ESTRATÉGIA E GESTÃO

A NUMMI foi um sucesso?


A essa altura, vocês já sabem que a Toyota tomou sua decisão, que há muito tempo vinha sendo antecipada, de fechar a NUMMI. Muitos dos meus amigos ficaram tristes com esse desdobramento inesperado. Embora também esteja triste, não desaprovo a decisão. Todas as coisas boas terminam um dia, e se a NUMMI tinha que encerrar suas operações algum dia, esse era um bom momento.

Meu trabalho na NUMMI representou a experiência mais importante da minha carreira profissional. Minha curva de aprendizado foi tão pronunciada, que não conseguia ver a próxima etapa, muito menos o topo da escada. Lembro de pensar, literalmente, "Se alguém aparecesse e me deixasse rico com um cheque vultoso e polpudo, ainda assim continuaria fazendo exatamente o que estou fazendo agora". E o que estava fazendo naquela época era trabalhar uma jornada de trabalho incrível, se não amando cada minuto (ela também tinha aspectos menos prazerosos), apreciando cada momento.

Daí, uma pergunta que tenho ouvido muito recentemente: a NUMMI foi um sucesso? Em vez de simplesmente responder com um mero sim ou não, permita-me compartilhar minha própria experiência na empresa.

A Toyota me contratou no final de 1983 para trabalhar no lado da empresa no novo empreendimento com a GM. Fui alocado a um grupo recém-formado na matriz da Cidade Toyota para desenvolver e ministrar programas de treinamento para dar apoio a sua rápida expansão internacional.

Tudo isso estava simplesmente acontecendo. A NUMMI não tinha nem mesmo um nome ainda. O acordo com o UAW (sindicato dos trabalhadores) ainda tinha que ser assinado. (Uma das primeiras reuniões das quais participei foi uma explicação da Carta de Intenção recém-assinada. Fiquei aliviado que eles não me pediram para traduzir - o conteúdo da apresentação feita pelo advogado norte-americano era técnico demais para o nível do meu japonês na época. O acordo final não foi ratificado até o verão de 1985.) Ainda não havia nenhum funcionário da NUMMI, nem mesmo uma administração. A NUMMI não era bem sucedida, não era famosa - era apenas um sonho.

Sócia GM

A GM tinha diversos objetivos de negócio muito claros. Eles possuíam uma fábrica ociosa (A fábrica de Fremont tinha produzido diversos produtos ao longo dos anos: Chevy Camaro, Olds Ciera, pick-ups GMC. Mas, independentemente do produto, a qualidade era sistematicamente a pior da GM. A pior da pior). Sem mencionar uma força de trabalho ociosa, e um relacionamento não muito amistoso com o UAW.

Mais especificamente, no que se refere ao empreendimento com a Toyota, a GM não sabia como tornar um carro pequeno lucrativo e essa parceira lhe daria a chance de ver como a Toyota fazia isso. E lhe daria a chance de ver o Sistema Toyota de Produção. O Sistema Toyota de Produção ainda não era famoso, mas havia pessoas na GM que conheciam um pouco sobre ele e queiram aprender mais.

O que a Toyota queria?

Os objetivos específicos da Toyota eram menos tangíveis. Mas era evidente que a Toyota precisava fabricar automóveis na América do Norte. A pressão política não tornava mais possível simplesmente despachar automóveis para todo o mundo dos limites confortáveis da Cidade Toyota. E a Toyota estava seguindo os passos da Honda e da Nissan, visto que cada uma delas já tinha estabelecido operações em Ohio e Tennessee.

Portanto, a Toyota precisava produzir nos EUA. Mas por que a Califórnia, o local mais caro dos EUA para se fabricar (a NUMMI pagava cerca de US$13 por hora no início, na extremidade superior dos preços da indústria naquela época)? Por que com a GM, ainda de longe a maior empresa automotiva do mundo? E por que com a força de trabalho do UAW??

A utilização de uma instalação existente obviamente iria economizar tempo e dinheiro. E acima de tudo, ofereceria uma maneira barata de aprender rapidamente.

E era isso que a Toyota queria essencialmente: aprender. A GM possuía um conjunto claro de objetivos de negócio acima de tudo. Por outro lado, a Toyota tinha uma maneira diferente de abordar esse empreendimento.

O que exatamente eles queriam aprender? Acima de tudo, a Toyota enfrentava duas grandes incógnitas no que tange a operar fora do Japão (mesmo fora da Cidade Toyota): Pessoal e Fornecedores.

A Toyota tinha muita confiança no seu sistema. Entre 1950 e 1980, a empresa desenvolveu uma maneira de trabalhar que era revolucionária. Eles estavam confiantes na sua capacidade de montar fisicamente todas as peças mecânicas para a produção de um automóvel. Mas as pessoas e fornecedores de peças eram assustadores.

O Sistema Toyota de Produção começa e termina com pessoas criando qualidade no processo. Desde os primórdios do tear automático no século 20 do fundador do grupo Toyoda, Sakichi Toyoda. A visão de Sakichi era brilhante na maneira na qual combinava automação e pessoas. A automação era feita para trabalhar PARA as pessoas - e não o contrário - em busca de maior qualidade. O sistema de Sakichi conquistou as mentes e as mãos dos trabalhadores em identificar e responder aos problemas, desenvolvendo contramedidas eficazes para as causas raiz dos problemas identificados. A qualidade não era inspecionada - era incorporada.

E, em segundo lugar, o sistema just-in-time da Toyota para obter velocidade de materiais ponta a ponta dependia de estreitas relações profissionais com os fornecedores.

Esperava-se que os fornecedores da NUMMI entregassem seus produtos com absoluta confiabilidade.

As pessoas e fornecedores representavam as perguntas e desafios difíceis - como eles poderiam ser respondidos rapidamente? Contramedida: GM e UAW como sócios.

Não é segredo que antes de abordar a GM, a Toyota manteve conversas com a Ford sobre a possibilidade de estabelecer uma produção conjunta. A Toyota há muito tempo demonstrava uma grande admiração pela Ford, admiração da família Toyoda pela família Ford, e também admiração da empresa Toyota pela empresa Ford. Mas as preocupações do embargo ao petróleo árabe, combinadas com uma falta de interesse geral do lado da Ford, fizeram com que as conversas rapidamente fracassassem.

Dessa forma, em vez da Ford, a GM era a segunda opção fácil. A GM não é uma grande surpresa, mas e o UAW?

Seria ir longe demais dizer que a Toyota no início realmente queria o UAW como sócio nesse empreendimento. Mas uma vez que ficou claro que o UAW estaria participando, a Toyota acolheu-o integralmente como parceiro: "Se podemos tornar a NUMMI um sucesso com a força de trabalho do UAW na Califórnia, podemos ser bem sucedidos em qualquer lugar".

Do lado dos fornecedores, é bem conhecido que a Toyota cresceu com seus fornecedores keiretsu semi-cativos. Trabalhar com novos fornecedores sempre foi uma questão séria para a Toyota, que exigia grande cuidado. Como o primeiro gerente geral de controle de produção da NUMMI (e posteriormente presidente e chairman da Kanto Auto Body), Susumu Uchikawa afirmou, "Sem nossos fornecedores, não podemos fazer nada". Ele estava apenas reconhecendo a verdade. Os fabricantes de equipamentos originais (OEMs) dependiam dos fornecedores para a maioria dos componentes utilizados no produto final. Com automóveis, tudo, cada componente, é projetado para cada veículo. Engenharia totalmente integrada. Uma estreita parceria com os fornecedores simplesmente faz muito sentido comercial. Você não pode produzir com boa qualidade e lucratividade se seus fornecedores são fracos e estão saindo do negócio. Você não fica rico sendo um fornecedor da Toyota, mas também nunca fecha o seu negócio!

A GM como sócia (a Ford também teria funcionado) poderia introduzir os seus fornecedores e mostrar como eles trabalham juntos. Aprender essas lições acabou sendo um processo demorado e difícil. Mas a ajuda da NUMMI e da GM era o início da longa jornada da Toyota nesse processo de aprendizado crítico.

Aprender o lado humano das coisas, especialmente como trabalhar de maneira eficaz com trabalhadores americanos da linha de frente da produção, demonstrou ser um caminho muito mais rápido. Embora não fosse fácil, foi notavelmente bem sucedido; A Toyota, a NUMMI, o UAW, e toda a força de trabalho, atingiram os níveis de desempenho da Cidade Toyota por meio da obtenção de um nível extraordinário de confiança mútua. Em termos de desempenho tangível, a NUMMI não apenas melhorou; ela foi da pior fábrica da GM para a melhor. Essa melhoria foi obtida em apenas um ano, e com a mesma força de trabalho.

O Registro do Aprendizado da NUMMI

Eu saí da Toyota em 1994. Vamos analisar o Registro do Aprendizado naquela época, com 10 anos de joint venture:

Toyota

Aprender sobre os fornecedores norte-americanos - ok

Aprender como trabalhar com os norte-americanos - ok

GM

Colocar uma fábrica e força de trabalho ociosas de volta ao trabalho - ok

Adicionar um pequeno veículo de alta qualidade na sua linha - ok

Aprender como construir carros pequenos de maneira lucrativa - não

Aprender como implementar o TPS - não

Em termos de resultados específicos, tangíveis, a GM de fato se beneficiou e indiscutivelmente muito mais do que Toyota. Todo o produto original da NUMMI foi para GM na forma do Chevrolet Nova. Portanto, conforme planejado, a NUMMI possibilitou que a GM adicionasse um veículo pequeno interessante à sua produção. Um novo modelo até mesmo constituiu o produto representativo para uma nova marca (na realidade, uma sub-marca da Chevy), o Geo Prism em 1988.

Por outro lado, a Toyota inicialmente não recebeu nenhum produto da NUMMI. Uma nova versão hatch do Corolla foi adicionada alguns anos após o início das operações, mas rapidamente fracassou no mercado (o Corolla FX - sem problemas se vocês não se lembrarem dele). Finalmente, os sedans Corolla e a pequena pick-up em 1991.

Portanto, esse era o aspecto do registro de aprendizado em meados da década de 1990, na metade do ciclo de vida da joint venture. Observe, para começo de conversa, que a JV não deveria nem mesmo ter durado tanto assim. De volta ao começo, a Chrysler liderou um processo judicial para impedir que NUMMI saísse do papel, alegando preocupações de formação de monopólio. Lá estavam as maiores empresas automotivas no EUA e Japão unindo forças contra todas as demais. O julgamento limitou a duração da JV a 12 anos, portanto, a NUMMI deveria ter encerrado suas atividades em 1996. Mas, conforme o prazo se aproximava, um recurso judicial resultou em uma decisão que permitiu que a JV operasse sem limite de tempo legal.

No final das contas, havendo limite legal ou não - o fim estava próximo.

Se essa era a metade do Registro de Aprendizado, e agora, um empreendimento de 25 anos que chega ao fim?

A Toyota obteve o aprendizado básico que desejava desde o início. O envolvimento contínuo da Toyota como sócia da JV com a GM na NUMMI foi uma questão de lealdade mais do que tudo. Sob circunstâncias normais, a Toyota nunca fecharia uma operação na qual tivesse investido. A Toyota possui um histórico de demonstrar repetidamente até onde é capaz de ir para manter empregos muito além da aparente necessidade do negócio dos mesmos.

Desde o início, os objetivos da Toyota na NUMMI foram definidos pelo aprendizado e não pelo objetivo de negócio específico tangível que geralmente define uma joint venture. E se há algo que a Toyota sabe como fazer é como aprender, especialmente onde é importante nos níveis operacionais da empresa - uma característica que é personificação da organização de aprendizagem. O maior ponto forte da Toyota é que ela aprendeu como aprender, e foi essa abordagem para o aprendizado que definiu sua abordagem para a NUMMI desde o primeiro dia.

Por outro lado, para a GM, foi somente na metade da jornada da JV que o aprendizado mais profundo começou a dar frutos. Jack Smith estava na equipe de negociação que criou o acordo com a Toyota. Como presidente na metade dos anos 90, Smith finalmente colocou a responsabilidade na alta administração para que fizessem alguma coisa com o apredizado de um numero subsatntivo de gerentes de nivel medido eue tinahm ido á NUMMI para aprender. Com o lema "run common, run lean" (algo como “excute de maneira comum, execute de maneira lean”), Smith autorizou uma equipe a iniciar o estabelecimento do Sistema de Manufatura Global (GMS) e construir uma fábrica lean modelo onde todo o aprendizado dos últimos 10 anos poderia ser reunido. Eles decidiram que seria mais fácil experimentar longe da nave mãe em Detroit (e longe do UAW), portanto escolheram Eisenach na Alemanha. De lá, as fábricas no Brasil, China, e finalmente de volta ao velho e bom EUA (mesmo no meio de Michigan e com o UAW!) incorporaram os mesmos princípios, projeto e formas de se trabalhar.

A iniciativa global da GM foi bem sucedida em função do profundo aprendizado que ocorreu entre as pessoas com experiência na NUMMI. Na década de 1980, os graduados da GM- NUMMI remodelaram o TPS que aprenderam na NUMMI, transformando-o em algo que chamaram de "Produção Síncrona" e começaram a oferecer treinamento para um número significativo de pessoas da GM. Enquanto isso, de volta à NUMMI, a GM transformou seu pequeno escritório de comunicação, denominado TLO, ou Technical Liaison Office - em uma operação de treinamento que organizava visitas curtas e mais longas à NUMMI para oferecer verdadeiras oportunidades de desenvolvimento aos colegas da GM que passavam por lá.

Isso tudo finalmente deu resultado, conforme muitos padrões objetivos e de acordo com diversos observadores externos, as novas fábricas da GM possuem padrão mundial, em qualidade e custo.

E, começando há cerca de cinco anos, a GM até mesmo começou a aplicar o que aprendeu com a prática lean nas fábricas no trabalho de escritório. A iniciativa de "GMS Empresarial" da GM economizou um bilhão de dólares no primeiro ano de aplicação da mentalidade enxuta aos processos administrativos.

Mas, após cerca de 20 anos nesse empreendimento, a GM aparentemente decidiu que realmente bastava da NUMMI. Eles recriaram o treinamento ministrado pelo TLO da NUMMI oferecendo a mesma experiência em Michigan, e finalmente fecharam a operação de treinamento no escritório de comunicação na NUMMI.

E, no final das contas, quando outras operações da GM tinham melhorado muito, a NUMMI já não fornecia mais o impacto dramático nos visitantes que ocorria na década de 1980, quando os visitantes saíam de queixo caído com o que viam. De fato, no final, não apenas a NUMMI não era mais a líder de qualidade da GM, como na verdade representava um obstáculo para as pontuações de qualidade globais da GM. Isso significa: a qualidade dos produtos fabricados na NUMMI era pior que a média da GM! Ai! (Obs.: esse é o meu entendimento com base nas discussões com várias pessoas - Não posso verificar isso, mas parece crível.)

Então, por que a NUMMI está fechando?

Certamente, o dinheiro investido não faz sentido para a Toyota ou para a nova GM. Nenhuma delas precisa da capacidade nesse momento, e ninguém pode prever se precisarão no futuro.

Mas, também - ainda mais importante - o aprendizado está concluído. Fini. Caput.

Ou assim parece.

Mas eu argumentaria que ainda há MUITO mais para aprender. Sobre transferência de tecnologia, disseminação do aprendizado, o sistema de GESTÃO que sustenta e possibilita o Sistema de Produção mais famoso, a importância e obtenção da confiança mútua entre a força de trabalho e administração, sobre como sustentar um sistema operacional poderoso há muitas décadas.

A NUMMI foi uma ótima história por si própria. Uma história de pessoas que se uniram e fizeram algo maravilhoso em um momento e local na história. E a NUMMI foi importante tanto para GM quanto para a Toyota. Acredito que também foi importante para o UAW.

Mas, um fato menos considerado é que a NUMMI foi extremamente importante para a manufatura americana. A NUMMI demonstrou que os melhores métodos de produção do mundo, supostamente "japoneses", poderiam funcionar em solo americano com força de trabalho americana. Um lema inicial na NUMMI era: "O melhor dos dois mundos". Eu acredito verdadeiramente que a NUMMI no seu auge incorporou esse lema em princípio e na prática. Se, se a produção e mentalidade enxutas e a empresa lean são o caminho a seguir para organizações americanas em todos os setores, a NUMMI foi uma das lentes mais importantes para o mundo fora da Toyota poder ver isso de perto.

Publicado em 09/10/2009

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal