Em qualquer organização, a essência da boa gestão deveria ser a prática cotidiana de criar e fortalecer, em líderes e liderados, uma percepção diferente sobre como os problemas precisam ser evidenciados e solucionados. Assim, criam-se as bases para aquilo que poderíamos caracterizar, de fato, como melhoria contínua.
Não é algo simples de se fazer. Está ligado à capacidade das pessoas de se questionarem sobre o trabalho que fazem – e como fazem –, além de compreenderem o impacto de suas ações e como elas afetam os clientes. Nesse sentido, o trabalho da gestão deveria estar focado em despertar esse “potencial humano”.
Trata-se de algo essencial em todo o tipo de atividade. No entanto, em uma delas isso talvez seja ainda mais importante: no setor de saúde. Por duas razões muito diretas: os processos são complexos e altamente dependentes das pessoas. Em última instância, apesar dos enormes avanços em tecnologia, o cuidado em saúde continua sendo feito por mãos humanas.
Hospitais estão entre as organizações mais complexas que se tem. Existe uma alta dependência entre as diferentes etapas do cuidado e áreas funcionais envolvidas. Dificilmente os processos estão alinhados e sincronizados. Tradicionalmente, barreiras ao fluxo não permitem que o cuidado ocorra da maneira mais integrada, ágil e correta, sem retrabalhos, esperas e inseguranças para o paciente.
Por isso, estruturar a gestão em um hospital é sempre um grande desafio. Nesse universo, antes de serem clientes, as pessoas são pacientes. Isso muda tudo. Coisas que, em outros contextos, até poderiam ser consideradas como “normais”, não podem ser na gestão em saúde. “Esperas” podem custar vidas. “Erros” podem não deixar espaço para “retrabalhos”.
Quando se fala na necessidade de despertar o “potencial humano” para a melhoria contínua, talvez não haja necessidade maior do que fazer isso por meio dos principais agentes da gestão nesse setor: profissionais de saúde, como médicos e enfermeiros, que acabam ocupando posições de liderança e se desdobram para aprender como administrar, tomar decisões e desenvolver outras pessoas. Infelizmente, as escolas que formam os profissionais de saúde não os preparam para gerenciar e liderar.
Nesse contexto, a maneira lean de fazer gestão pode servir como uma luva cirúrgica. Conceitos e práticas fundamentais parecem fazer ainda mais sentido na área saúde. Eliminar problemas pelas causas raízes, para que eles não voltem mais a acontecer. Fazer o certo sempre da primeira vez, sempre. Diminuir (ou mesmo eliminar) os erros e chances de erro em cada e em todo tipo de trabalho. Aumentar a capacidade de garantir segurança e eficácia em tudo o que se faz. Eliminar desperdícios em todos os processos, executando apenas e tão somente atividades que criam valor. Desenvolver as pessoas continuamente para que elas próprias façam tudo isso, todos os dias...
Quem atua na área sabe que esse resumo acima, bases do pensamento lean, é o que deveria acontecer todos os dias em pequenos e grandes hospitais. Embora tenha nascido na indústria, talvez não haja outra mentalidade e método mais adequado do que esse para contribuirmos para a evolução do setor.
Não é fácil, mas é possível. Há diversos exemplos, casos, experiências, fatos e dados que provam que as organizações da saúde são terrenos extremamente férteis para essas ideias. As oportunidades são abundantes, e as necessidades, prementes.
No entanto, é preciso fazer acontecer. Ficar esperando “sentado” em cima de velhas mentalidades e práticas tradicionais jamais resolverá os problemas crônicos. É necessário buscar esse conhecimento, aprender, implementar e praticar. É um processo que exige postura ativa.
Precisamos ir para cima, mas não como esforço pontual e localizado, dedicado a resolver um problema específico aqui ou acolá. Deve ser uma estratégia permanente, envolvendo todos os níveis e áreas das organizações. Para que seja sustentável, sem depender de “modismos” ou dos “heróis de plantão”.
Claro, errar faz parte da vida. Ninguém é perfeito sempre. O ser humano continua sendo falível. No entanto, no setor da saúde, cabe, sim, à gestão, a obrigação de, continuamente, estruturar os processos robustos e otimizados. A busca pelo melhor desempenho em qualidade, segurança e custos deveria ser a alma, o mote, a essência desse setor.
Isso só se concretizará, de fato, se pessoas que atuam nessa área puderem, de maneira concreta e efetiva, ter a oportunidade e as condições para buscarem a “perfeição”. Significa despertar nelas o potencial, por vezes adormecido, de entender como ser melhor todos os dias.