MANUFATURA

Em busca dos arquitetos do fluxo de valor


Recentemente, venho despendendo a maior parte do meu tempo no gemba analisando processos que criam valor em organizações muito distantes da manufatura. E quanto mais longe vou -- por exemplo, chegando até a área da saúde -- mais me encontro perguntando a mim mesmo: "Quem originalmente projetou esse fluxo de valor inútil, incapaz, indisponível, inadequado, inflexível, irregular e desconexo? E quem é responsável pelo seu desempenho agora?" A resposta, na maioria dos casos é aquele habitual suspeito: Ninguém.

Para ser justo com aqueles leitores no setor de serviços, devo observar que a conscientização e raciocínio sobre processos - observe que utilizo os termos "processo" e "fluxo de valor" de forma intercambiável -- são inerentemente mais fáceis na fábrica. O produto está ali para todos verem e os departamentos e grupos de profissionais da área industrial, de fabricação e de engenharia da produção estão todos no mesmo local. Além disso, praticamente todas as empresas de manufatura introduzem periodicamente produtos fundamentalmente novos, envolvendo pelo menos alguns novos métodos de produção, que oferecem a oportunidade de repensar todo o fluxo de valor. A prova de que esses fluxos de valor são os mais fáceis de serem transformados é que a conscientização sobre os processos diminui rapidamente em empresas de manufatura uma vez que se perde de vista o chão de fábrica com suas transformações físicas. O desenvolvimento de produtos, vendas, compras, recursos humanos e finanças são processos -- uma série de ações que devem ser realizadas corretamente no momento certo e na sequência correta para criar o valor que os clientes necessitam. Ainda assim, o projeto desses fluxos de valor muitas vezes recebe pouca ou nenhuma atenção, mesmo em empresas que se tornaram bem proficientes no mapeamento e posterior reprojeto dos fluxos de valor de suas fábricas.

E se sua tarefa é gerenciar o suporte a clientes em um banco, ou a regulação de sinistros em uma companhia de seguros, ou ainda o fluxo de pacientes em um hospital, há grandes chances de que você precise repensar fundamentalmente um fluxo de valor que nunca foi projetado de nenhuma forma vigorosa e para o qual ninguém possui responsabilidade clara. Muitos desses processos aparentemente aconteceram e continuaram a ocorrer por anos ou décadas, de maneira que a situação atual deficiente parece sancionada de alguma maneira pela história. "Sempre foi assim. Mas somos inteligentes e contornamos os problemas diariamente".

O que falta aqui é o que chamo de arquiteto do fluxo de valor. Trata-se da pessoa, idealmente um gerente de linha que recebe uma tarefa especial, cuja incumbência é assumir a responsabilidade por repensar fundamentalmente um fluxo de valor existente para criar um processo enxuto que agrega valor. (Esse pode ser principalmente um fluxo de valor que se relaciona diretamente com o cliente, como o desenvolvimento de produtos ou gerenciar do pedido à entrega, ou um fluxo de suporte necessário para operar algum fluxo principal.) A primeira etapa é determinar a necessidade dos clientes e o tipo de processo necessário para atendê-la. Em seguida, o fluxo de valor pode ser mapeado percorrendo-o com todos os que têm contato com ele e a situação atual pode ser determinada juntamente com o hiato no atendimento da necessidade dos clientes, enquanto se permite que a organização prospere. Essa análise vai sugerir melhorias potenciais e o arquiteto então se esforça para chegar a um consenso sobre a melhor alternativa a se buscar, seguida por experimentos utilizando o ciclo familiar Planejar-Fazer-Verificar-Agir para determinar se a alternativa funciona.

