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Um momento instrutivo lean: Starbucks no The Wall Street Journal

Eu gosto de manter meus relacionamentos de consultoria em silêncio. Nada como um trecho provocativo na primeira página do The Wall Street Journal para acabar com qualquer quietude.

O jornal do dia 11.8 publicou um artigo intitulado: "Último jargão da moda na Starbucks: Técnicas Japonesas 'Lean'". O artigo se referiu a mim como o 'ex-executivo da Toyota que vem aconselhando a Starbucks nos métodos lean'. Você também pode encontrar uma versão gratuita do artigo aqui.

A blogosfera – o espaço para comentários on-line do Jornal e outros websites – está agitada. De qualquer maneira, a Starbucks é um enorme ponto de referência para os blogeiros. Muitas pessoas odeiam e muitas adoram a Starbucks. Muitas pessoas parecem alimentar esses dois sentimentos pela empresa. Algumas parecem adorar odiá-los.

Não vou fazer comentários sobre todos os pontos do artigo e nem responderei a todas as coisas que estão sendo faladas na blogosfera. Mas há algumas questões que precisam ser esclarecidas. Entre elas, fundamentalmente, as acusações (já ouvimos isso antes, de um setor após o outro, conforme tomam contato com a mentalidade enxuta) de que o lean nada mais é do que uma campanha de eficiência que não se distingue da administração científica de Taylor; e, que os atendentes da Starbucks se tornarão robôs conforme a empresa procurar igualar-se às cadeias de fast food na eficiência da mão-de-obra.

Isso certamente está bem longe da verdade.

O problema da Administração Científica de Taylor: Quem é o cientista quando o assunto é a melhoria de processos? Os cientistas devem enxergar o trabalho real para fazer ciência no trabalho.

Anteriormente neste espaço, discutimos a natureza não científica da maioria das interpretações da administração científica de Taylor. Esses conceitos errôneos se infiltraram até mesmo nas conversas de praticantes muito experientes da mentalidade enxuta.

Há um lado técnico da mentalidade enxuta que visa tornar a produção em fluxo – toda produção, todos os serviços, todo o trabalho – do início ao fim, o mais eficiente e eficaz possível. Práticas de engenharia industrial tradicionais – incluindo as idéias de Frederick Taylor – desempenham um papel crítico nesses aspectos do lean.

Os Pensadores Lean (do criador do Sistema Toyota de Produção, Taiichi Ohno, ao líder da equipe de pesquisas de produção enxuta do MIT, Jim Womack) mencionam Henry Ford com a primeira pessoa a estabelecer a produção em fluxo, um precursor da empresa enxuta. Henry combinou peças intercambiáveis com o fluxo da linha de montagem e mostrou isso para o mundo. A produção não foi a mesma desde então.

A Toyota posteriormente desenvolveu a produção em fluxo da Ford de duas maneiras críticas. Primeiro, tecnicamente, a Toyota descobriu (com um grande benefício para o cliente) como obter a produção em fluxo em volumes menores e ambientes muito variados. A produção em fluxo da Ford trabalhava melhor quando oferecia somente "qualquer cor que você deseje, desde que seja preto". Mas, os clientes com o tempo exigiam maior variedade. E quando se deparou com a necessidade de responder, a Toyota nos mostrou que o fluxo é possível mesmo em ambientes complexos com uma combinação de produtos.

A inovação mais radical da Toyota

A segunda, e mais radical, inovação da Toyota foi responder ao problema central que surgiu com a Administração Científica de Taylor: o tratamento desumano dos trabalhadores que realizam trabalhos manuais. A Toyota revolucionou o lado técnico da produção enxuta com a inclusão da diversidade na produção em fluxo. Porém, ainda mais importante, a Toyota revolucionou a dimensão social do trabalho, respeitando tanto o intelecto dos trabalhadores quanto suas mãos. Dessa forma, os trabalhadores fabris tornaram-se trabalhadores do conhecimento.

A Toyota combinou os velhos princípios e técnicas de Administração Científica da Engenharia Industrial com dimensões sociais apropriadas para o mundo moderno. Mesmo os trabalhadores que realizam "trabalhos manuais" com suas mãos são trabalhadores do conhecimento. Os funcionários de linha de montagem tornaram-se os cientistas.

Ao redefinir as funções, a Toyota mudou a resposta para a pergunta de quem é o cientista na administração científica.

Geralmente, considera-se que a civilização avançou da Era Agrária (com a Revolução Agrícola) para a Era Industrial (com a Revolução Industrial) para a Era da Informação (liderada pelo trabalhador do conhecimento).

Então, Starbucks....

Parece que nos estágios iniciais da adoção da mentalidade enxuta ou de qualquer metodologia de melhoria de processos, os praticantes inevitavelmente interpretam mal e passam por um período de desprezo à dimensão social do lean. Eles tentam determinar a Melhor Maneira de realizar o trabalho e então desdobram (implementam) esta Maneira, de forma programática, buscando aquiescência. O que é particularmente interessante no caso da Starbucks é que eles não podem nem mesmo TEM ESPERANÇA de fazer isso, não com 10.000 lojas na América do Norte gerenciadas por jovens que gerenciam trabalhadores em tempo parcial para fornecer um produto e serviço de alto nível. Portanto, a Starbucks está desenvolvendo uma maneira que poderá ser revolucionaria. Isto leva a uma melhor maneira de trabalhar para os atendentes que traz até mesmo um melhor atendimento para os clientes. E, ó!, falando nisso, uma enorme redução de custos também pode surgir.

A forma que a Starbucks escolheu para incorporar esta nova maneira de trabalhar é revolucionária. Empresas tradicionais muitas vezes tentam implementar os princípios lean (ou talvez a engenharia industrial tradicional, ou seis sigma ou reengenharia de processos), de uma maneira programática. Elas fazem isso dessa maneira programática por que … simplesmente porque podem. Por outro lado, a Starbucks não poderia abordar a mudança na sua estrutura maciça, diversificada, de uma maneira programática, simples e homogênea. Não era possível fazer isso e fornecer o tipo de serviço único, orientado para o cliente que eles desejavam fornecer. A empresa teve que fazer isso de uma maneira diferente. Eles não tinham escolha, senão fazer isso da maneira certa – por meio do envolvimento das pessoas que realizam o trabalho.

A comparação com o McDonalds é errônea e ilusória. O modelo de negócios do McDonalds busca uma abordagem altamente homogênea. Portanto, o McDonalds pode ter sucesso ao implementar a Engenharia Industrial tradicional (o Taylorismo e tudo aquilo – e não o lean) de uma maneira muito tradicional, de cima para baixo e programática.

A Starbucks decidiu há muito tempo – e confirma isso diariamente – que uma abordagem de loja homogênea não é o caminho para o sucesso de seu produto, que é um café sofisticado, mais caro, que enfatiza a experiência do cliente. (Esta é a aspiração explícita da Starbucks. Muitas pessoas odeiam a Starbucks. Algumas a odeiam porque é muito elegante, cara e pretensiosa. Outras odeiam o sabor do café, reclamando que é muito forte, muito fraco, muito "queimado". Alguns chamam os clientes fiéis da Starbucks, com suas exigências específicas de café expresso, "esnobes do café", enquanto também há especialistas (connoisseurs) de café radicais que consideram o café da Starbucks um lixo que não merece ser bebido. Você talvez aprecie, ou não, as aspirações da Starbucks, ou concorde, ou não, que a empresa as cumpra – esse não é o ponto desta discussão.) Cada loja Starbucks é diferente. A área é diferente, a experiência do cliente é diferente. Acredito que a Starbucks queira que a experiência do cliente seja consistente, porém única de uma loja para outra. O McDonald's quer que a experiência do cliente seja exatamente a mesma, totalmente comum de loja para loja.

A Starbucks deseja que o cliente desfrute da experiência de estar na loja, de interagir com o atendente, de ouvi-lo dizer seu nome. A Starbucks quer que o cliente aprecie o fato do atendente ser altamente capacitado na preparação de cada bebida à perfeição e para a satisfação do cliente.

Em cada uma das 15.000 ou mais lojas Starbucks (o gemba ou local de trabalho para mais de 100.000 funcionários), o próximo cliente que entrar na loja pode pedir qualquer uma das mais de 80.000 bebidas das combinações quase infinitas disponíveis. E então há aquelas bebidas personalizadas, como o café expresso “super-forte” (popular entre estudantes durante a semana de exames finais).

Longe de se tornarem robôs, pense no melhor bartender ou garçom/garçonete que você já viu. Lembre-se de admirar a maneira na qual ele ou ela poderiam pegar os pedidos vindos de todas as direções, sem perder o rebolado. É isso que a Starbucks deseja da sua iniciativa lean.

Ao invés dos atendentes terem que parar para procurar coisas que estão no lugar errado, ou não estão lá, o objetivo é tornar rotina o maior número possível de coisas, de tal maneira que o atendente pode despender apenas alguns segundos adicionais conversando com o cliente. Este é o objetivo. Nada de soluções alternativas visto que uma fila está se formando, nada de atalhos para se concentrar– tratar cada pedido único como ele deve ser tratado, de bom humor, sem aflição, para a satisfação do cliente.

Sem dúvida o McDonald's deseja que seus clientes fiquem igualmente felizes, mas quer conseguir isso fazendo com que cada experiência seja exatamente a mesma. Então, não há problema em projetar o trabalho (com uma boa Engenharia Industrial incorporada) na matriz, e então implementar esse projeto de trabalho de forma massiva. Em outras palavras, eu diria que o McDonalds e os outros não estão fazendo o lean, mas Engenharia Industrial. O lado técnico do lean sem o lado social também não é nada enxuto.

A Starbucks está abordando os princípios lean com a intenção de fornecer a seus atendentes as habilidades para realizar um projeto de trabalho melhor por conta própria, conforme vão em frente. Isto contrasta totalmente com a acusação sem fundamentos de que os colaboradores estão sendo transformados em "robôs". Se é isso que a Starbucks queria, há maneiras mais fáceis de chegar lá do que seu método selecionado de introduzir os conceitos em cada loja e pedir aos atendentes para trabalhar em suas próprias soluções únicas adequadas para suas próprias situações únicas.

Starbucks e além. . .

Por falar nisso, a transformação lean que a Starbucks está buscando é possível para todos os setores de serviço e de varejo. Muitos setores de serviço – especialmente de assistência médica – estão descobrindo o poder do lean. Mas o varejo continua sendo um estado da natureza - a maneira que os funcionários têm para estocar e reestocar as mercadorias, tendo frequentemente os itens errados em estoque, é uma grande oportunidade para varejistas em qualquer lugar. Você sabia que, em média, os fregueses de supermercados enchem seus carrinhos com o que eles querem em apenas um pouco mais do que em 50% das vezes?! Você percebe que em boas 20% das vezes, sua loja de calçados não tem o estilo ou número que você precisa?! Você se lembra a última vez (esta manhã, no meu caso) que recebeu um serviço que fez você querer gritar ou simplesmente ficar atônito?

De volta ao The Wall Street Journal, toda essa publicidade é provavelmente desafortunada no sentido de que a Starbucks ainda está muito no início da sua jornada lean. A Starbucks está abordando os princípios lean da única maneira que pode, e tem sido muito lenta e metódica em desenvolvê-los de uma maneira que se enquadra em sua cultura. É fantástico que como um resultado de tudo isso a Starbucks talvez consiga fornecer um ótimo modelo para empresas de serviço e varejo aprenderem. Mas esse é um grande talvez (grifado, em itálico, negrito) – ainda é muito cedo para falar nisso. Estou feliz de que eles estejam tentando e aprendendo.

John Shook

Resumo da evolução do lean: das atividades dos frigoríficos de Chicago à Starbucks

Atividades de frigoríficos de Chicago -> Henry Ford -> Toyota -> Starbucks

Atividades de frigoríficos de Chicago e o lado técnico da produção enxuta -> a linha de desmontagem

Henry Ford e o lado técnico da produção enxuta -> a linha de montagem

Toyota -> revolucionou o lado técnico da produção enxuta com a inclusão da complexidade de produtos (para benefício dos clientes). Ainda mais importante, revolucionou a dimensão social, respeitando tanto o intelecto quanto as mãos dos trabalhadores (de maneira que os trabalhadores fabris se tornaram trabalhadores do conhecimento, os cientistas).

Publicado em 20/08/2009

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal