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Concessionárias Lean: A Competição no Futuro Será Vencida com Vendas e Serviços

Este artigo mostra porque a competição será vencida com vendas e serviços.

Tradução: Odier Araujo

A indústria automotiva conseguiu fazer um trabalho notável para o consumidor nos últimos anos. Os preços dos veículos vêm caindo e a capacidade e variedade de produtos ofertados são impressionantes.

Igualmente impressionante, a qualidade dos produtos – medida tanto através do número de defeitos em produtos recém comprados como em produtos com vários anos de uso – está melhorando bastante. De fato, como o número médio de defeitos dos veículos novos tem caido, a qualidade não mais será o diferenciador de competitividade que costumava ser.

Então qual será a nova dimensão da competitividade na indústria automotiva? Acreditamos que seja a redução do tempo e do problema que os clientes enfrentam comprando, fazendo a manutenção, consertando, melhorando e reciclando seus veículos.

Em outras palavras, não é exatamente sobre o veículo em si, mas como o consumidor adiciona o veículo na sua vida diária sem dificuldades, custos imprevistos excessivos e desperdício de tempo. E aqui, ambas montadoras e indústrias de autopeças têm muito que aprender.

Quando nos preparávamos muitos anos atrás para escrever o livro Soluções Enxutas (Ed Campus, 2006), pensávamos que seria fácil encontrar pelo menos uma revenda automotiva na América do Norte e Europa que tivesse incorporado os pensamentos do Lean Thinking nas vendas e serviços dos automóveis.

Mas logo percebemos que até mesmo as revendas da Toyota tinham pouco interesse nos conceitos lean. Então vimos que seria preciso ajudar a inventar uma revenda de carros lean.

Felizmente, um candidato logo apareceu. Pedro Simao, a segunda geração dona do grupo português GFS, participou da conferência organizada pela International Car Distribution Programme (ICDP), a qual Dan Jones ajudou na fundação.

Isto caracterizou a apresentação feita pelos pesquisadores da ICDP, John Kiff e Dave Brunt, em como transpor o Lean Thinking do mundo da manufatura para a realidade dos serviços e reparos automotivos. Eles usaram um exemplo de oficina mecânica realizando reparos de um acidente automotivo para mostrar que as técnicas lean padrões tais como análise de fluxo de valor, fluxo e puxada podem ser introduzidas neste ambiente totalmente diferente.

Simão estava intrigado, talvez porque ele tinha uma experiência passada incomum para um empresário da área de vendas. Ele foi instruído como engenheiro mecânico com grande ênfase em manufatura e provavelmente teria entrado em uma empresa de manufatura para seguir carreira se não fosse pela relativa falta de fabricantes importantes em Portugal.

Ao invés disto, ele assumiu o controle dos negócios da família. Ele se questionava por que práticas de negócios eram tão caóticas e ineficientes.

No final do seminário do ICDP, Simão preparou um encontro com Kiff e Brunt para aprender mais sobre o que eles estavam propondo. Eles o guiaram ao conceito pleno da concessionária lean, o qual Kiff havia introduzido no seu paper para o ICDP intitulado “Da caça ao cultivo”.

Ele explicou que os concessionários precisam ir além do estado atual de “caçar” os clientes para as transações “on-time” baseadas no preço. Ao invés disto, para fazer crescer seus negócios e suas margens de lucro, eles precisam desenvolver relacionamentos contínuos (cultivo) baseados na resolução contínua dos problemas dos clientes ao longo do ciclo de vida de vários veículos.

Kiff concordou que o ideal era começar pela área de serviços automotivos, pois a maioria das concessionárias perdia seus clientes assim que a garantia dos veículos terminava.

Alguns meses depois, Simão chamou Brunt para lhe pedir conselhos específicos para fazer uma mudança lean nos seus negócios. Ele pediu para Brunt inspecionar a oficina de reparos de acidentes em uma de suas dezessete concessionárias.

Ao chegar em Oporto, Portugal, Brunt seguiu os métodos lean tradicionais e sugeriu que eles simplesmente caminhassem desde começo até o fim do processo de reparo. Conforme eles andavam, Brunt começou a pegar rolos de fitas no chão ou deixadas nos carros conforme iam sendo preparados para a pintura. No total, foram dez rolos.

Este simples gesto mostrou que o processo estava fora de controle. Não havia local para guardar as coisas. Ferramentas, peças e materiais eram colocados em qualquer lugar.

“Era uma típica oficina mecânica”, relembra Brunt. “Havia carros ‘mortos’ em todo lugar, apenas esperando pelas peças e pelos técnicos”.

“Toda atividade era realizada em locais isolados, sem nenhum fluxo e noção de trabalho atrasado ou adiantado em relação ao agendado”, ele comenta. “Enquanto isso, os gerentes saíam correndo pela oficina re-organizando as tarefas em resposta aos clientes, planejamento ou saída de peça”.

Brunt ensinou a equipe da concessionária GFS como desenhar o mapa do atual do processo de fornecimento, assim como o mapa do estado futuro mostrando como o processo poderia ser feito se os princípios lean pudessem ser aplicados. Para conseguir o estado futuro, ele fez algumas sugestões:

• Olhe para o processo do começo ao fim, mais do que tentar otimizar passos individuais.

• Tente fazer fluir todos os veículos suavemente pelo processo.

• Não comece a consertar os carros antes de você ter feito o diagnóstico completo e ter em mãos todas as ferramentas e peças necessárias.

• Separe os tipos de serviços – do simples ao complexo – e faça-os seguir por caminhos diferentes.

• Elabore um painel de controle do processo para que todos funcionários possam ter uma referência do status de cada trabalho.

• Deixe que cada área de trabalho vá até a área anterior para puxar o próximo serviço.

Ele colocou uma ênfase especial em avaliar cuidadosamente “a satisfação do cliente”. Isso significa pesquisar precisamente se os veículos estão sendo entregues aos clientes no tempo certo, com todos os serviços realizados corretamente de uma vez apenas.

Então, sempre que havia uma “falha para cumprir o planejado”, era crítico descobrir a causa raíz e removê-la permanentemente. Então, o fluxo de fornecimento poderia ser encurtado e suavizado em seguida.

Quando foi embora, Brunt não esperava retornar. “Quase todos os concessionários que conhecia naquele momento (no ano 2000) eram caçadores”, ele disse. “Eu gostaria de saber se Pedro poderia realmente aprender a ser um cultivador”.

Para a surpresa de Brunt e Kiff, após aproximadamente um ano, Simão e a sua equipe de melhoria começaram a relatar progressos substanciais. Brunt recebeu um e-mail com uma grande quantidade de fotos documentando as mudanças extraordinárias em todas as dezessete concessionárias – e não apenas nas oficinas. Isto foi o suficiente para convencer Brunt a retornar.

Ele estava espantado com as novas práticas. “O que eu encontrei foi um processo espetacular para criar um lugar para todas as ferramentas e kits de peças”, ele comenta. “Havia um painel de controle do progresso visivel mostrando o status exato de todos os serviços. Agora as peças eram enviadas em kits – contendo todos os itens necessários para cada serviço – provenientes de um armazém central da GFS, servindo às oficinas de todas as concessionárias. Além disso, cada área de trabalho estava indo para a área anterior para pegar o próximo serviço”.

“Enquanto isso, nenhum novo serviço poderia ser iniciado sem que a área fluxo abaixo sinalizasse que era o momento”, acrescenta Brunt. “Como resultado, temos que os serviços estão sendo finalizados de forma mais rápida, com os clientes tendo um tempo de espera menor pelos seus veículos”.

Simão também começou a levar os conceitos de fornecimento lean para as oficinas de serviço de todas as suas concessionárias, pois eram separadas das operações de reparo de acidentes. Logo Simao teve práticas de fornecimento lean aplicadas em todas áreas de serviço, nos seus negócios de quatrocentos milhões de dólares e novecentos funcionários.

Hoje, a GFS realiza diagnósticos de todos os veículos por telefone antes destes chegarem à concessionária. Assim, as peças podem ser pedidas antes (por exemplo, revisão dos 30.000 quilômetros precisa de um kit de peças padrão). Entretanto, como nem todos os reparos necessários podem ser determinados por telefone, Simao criou uma doca de diagnóstico na frente de cada oficina de reparo.

Logo na chegada, o cliente dirige seu veículo diretamente para o elevador na doca. Então o técnico e o cliente fazem o acordo de todo o serviço que precisa ser feito, do custo exato e do tempo necessário precisamente. Isto elimina a necessidade de ligações de retorno ao cliente durante o dia e qualquer outra surpresa inconveniente de custos e tempo necessários para o reparo.

A vantagem de diagnosticar os problemas do veículo no momento em que ele chega é que na maioria dos casos, o reparo pode ser realizado dentro do tempo que o cliente está disposto a esperar – normalmente em uma hora ou menos. Isto economiza tempo do cliente do tempo total do processo de reparo porque elimina a viagem de volta à concessionária para buscar o veículo.

Além disso, economiza dinheiro da concessionária, pois movimentações múltiplas do veículo e seu armazenamento são eliminadas, assim como a necessidade de emprestar carros aos clientes. Para economizar mais dinheiro ainda, Simão está introduzindo o método do ‘pit stop’, no qual vários técnicos trabalham no veículo ao mesmo, tão logo o diagnóstico é realizado, para que o cliente pegue seu carro o mais rápido possível.

Uma vez que a natureza do reparo é determinada, os técnicos encaminham o pedido de todas as peças necessárias. Estas chegam antes do início agendado do reparo, em um kit vindo do departamento central de peças, enviado em “milk runs” periódicos para várias concessionárias.

A aplicação dos princípios lean também permitiu que Simão criasse um novo negócio lucrativo: preparação de veículos usados para novos clientes. Através do alinhamento de todos os passos no processo de preparação em uma seqüência bem definida, da padronização do trabalho, do pedido de peças em kits e mantendo um ritmo constante de trabalho, o custo da preparação do veículo foi reduzido pela metade e o tempo necessário foi reduzido em setenta por cento. Como resultado, Simão agora está executando esta tarefa para muitas empresa de aluguel de automóveis que não fazem parte do GFS.

Simão mal iniciou sua jornada lean. Mas a companhia já cortou pela metade o tempo gasto pelo cliente para ter seu carro consertado, enquanto houve redução do custo do serviço da GFS em trinta por cento.

O declínio drástico dos carros que voltam, já que são corretamente consertados logo na primeira vez, tem tido uma grande contribuiçao para a economia dos custos, junto com a redução de setenta e cinco por cento do número de carros emprestados aos clientes. Igualmente importante, a fração de tempo do serviço do técnico utilizado na criação de valor praticamente dobrou, visto que as peças, ferramentas e instruções de trabalho estão praticamente em mãos.

Outro resultado de economia, proveniente do departamento central de peças que recuperou todas as peças previamente espalhadas pelas concessionárias, reduziu o estoque total da GFS e aumentou a disponibilidade das peças fazendo pedidos freqüentes em pequenas quantidades aos fornecedores.

Ao mesmo tempo, a probabilidade de ser capaz de consertar os veículos corretamente logo na primeira visita e entregá-los exatamente no tempo agendado aumentou aproximadamente de sessenta por cento – média do serviço prestado na América do Norte e Europa – para mais de oitenta por cento.

Simào reconhece que ainda há um longo caminho a percorrer – por exemplo, aplicar as mesmas técnicas lean nas suas atividades de vendas e finanças. Mas em conseqüência do progresso declarado, a GFS subiu para o topo do ranking de serviços ao cliente das montadoras para muitas das marcas. E aumentou acentuadamente a participação nos negócios de prestação de serviços durante o ciclo de vida dos veículos vendidos.

Economizando o tempo de todos e reduzindo o desgaste enquanto reduz os custos da GFS, Simão está alcançando o sucesso lean para os clientes, funcionários e o próprio dono.

A GFS vem sendo a solitária empresa pioneira ao longo do caminho para o consumo lean. Entretanto, recentemente a Toyota voltou a sua atenção para esta nova base de competição.
Acreditamos que outras companhias logo serão forçadas a prestar atenção também.

Formidáveis veículos automotores são maravilhosos. Mas os consumidores logo compreenderão que uma experiência feliz na compra e uso de veículos formidáveis pode ser ainda melhor, assim como a indústria automotiva enfrenta seu próximo desafio de competitividade.

*Baseado no livro "Soluções Enxutas", Editora Campos, 2006.

Publicado em 07/02/2007

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