Eu gosto do termo arquiteto visto que no seu uso convencional trata-se de uma pessoa que conversa com os clientes para determinar suas necessidades de um edifício e que também conversa com todos os participantes envolvidos no projeto e construção (pelo menos o engenheiro e empreiteiro) para criar um processo que vai entregar o valor desejado. A diferença, claro, é que os arquitetos tradicionais estão criando edifícios, enquanto os arquitetos do fluxo de valor estão criando processos lean coerentes.
Tudo isso parece complicado, e é. A maioria das organizações trata a melhoria de processos como uma atividade da equipe (ou consultor) em pontos isolados ao longo de fluxos de valor amplos e muitas vezes sem perguntar o que é realmente importante para o cliente ou as implicações para toda a organização. Consequentemente, os processos mais importantes -- aqueles que fluem pela organização -- muitas vezes não são abordados, e mesmo quando o são, o processo melhorado não pode ser sustentado uma vez que o novo processo não é entendido pelos gerentes de linha que não vêem a manutenção e melhoria de todo o fluxo de valor como sua responsabilidade. (Isso aponta a necessidade de designar um gerente de fluxo de valor para cada processo, uma vez que ele seja transformado, para monitorar continuamente o desempenho do fluxo de valor e melhorá-lo regularmente via kaizen.)

Quem dera a Comunidade Lean pudesse simplesmente se inspirar na prática da Toyota ou Honda na busca da arquitetura de processos lean. Mas temo que ela não possa. Fiz muitas perguntas, mas não encontrei nenhuma clareza sobre a maneira na qual essas organizações projetam fluxos de valor lean robustos para suas atividades que criam valor fora da fábrica. E, de qualquer maneira, a grande maioria dos processos mundiais ocorre em organizações muito afastadas da manufatura. Portanto, acredito que estamos basicamente sozinhos, uma vez que a mentalidade enxuta continua se difundindo para muito além do seu ponto de origem inicial.

O que precisamos agora é de experimentos em muitos setores, de maneira a tornar a arquitetura do fluxo de valor uma habilidade essencial da gerência de linha. E estou esperando que os membros da Comunidade Lean vão liderar esse caminho e compartilhar suas constatações experimentais. De fato, estamos esperando examinar esses experimentos como parte da nossa nova iniciativa de gerenciamento lean do LEI e compartilhar nossas conclusões sobre abordagens promissoras. (Se vocês tiverem experiências para compartilhar, espero que as enviem para Chet Marchwinski, que prepara nossas "histórias de sucesso" para o nosso website em www.lean.org.)

Para mencionar um exemplo do tipo de experimentação necessário, meu co-autor de longa data, Dan Jones, e seus colaboradores vêm trabalhando com diversas organizações de saúde no Reino Unido para criar arquitetos do fluxo de valor visando transformar o fluxo de pacientes por todo o hospital. Esse processo ponta a ponta é particularmente desafiador porque as muitas etapas envolvidas, da admissão à alta, nunca foram tratadas como uma atividade conectada e -- nos poucos casos em que foram -- nem as necessidades dos pacientes nem as organizacionais foram especificadas claramente.

Dan pediu recentemente aos seus colaboradores, Marc Baker e Ian Taylor, para descrever sua abordagem em um livro de trabalho, Making Hospitals Work, e espero que os membros da Comunidade Lean em todos os setores vão considerá-lo interessante. Ao revisar o seu trabalho, considerei particularmente importante que os autores incorporaram o reprojeto do fluxo de valor em uma análise A3 para focar as necessidades do paciente e da organização antes de lidar com o fluxo de pacientes. E sua discussão é verdadeiramente provocadora no que tange ao papel do gerente do fluxo de valor (o termo que utilizam, em vez de arquiteto) e sua contribuição chave como a força interdepartamental, horizontal, para transformação em uma organização vertical.

Cada setor e organização são diferentes e precisarão de muitos experimentos nos próximos anos para fazermos tudo funcionar. De fato, acredito que a experimentação sistemática para identificar a melhorar maneira dos gerentes lean criarem fluxos de valor enxutos para cada processo em cada setor é a tarefa mais importante que a Comunidade Lean enfrenta.

Publicado em 28/09/2009

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal