Quando a General Motors pediu concordata, ela marcou o fim de uma era. A primeira corporação verdadeiramente moderna, gerenciada com base nos resultados, criada por Alfred Sloan na década de 1920, morreu como um conceito viável. Mas o que vem em seguida?
Essa não é apenas uma pergunta para a GM ou para as grandes empresas em um sentido mais amplo. Também marcou o fim da narrativa lean que vinha ocorrendo há 30 anos, desde que a GM começou a declinar pela primeira vez na recessão de 1979. Davi (de fato, uma equipe de Davis) finalmente desbancou Golias, justamente quando Golias estava finalmente prestando atenção à mensagem lean. Portanto, também precisamos considerar o que acontece em seguida com a Comunidade Lean.
Quais serão os próximos capítulos para a GM?
No início de 2009, a GM possuía três importantes pontos fracos. A empresa possuía uma grande dívida herdada – detentores de bônus e pensionistas. Ela possuía custos de remuneração para os funcionários atuais que eram altos demais para competir com as operações na América do Norte. E o valor que recebia por seus produtos na maioria dos segmentos de mercado estava bem abaixo da média, em parte como resultado de um legado de décadas de produtos defeituosos e parcialmente em função da empresa ter perdido o pulso do público sobre o que ela e seus produtos deveriam significar para os clientes.
Ironicamente, a GM também possuía pontos fortes consideráveis. Ela contava com fábricas competitivas em termos de produtividade e qualidade e um processo de desenvolvimento de produtos competitivo quando conseguia focar suas energias. (Por ex., o novo Chevy Malibu.) Após falhar por 15 anos em aprender as lições da NUMMI (sua joint venture californiana com a Toyota), a GM tinha nos últimos anos desenvolvido um sistema de produção global competitivo e consistente e racionalizado sua organização de desenvolvimento de produtos global. A empresa tinha até mesmo dado passos impressionantes para enxugar seus processos de negócio internos. Mas -- como no caso da sua fornecedora de autopeças Delphi -- o lean chegou tarde demais.
A concordata zera o odômetro da viagem. A dívida herdada foi reduzia para um nível gerenciável e os custos de remuneração dos funcionários atuais agora será muito mais competitivo. Além disso, a empresa está se restringindo drasticamente a uma carteira razoável de marcas com capacidade de produção apropriada à sua participação realista de volumes de mercado prováveis.
Então qual é o problema? Simplesmente que a GM explicou agora o que ela não é. Ela não é a Saturn ou a Saab, ou a Pontiac ou a Hummer. (Nem a Opel ou a Vauxhall, embora certamente a nova Opel será uma fornecedora de automóveis totalmente projetados para a GM em um futuro próximo duradouro.) E a GM não é uma fabricante relevante nos EUA fora do Meio Oeste. E a General Motors não é, do ponto de vista da lucratividade, principalmente uma empresa financeira. E ela não terá uma rede de concessionárias cobrindo todas as áreas de todas as cidades em todo o continente.
Mas o que uma empresa não é não interessa para os consumidores. Se a General Motors não é mais a "GM do seu pai" (para parafrasear o slogan da sua propaganda nos últimos anos para o Oldsmobile) ou a "empresa que o decepciona" (como expressou o CEO Fritz Henderson na coletiva de imprensa de ontem), então o que ela é? Por que qualquer novo cliente deveria se importar em comprar produtos da GM, ou muito menos em pagar os preços do topo do segmento que a GM necessita para ter sucesso? E quem pode definir o que a nova e atraente GM é?
A grande genialidade de Sloan em recriar a General Motors na década de 1920 (após sua segunda jornada rumo à reorganização – ontem marcou a terceira em 100 anos) era fornecer uma explicação convincente de como a GM se enquadra na vida de cada cidadão norte-americano. Ele apresentou uma linha completa de veículos, de um Chevrolet usado como o primeiro automóvel para o comprador de baixa renda até um Cadillac totalmente equipado para aqueles que obtiveram sucesso financeiro. E os produtos da GM foram cuidadosamente ordenados em uma hierarquia de status com uma atenção brilhante à aparência e comportamento de cada produto em relação às preferências dos americanos. De fato, conforme adquiriu um tamanho enorme, a GM muitas vezes foi a mediadora dos gostos dos norte-americanos.
Até agora, a única mensagem sobre a GM é o Volt, o automóvel híbrido de grande alcance. Talvez esse seja um começo, embora com riscos enormes considerando as mudanças constantes nas tecnologias e nas percepções políticas e do público sobre as mudanças climáticas e dependência energética. Mas mesmo que seja um começo, é um começo muito tímido. Quem consegue definir detalhadamente "a GM do seu filho", "a GM que nunca o decepciona"? E que liberdade eles terão para fazer isso?
É fácil culpar a administração recente da GM por seus problemas. Mas os gerentes sênior da GM que conheci – quase todos eles com sólidos conhecimentos financeiros -- foram extraordinariamente competentes em gerir a empresa de uma maneira orientada para as finanças, dirigida para os resultados, que foi bem sucedida por gerações. Portanto, o problema não é a competência individual dos gerentes, mas o conceito fora de propósito da GM do que a administração precisa fazer. Colocado da forma mais simples possível, onde está o novo Sloan, o líder capaz de repensar a administração da GM e seu propósito e torná-la relevante para os americanos novamente?
E supondo que o novo Sloan (ou Sloans) podem ser encontrados. Que liberdade essa pessoa ou equipe possui para gerir a empresa de uma maneira que recupere sua glória do passado? Essa é verdadeiramente uma questão central, visto que o governo norte-americano, como o novo proprietário, certamente enfrenta um enorme conflito:
A empresa deverá ser imediata e completamente "redimensionada" para a sua nova posição no mundo? (Essa seria a melhor maneira de impulsionar os preços das ações, de tal maneira que o governo possa vendê-las para recuperar seu enorme investimento. E também seria a melhor maneira de ajudar a Ford e a Chrysler, eliminando a capacidade excedente.) Ou a GM deveria estimular a geração de empregos em uma recessão profunda e acalmar o sindicato minimizando os cortes? É uma coisa ou outra.
A GM deveria se concentrar nos próximos anos nas grandes pick-ups e SUVs que representam a totalidade dos seus lucros? (Essa seria outra excelente maneira de impulsionar os preços das ações para que o governo possa recuperar seu investimento.) Ou a GM deveria fazer uma mudança drástica, centrando-se em produtos eficientes do ponto de vista do consumo de combustível, que não vão vender e certamente não terão margens elevadas a menos que os preços da energia também sejam ajustados drasticamente para cima atingindo os níveis mundiais? (por ex., US$5 versus US$2 por galão.) É uma coisa ou outra.
Certamente, a parte difícil vem agora, após a concordata, e todos nós vamos assistir o que vai acontecer. Mas deixe-me fazer uma exceção para aqueles leitores – e há muitos deles – que trabalham na GM e que podem assumir um papel ativo em fazer isso acontecer. Eu sinceramente desejo-lhes tudo de bom.
Quais são os próximos passos para o Lean?
Há 30 anos, a Comunidade Lean vem se beneficiando com um forte vento a favor. A GM declinou continuamente conforme a Toyota avançava constantemente. Tudo que precisávamos fazer era aguardar e torcer! Mas essa história acabou.
A GM e praticamente todos os grandes fabricantes agora aceitaram o lean como uma teoria gerencial, embora a prática real seja sempre uma luta. Conforme observei acima, a GM estava se tornando uma empresa muito mais enxuta precisamente quando entrou em colapso e estou confiante de que ela continuará adotando os princípios e métodos lean nos anos imediatamente à frente.
Ao mesmo tempo, a Toyota demonstrou apresentar falhas próprias na crise financeira atual. Ela tomou a dianteira na expansão da capacidade em todo o mundo que superou sua capacidade de criar gerentes lean e desafiou as expectativas razoáveis para a demanda do mercado no longo prazo. (Conforme acabei de mencionar nas e-letters anteriores, em meados da década de 1990, a Toyota redefiniu seu propósito de ser a melhor organização na resolução dos problemas dos clientes para ser a maior, um objetivo que não tem nenhum interesse para nenhum cliente.) Isso representou um revés real para o movimento lean.
Portanto, nós na Comunidade Lean nos encontramos na posição estranha de vencer uma batalha de idéias sem na verdade fazer com que a maioria dos partidários pratiquem verdadeiramente suas novas convicções. E temos como nossa organização ideal uma empresa que está enfrentando desafios gerenciais e de receita significativos, apesar de ter "vencido" a grande competição entre gerenciamento moderno e gerenciamento lean.
Mesmo com esse drama ocorrendo no setor de manufatura, os conceitos lean estão se espalhando rapidamente para novos campos, do setor financeiro em apuros à assistência médica e serviços governamentais. Ainda não definimos completamente o que o lean significa nessas áreas, muito menos como implementá-lo e sustentá-lo. Portanto, os eventos dramáticos das últimas semanas não são um momento de auto-felicitação. Pelo contrário, são um momento de modéstia e auto-reflexão – hansei, por assim dizer – conforme todos nós enfrentamos a crise econômica enquanto tentamos redefinir nosso próprio propósito como uma Comunidade Lean para a nova era à frente.