA e mundial

A mentalidade enxuta defende que devemos tentar transformar qualquer "problema" (ou necessidade, não importando seu tamanho ou imprecisão) em um problema acionável que pode ser analisado. Todos os problemas se reduzem, de uma maneira ou de outra, a SQDCM (Segurança, Qualidade, Entrega, Custo, Moral). Como podemos identificar um hiato (gap) (entre a maneira que as coisas são e maneira que precisamos ou desejamos que elas sejam) que podemos analisar?

Além disso, como vocês sabem, procuramos nunca tirar conclusões/chegar a soluções precipitadas. Esse entendimento é muito difundido atualmente na Comunidade Lean, pelo menos na teoria se não na prática. O que é menos compreendido é que nós não apenas não chegamos a soluções precipitadas, como também não nos apressamos em chegar aos cinco porquês. Primeiramente, tentamos avaliar a situação. Definir o problema. Identificar o "hiato". Isso é tudo o que vou tentar fazer nessa discussão - identificar um hiato, e não chegar nem perto de propor uma solução, e parar antes de até mesmo realizar a análise causal completa. Vamos no contentar em simplesmente identificar os fatores que devem definir o hiato. Isso é tudo.

A maioria das discussões sobre o problema da saúde nos EUA centra-se no famoso factóide: "100.000 mortes causadas por uma assistência médica abaixo da ideal". Devemos observar: (1) que esse dado é de 10 anos atrás, portanto, a situação é comprovadamente pior hoje do que no passado, e (2) que o dado representa uma generalização muito grosseira – a informação real era "... entre 44.000 e 98.000 mortes...", um número que é rotineiramente arredondado para 100.000.

Eu sou um dos que argumentam contra começar com a equação de custo (o "C" do SQDCM). A qualidade é geralmente um alavancador muito melhor para ser utilizado no intuito de arregimentar as tropas. Todos nós sabemos que a má qualidade em última análise resulta em custos maiores. Também sabemos que uma redução de custo míope geralmente resulta em má qualidade. Uma espiral descendente.

No entanto, no caso do sistema de saúde dos EUA, o problema que é exclusivamente da América é o custo. Todo o desperdício e problemas operacionais que nós - incluindo nós, os entusiastas da mentalidade enxuta - adoramos destacar são compartilhados de maneira praticamente idêntica em todo o mundo. Ao dizer "em todo o mundo", estou me referindo a TODOS os países que seriam remotamente comparáveis aos EUA em termos de estrutura sócio-econômica, incluindo o Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Reino Unido, Japão, Alemanha, norte da Europa e Taiwan. Visitei hospitais na maioria desses países (e outros) e, pelo menos aparentemente, o volume de desperdício e problemas no nível operacional parecem ser essencialmente os mesmos.

Esses países, em sua maioria, gastam cerca de 8% do seu PIB em saúde (a Alemanha e alguns países do norte da Europa gastam mais, um pouco acima de 10%). Os americanos gastam mais de 16%, e esse valor está aumentando. Em outras palavras, os americanos gastam o dobro, uma grande diferença. Trata-se de uma diferença que também está aí como uma análise de hiato facilmente factível.

Em todo esse debate, vocês viram alguém abordar o problema ao pelo menos discutir esse hiato, ou ainda ao realmente analisá-lo? Eu tenho visto, nos círculos acadêmicos, um grande volume de dados analisando os custos globais de saúde em vários países, mas nada na forma de uma simples análise de hiatos que poderá esclarecer um pouco - apenas uma pequena satisfação - o debate nacional nos EUA.

Nós, a comunidade lean, temos um certo prazer em apontar o enorme volume de desperdício e a baixa qualidade que podemos ver facilmente em nossos hospitais. É verdade que existe um grande desperdício. Mas seria simplesmente incorreto afirmar que esse desperdício é a causa da crise da saúde nos EUA: Todos esses outros países possuem essencialmente o mesmo nível de desperdício visível em seus hospitais! Analise um hospital na Austrália, Canadá ou Japão. Os mesmos problemas típicos estão presentes. Erros, internações longas, admissões desnecessárias. Exatamente igual. Impossível diferenciar.

Mas eles pagam a metade. Cada um desses países paga a metade, por resultados globais superiores. E com os mesmos níveis (aproximados) de "desperdício" em seus sistemas operacionais.

Há algo muito errado no nosso sistema de saúde em um nível macro. Li bastante sobre esse tópico. Ele está no centro do debate da saúde nacional, ainda assim tudo o que ouvimos são pessoas gritando de ambos os lados, e ninguém falando sobre o problema. Ou, pelo menos não falando sobre esse Hiato.

Os EUA são o único país atípico. Portanto, deve haver algo muito específico acontecendo. A maioria das pessoas possui sua causa especial "favorita". Alguns adoram apontar para o salário dos médicos. Outros para o custo exorbitante dos seguros em função de ações judiciais frívolas. Vamos dizer para o nosso fim aqui que há pelo menos ALGUMA legitimidade em todas essas causas favoritas. Mas também vamos analisar mais de perto e não passar a julgar (ainda) o valor relativo das várias causas.

Certamente os motivos do Hiato devem ser muitos e complexos. Mas com certeza podemos identificar alguns elementos de custo, categorias de atividades onde estão esses custos. Não sou especialista em custos de assistência médica, portanto, não sou a pessoa mais qualificada para realizar a análise com a seriedade que ela merece. Mas, aqui está a minha opinião sobre o custo responsável pelo Hiato. Tentarei não ser denominacional - haverá muita discordância sobre as contribuições relativas dos fatores de custo, mas a idéia que desejo levar adiante aqui é que esses fatores combinados deverão representar essencialmente 100% do hiato de custo. (Ou, de outro modo, é absolutamente verdade que 100% do Hiato pode ser decomposto em unidades de custo identificáveis. Essas unidades podem certamente ser agrupadas - ou "compartimentadas" - para fins de análise. Essa é a maneira na qual os Pensadores Lean procuram abordar qualquer problema. Se é um problema de custo, antes de discutirmos soluções, perguntamos: "Quais são os fatores que contribuem para o custo"?)

O hiato de custos entre a assistência médica nos EUA e mundial:

  • Atendimento inadequado. Algumas pessoas vão argumentar que essa seria uma subcategoria do problema de erro médico (abaixo), uma vez que muitos procedimentos inadequados são impulsionados pelo medo de um processo. Sem dúvida isso explica o motivo para diversos procedimentos inadequados, mas nem todos. Sugiro três motivos principais para um grande volume de procedimentos inadequados realizados nos EUA:
    • Uso indevido das instalações de emergência. (Esse é o favorito dos esquerdistas. Não se preocupe, vocês da direita terão sua vez abaixo).
    • Medicina defensiva. (Esse é o argumento favorito do pessoal de direita.)
    • Lucro. (Certamente alguns médicos algumas vezes prescrevem e realizam procedimentos que custam bem caro porque ganham muito dinheiro.)

(Por falar nisso, Entusiastas da Mentalidade Enxuta – Qual dos sete tipos de desperdício é "inadequação?")

  • Processos por erro médico, com todos os seus custos associados.
  • Grande população de indivíduos sem seguro. (Seu tratamento no final das contas é pago, de alguma forma por alguém, e certamente não de uma maneira ótima.)
  • Os consumidores norte-americanos pagam mais pela pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias médicas e medicamentos. (A maioria das novas tecnologias vem dos EUA, e os americanos pagam um valor desproporcional pelo seu desenvolvimento, por meio de preços maiores pelos produtos uma vez que eles chegam ao mercado.)
  • Um sistema complexo de intermediários na forma de organizações de gerenciamento da saúde e companhias de seguro. Basta dois elementos para a assistência médica -- um provedor e um paciente. Todo o resto é muda, do Tipo I ou II (ou, como a Toyota chama isso, trabalho que agrega valor e trabalho que não agrega valor).

Vocês sabem, pode ser que o conteúdo dos 8% adicionais seja apenas que os EUA têm mais de tudo, em quantidades aproximadamente iguais. Apenas um excedente geral, global. Pode ser. Também pode ser que a população norte-americana seja apenas menos saudável. Há um sexto elemento: a população não saudável. Portanto, tudo o que precisamos é um livre acesso à academia e nos associar ao programa de perda de peso Jenny Craig.

Para mudar um pouco de assunto, semana passada tivemos uma ótima discussão sobre alguns desses tópicos no campus da Universidade de Michigan. John Campbell, professor emérito de ciências políticas e meu mentor de longa data em todos os aspectos do Japão, reuniu-se ao jornalista T.R. Reid, autor do atual best seller do NY Times, The Healing of America: A Global Quest for Better, Cheaper, and Fairer Health Care para uma conversa fascinante sobre os sistemas de saúde nacionais.

O prof. Campbell é co-autor de um livro com o Dr. Naoki Ikegami, o principal economista do sistema de saúde japonês (e que aparece no documentário PBS de Reid), que vocês devem ler se estiverem interessados em uma análise detalhada fascinante da assistência médica no Japão, "The Art and Balance of Health Care Policy: Maintaining Japan's Low-cost, Egalitarian System" da Cambridge University Press (1998). Interessantemente, o livro foi um best seller no Japão há dez anos, embora tenha passado totalmente desapercebido nos demais países. Recomendo fortemente essa obra - ela ainda é muito relevante para o debate e esforços nacionais para reformar os sistemas de financiamento e fornecimento da saúde nos EUA. Os destaques:

  • O Japão paga metade do que os EUA pagam.
  • O Japão tem a maior expectativa de vida do mundo.
  • O Japão tem a menor mortalidade infantil do mundo.
  • O Japão possui uma cobertura universal que é extraordinariamente igualitária.

Sim, como muitos rapidamente vão enfatizar, a população japonesa é muito diferente da norte-americana, mas, como T. R. Reid descobriu, a variação não está apenas entre os EUA e o Japão, está entre os EUA e o restante de todo o mundo desenvolvido.

Estou identificando a crise de saúde dos EUA como sendo de custo. Não estou certo quanto às soluções, ou mesmo quanto às causas fundamentais. Também sei que, mesmo deixando de lado o problema de custo, há MUITO a fazer. A saúde norte-americana é um sistema quebrado em muitos níveis e há muito trabalho enxuto a ser feito para melhorar a situação. No entanto, a crise de saúde nacional dos EUA é uma crise de custo. Como percentual do PIB, os custos vão ultrapassar rapidamente os 20%. As linhas de custo versus receita estão convergindo, assim como eu as vi convergir no início da indústria automotiva há muitos anos. O sistema vai quebrar, assim como o sistema financeiro quebrou no ano passado. E ESSE é o HIATO que pode ser identificado ao comparar o sistema de saúde dos EUA com o de outros países.

Abaixo, anexo alguns dados muito interessantes para sua referência. Ao invés das estatísticas familiares do WHO, eles foram extraídos da OCDE. Os dados aparentemente fazem um bom trabalho de comparar maçãs com maçãs, dólares investidos na saúde com yen, libras ou euros investidos na saúde. (A história real dos dados (além do óbvio que é perceber quão ridículo os EUA transparecem ser de maneira geral) é o fato de que os EUA começaram com uma base alta (na década de 60) E tiveram uma alta taxa de crescimento. Todos os demais países OU começaram com uma base mais baixa OU começaram com uma base alta como os EUA, mas encontraram maneiras de diminuir o crescimento). Vocês podem ver isso claramente com base no primeiro quadro, criado por Mark Graban. Para aqueles que estão interessados em acompanhar esse tópico importante em uma base contínua, e com a seriedade que ele merece, sugiro que se unam a Mark no endereço http://www.leanblog.org/search/label/Healthcare.

Observe que TODOS os dados abaixo e a Análise de Hiatos de Custo acima representam apenas as duas primeiras seções de um A3. Não apenas os Pensadores Lean evitam tirar conclusões precipitadas para problemas complexos como esse, como nem mesmo nos apressamos a chegar à análise dos cinco porquês da causa raiz até DEPOIS de decompormos o problema de maneira que possamos vê-lo. Nesse caso, o Hiato é tão claro em termos de custo, que urge uma análise detalhada no estilo A3. Vou parar nesse ponto. Espero que alguns dos especialistas em assistência médica lean entre vocês continuem daqui!

As informações a seguir são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), comparando o nível e taxa de crescimento dos gastos com saúde nos Estados Unidos e outros países da OCDE. Esses dados que mostro aqui têm alguns anos – vocês podem encontrar dados atualizados por si próprios no website da OCDE.

*O valor mostrado é para 1971.

^Intervalo na série; vide "Comparação ao longo do tempo” em http://www.irdes.fr/ecosante/OCDE/411.html.

eEstimativa da OCDE.

NA: Não disponível.

Obs.:: Valores em US$ PPP. A Alemanha não está incluída nessa tabela uma vez que seus dados não são comparáveis no decorrer do período de tempo devido à reunificação.

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Dados de Saúde da OCDE 2006, do banco de dados por assinatura da OCDE na Internet atualizado em 10 de outubro de 2006. Copyright OECD 2006, http://www.oecd.org/health/healthdata.

^Intervalo na série: Áustria, 1995; Bélgica, 2003; Dinamarca, 2003; Finlândia, 1993;

França, 2002; Irlanda, 1990; Japão, 1995; Luxemburgo, 2003; Holanda, 1998;

Noruega, 1997; Suécia, 1993; Suíça, 1995; Reuni Unido, 1997, 2003. Vide "Comparação ao longo do tempo" em http://www.irdes.fr/ecosante/OCDE/411.html.

eEstimativas da OCDE: Japão, 2003; Holanda, 2003.

NA: Não disponível.

Obs.: As taxas de crescimento refletem a mudança média anual nos gastos com saúde per capita, em moeda nacional ajustada para os níveis de preço do PIB de 2000. A Alemanha não está incluída nessa tabela uma vez que seus dados não são comparáveis no decorrer do período de tempo devido à reunificação.

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Dados de Saúde da OCDE 2006, do banco de dados por assinatura da OCDE na Internet atualizado em 10 de outubro de 2006. Copyright OECD 2006, http://www.oecd.org/health/healthdata.


^Intervalo na série; vide "Comparação ao longo do tempo" em http://www.irdes.fr/ecosante/OCDE/411.html.

eEstimativa da OCDE.

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Dados de Saúde da OCDE 2006, do banco de dados por assinatura da OCDE na Internet atualizado em 10 de outubro de 2006. Copyright OECD 2006, http://www.oecd.org/health/healthdata.

*O valor mostrado é para 1971.

^Intervalo na série; vide "Comparação ao longo do tempo" em http://www.irdes.fr/ecosante/OCDE/411.html.

eEstimativa da OCDE.

NA: Não disponível.

Obs.: A Alemanha não está incluída nessa tabela uma vez que seus dados não são comparáveis no decorrer do período de tempo devido à reunificação.

Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Dados de Saúde da OCDE 2006, do banco de dados por assinatura da OCDE na Internet atualizado em 10 de outubro de 2006. Copyright OECD 2006, http://www.oecd.org/health/healthdata.


^Intervalo na série: Bélgica, 2003; Dinamarca, 2003; Irlanda, 1990; Luxemburgo,

2003; Reino Unido, 2003. Vide "Comparação ao longo do tempo" em http://www.irdes.fr/ecosante/OCDE/411.html.

eEstimativas da OCDE: Japão, 2003; Holanda, 2003.

NA: Não disponível.

Obs.: A Alemanha não está incluída nessa tabela uma vez que seus dados não são comparáveis no decorrer do período de tempo devido à reunificação.
Fonte: Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Dados de Saúde da OCDE 2006, do banco de dados por assinatura da OCDE na Internet atualizado em 10 de outubro de 2006. Copyright OECD 2006, http://www.oecd.org/health/healthdata.

Publicado em 27/01/2010

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