CULTURA E LIDERANÇA

Recrutando idéias criativas

Recentemente sugeri que a falência da GM não necessariamente significa que todos os seus gerentes são ruins. Agora me permitam apresentar um outro lado desse argumento.

Eu também sugeri recentemente nesse espaço e em outros lugares que os gerentes possuem duas tarefas principais: (1) fazer as pessoas que trabalham para eles tomar a iniciativa para solucionar problemas e melhorar seu próprio trabalho e (2) alinhar o trabalho que elas realizam para agregar valor para os clientes e prosperidade para a empresa. O gerente faz isso ao tomar a iniciativa de aprender e melhorar, desenvolver processos que possibilitam a melhoria e a resolução de problemas e desenvolver subordinados e terceiros por meio do aconselhamento (“mentoring”).

Da mesma forma, anteriormente sugeri que se avaliássemos a GM utilizando as lentes do Proposito, Processo e Pessoas do LEI, descobriríamos que "a GM aprendeu - ao contrário da opinião popular - muito sobre processo com a Toyota ". Mas isso não foi o suficiente. A GM "na verdade nunca foi muito longe na parte das pessoas, e ainda mais importante, desde o princípio sua finalidade era completamente diferente".

Os gerentes da GM fizeram grandes progressos na melhoria dos seus processos nos últimos 10 anos. Sua falha em avançar no lado das pessoas é claramente uma falha de gerenciamento. Isso torna os gerentes que trabalharam (ou ainda trabalham) nesse sistema "maus gerentes"? Foi muito difícil eu enxergar as coisas dessa forma. Isso certamente significa que eles tomaram decisões ruins, ou deixaram de tomar muitas decisões certas ou necessárias. Acredito que a propósito diferente da GM como uma organização sempre bloqueia o caminho. E essa finalidade distinta sempre afeta profundamente a maneira na qual a empresa trata as pessoas.

Deixe-me dar uma idéia do tipo de mentalidade sobre as pessoas que há muito tempo diferenciou a Toyota da GM. Vou extraí-la, como faço frequentemente, da minha experiência na NUMMI.

Sistema de sugestões mal direcionado

Em meados de 1985, a GM enviou um gerente de nível intermediário para estudar o Sistema de Sugestões da NUMMI/Toyota. Ao chegar, o pesquisador estava empolgado e ansioso para aprender o famoso processo Toyota que rapidamente ganhou força na NUMMI. Seis meses mais tarde, ele estava desanimado sobre sua volta iminente para a GM. "Por quê?", perguntei. Sua explicação simples dizia muita coisa. Ele havia recebido ordens superiores antes do seu deslocamento: "Não volte com um projeto de sistema que não gere pelo menos US$20 por sugestão", fora instruído. "Por quê?", perguntei novamente. "Porque," explicou, "a GM fez uma análise de ROI simples que mostrava que o custo de processar uma sugestão era US$20. Portanto, naturalmente, uma sugestão deve economizar pelo menos US$20 para se pagar".

Ao final dos seis meses de estudo, o gerente da GM entendeu quão terrivelmente mal direcionadas suas ordens superiores tinham sido. Ele passou a entender tanto o processo quanto ao propósito do Sistema de Sugestões da NUMMI/Toyota. E também percebeu que propósito e processo estavam integrados esplendidamente com a dimensão das pessoas.

Ele descobriu um sistema de sugestões que diferia substancialmente daquele da GM, sem mencionar suas próprias expectativas. Os sistemas de sugestões convencionais nos EUA eram projetados para estimular GRANDES sugestões. As empresas davam grandes prêmios e, portanto, eram revisadas por grandes comitês, e – outro "portanto" aqui – esperavam grandes resultados.

Nosso sistema de pequenas sugestões na Toyota, em completo contraste, oferecia recompensas muito pequenas. No Japão, a maioria das recompensas variava de 500 a 2000 ienes, ou menos de US$10. Era um grande, enorme negócio receber 3.000 ienes. A ênfase estava em facilitar a apresentação de uma sugestão com uma promessa de um feedback rápido, muito rápido. Essencialmente imediato.

Vamos dizer que um trabalhador tinha uma idéia sobre uma maneira melhor de realizar um determinado trabalho. Tudo o que ele tinha que fazer era discutir com seu líder de equipe (e com um líder de equipe para cada cinco ou seis trabalhadores, não era difícil encontrar um), obter o consentimento para experimentar a sugestão e então … testá-la. Se ela funciona, documente-a e receba 1000 ienes. Se for boa, você poderá receber 2000 ienes. E em seguir começar a pensar na próxima idéia, como melhorá-la um pouco mais.

Você ouviu os números: cerca de 98% das sugestões são aprovadas. A abordagem imediata, teste e veja, reflexiva descrita acima ilustra como esse número se torna possível. Todo o processo é tão diferente do sistema de sugestões convencional que é difícil até mesmo concebê-los como a mesma coisa. Eles, de fato, são totalmente diferentes. Maçãs e laranjas. Meninos e meninas (não, mais diferente do que isso).

E além da alta taxa de aceitação, os funcionários da Toyota também apresentam um número enorme de sugestões. Isso muda com a geografia (Japão versus EUA versus Brasil, por exemplo) e com o tempo (2009 versus 1984 versus 1969), mas na maior parte, um trabalhador da produção típico na Toyota envia cerca de uma sugestão por semana. E eu mencionei que cerca de 98% delas são implementadas?

Aqui está outra das características diferenciadoras: as sugestões devem (via de regra) envolver o SEU PRÓPRIO trabalho. Por favor, nenhuma sugestão para melhorar o menu da lanchonete. Estamos buscando idéias para melhorar o processo conforme vocês estão trabalhando nele.

Grandes melhorias

Considere também que a função do trabalhador da produção típico não engloba mais do que cerca de uma dúzia de elementos importantes. Portanto, isso significa que em um período de um ano, o trabalhador que enviou cerca de 50 sugestões em média (obs.: eu não verifiquei os números reais atualmente) terá tido a oportunidade de fazer grandes mudanças no seu trabalho.

Por falar nisso, para um membro do quadro de pessoal de escritório jovem como eu, a meta era que cada pessoa apresentasse uma sugestão implementada por mês. Eu realmente tinha dificuldade com isso. Embora a sugestão precisasse ser "sobre" meu próprio trabalho, não podia ser algo que eu estava fazendo como parte do, ou no curso normal do meu trabalho. Portanto, se ministrar um determinado curso de treinamento fizesse parte da minha responsabilidade funcional, eu não iria escrever uma sugestão de resposta rotineira às ocorrências do dia a dia, como, por exemplo, alguns estagiários esquecendo de trazer seu crachá diariamente. Por outro lado, se eu sugerisse um poka-yoke, de tal maneira que coletássemos os crachás diariamente antes dos estagiários deixarem a sala, isso seria uma mudança no processo (trabalho padronizado) que poderia se qualificar como uma pequena sugestão (essa, especificamente, teria sorte de receber até mesmo o menor dos prêmios em dinheiro!).

De volta ao jovem gerente da GM decepcionado. Ele sabia, como havia me dito, que a GM nunca entenderia, muito menos aprovaria, tal sistema. Mas entendeu que o segredo era que a Toyota não estava comprando idéias de redução de custos com seu sistema de sugestões, ela estava comprando o engajamento dos trabalhadores.

A Toyota tirou a idéia do seu sistema de sugestões diretamente da Ford. Em1950, Eiji Toyoda passou por seis meses aprendendo com a Ford, incluindo o importante período despendido na Fábrica de River Rouge. Foi lá que ele viu o sistema de sugestões da Ford e voltou para a Toyota com um panfleto que o explicava. Eiji sabia que o profundo envolvimento em kaizen da sua força de trabalho na Cidade Toyota seria fundamental para obter as grandes melhorias que sabia que sua empresa necessitava. No seu retorno para o Japão, Eiji instituiu o "Sistema de Idéias e Sugestões Criativas" da Toyota como uma cópia direta do sistema de sugestões que viu na Ford.

Nas palavras de Eiji:

"O sistema de sugestões é algo que vi na Ford e simplesmente copiei ao voltar para a Toyota. Você começa com muita curiosidade, coloca um sistema em funcionamento, e deixa seu pessoal assumir a partir daí".

"Eu consegui uma cópia do panfleto que eles estavam usando na Ford, e coloquei-o em japonês para imitar o sistema na Toyota. Mas quando visitei a Ford posteriormente, eles me disseram que tinham parado de utilizar o sistema de sugestões; que ele não funcionava".

Essa é uma cópia do primeiro pôster solicitando sugestões para o novo programa que Eiji copiou da Ford, com o slogan: "Recrutando idéias criativas!"

Portanto, se a falha dos gerentes em abraçar o lado das pessoas da mentalidade enxuta é ilustrativa do fracasso derradeiro da velha GM, é irônico que a inspiração para o sistema de sugestões da Toyota – talvez a ilustração mais tangível de como a Toyota explora os talentos criativos do seu pessoal – tenha vindo do velho quintal da GM.

Publicado em 21/08/2009

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal