ESTRATÉGIA E GESTÃO

A Bolha do Mega Mura

Impacto da recessão sobre as empresas

Comecei escrevendo minha e-letter mensal de Outubro de 2001 para falar das preocupações da comunidade Lean quando a economia mundial rumava a uma recessão. Então, este mês marca o fim de um ciclo completado – 7 anos de dificuldades, fartura, dificuldades – enquanto o mundo entra em uma nova recessão.

Quando Dan Jones e eu escrevemos a Mentalidade Enxuta, em 1996, acreditávamos que a propagação da produção Lean iria amortecer os ciclos de negócios. Economistas sempre pensaram que ao menos metade da gravidade das recessões deve-se a empresas que trabalham acumulando muitos estoques e desta forma postergam a compra de mais materiais de seus fornecedores. Como as empresas Lean possuem estoques muito menores de matérias primas, em processo e de produtos acabados em relação a suas vendas, pensávamos que a adoção do gerenciamento lean de estoques teria um efeito de amortecimento da recessão em toda a economia. E talvez estivéssemos certos. A recessão de 2001 foi modesta comparada com a de 1991. Se nós realmente estivermos certos, talvez a atual recessão seja mais suave do que estamos temendo.

Em todo caso, estamos encarando uma grande recessão. Eu penso nesses eventos como um tipo de mura (variação), na verdade como uma “mega mura”, afetando toda a economia.  Em contraste, o tipo de mura que atraiu a maior parte da atenção dos pensadores lean é a variação interna às empresas que não vem devido a mudanças de longo prazo na demanda de clientes externos. Vamos chamar isso de “mini mura”.

Mura interno à empresa inclui a variação diária na demanda dos clientes, contanto que esta não faça parte de uma tendência de longo prazo. Também inclui os ciclos de ordens e performances operacionais atingindo e caminhando fluxo acima – através da produção e fornecedores – que são causadas pelas dinâmicas internas do processo. Essas variações são o padrão no sistema moderno de produção, nos levando a “apagar incêndios” e muri (sobrecarga de empregados e tecnologias). A Toyota aprendeu anos atrás a lidar com esse tipo de mura criando estabilidade básica nos processos e introduzindo heijunka. Este último envolve o nivelamento consciente da demanda, de curto prazo, dos clientes em um processo puxador, com o envio de sinais de puxada suavizados enviados deste ponto, fluxo de valor acima.

Em contraste, a mega mura se aplica a mudanças grandes e demoradas na demanda total dos clientes externos em toda a economia. Infelizmente, um “boom” na demanda causado, na situação atual, pelo aumento dos preços imobiliários alimentado por uma baixa taxa de juros e padrões de empréstimos frouxos —sempre leva a uma ruptura. A parte mais triste desse episódio - que é tão velho quanto as economias de mercado - é que eles são quase nunca causados por mudanças fundamentais nos desejos dos consumidores. Milhões de Americanos e Europeus não quiseram repentinamente ter uma casa ou comprar uma casa maior, a partir de 2001. Eles presumivelmente sempre tiveram esse desejo, mas faltava dinheiro para agir. Ao invés, o boom foi causado pela manipulação do sistema financeiro - através de crédito barato, padrões de empréstimo frouxos e mecanismos escusos de gestão do risco de empréstimo - para impulsionar o mercado imobiliário para o benefício de curto prazo destes que o inflaram.

O que nós realmente precisamos como um antídoto é um heijunka macro econômico (“mega heijunka”?) em que governos cultivam a estabilidade com crescimento moderado, sem “booms” e sem rupturas. E políticas de estabilização econômicas dirigidas a este fim — fiscal e monetária – vêem sido perseguidas por todos os governos modernos.

Infelizmente, nós aprendemos que crescimentos estáveis são difíceis de alcançar como uma realidade política. É muito forte a tendência de se fazer truques financeiros. E os reguladores, como generais se preparando para a guerra anterior, estão sempre criando mecanismos para “evitar” a última crise, mas não a próxima.  Na minha visão, as pessoas que pensaram nestes mecanismos de refinanciamento de dividas que serviram de combustível para este boom recente, estão agora velejando com seus iates em algum oceano tropical pensando no próximo boom lucrativo. E eu não apostaria contra eles.

Felizmente, as recessões que se seguem às bolhas podem ser ótimos estímulos para transformações lean, pois a necessidade é a mãe das inovações. A Toyota somente adotou completamente a filosofia lean depois que a ruptura da economia japonesa trouxe a empresa à beira da bancarrota em 1950. E em 1990-91 a Lantech (capítulo 6 na Mentalidade Enxuta) e Wiremold (capítulo 7) aderiram ao pensamento lean enquanto a economia afundava. “Uma crise criativa” foi entregue aos gerentes prontos para agarrar a oportunidade e tirar o máximo proveito dela. Assim, talvez algo de bom venha desta recessão atual, conforme novas empresas enxutas surjam.

Entretanto, enquanto o movimento lean amadurece e mais empresas adotam a pensamento lean, um problema diferente apresenta-se. Uma empresa enxuta, em seu coração, é um grupo de pessoas (incluindo clientes fluxo abaixo e fornecedores fluxo acima) que aprenderam junto como tomar as iniciativas para remover muda, mura (mini) e muri ao resolver problemas comuns, conforme estes surgem. É este conjunto de habilidades mais do que as técnicas lean específicas que cria a eficácia notável destas organizações.

O problema com uma recessão é que elas desafiam as organizações enxutas enquanto elas tentam proteger seus empregados solucionadores de problemas. Desafia-as também enquanto tentam defender os seus relacionamentos solucionadores de problemas, que foram construídos ao longo do tempo com clientes fluxo abaixo e fornecedores fluxo acima. A tentação em toda a crise, naturalmente, é ir atrás de otimizações pontuais, onde é cada pessoa e cada empresa por si.

Assim, como uma empresa lean pensa em como proteger-se e às suas pessoas do mega mura que é provável sempre estar conosco? Aqui temos uma lista curta de idéias:

  • Repensar as políticas do recrutamento para criar um pulmão de temporários ingressantes que podem ser um amortecedor nas crises mais severas (definidas como aquelas quando a sobrevivência da empresa exige dispensas). Converter gradualmente os temporários em empregados permanentes – aqueles que vão ser protegidos em praticamente todo tipo de crise concebível – enquanto provam seu compromisso com os métodos de solução de problemas da organização e enquanto provam sua fidelidade à organização. A alternativa é demitir pessoas de alguma maneira aleatória, começando freqüentemente com os empregados mais bem pagos, com mais tempo de casa. Isto passa a mensagem que a lealdade não conta e dispersa habilidades valiosas da equipe.
  • Criar bônus aplicável à empresa para todos os empregados, baseado na lucratividade, para ajustar os salários durante os ciclos econômicos e para defender empregados-chave das dispensas. A maioria das empresas ainda tem compensação estilo tudo ou nada para todos, exceto os executivos, em um plano de bônus. Isto não dá nenhuma flexibilidade nas crises, resultando em compensação constante para aqueles que permanecem e zero para aqueles que se vão. Com compensação variável é mais provável que todos possam permanecer.
  • Conforme a transformação lean prossegue, converter estoques físicos em caixa, mas mantenha um estoque de dinheiro para proteger a empresa durante a baixa do ciclo. Do ponto de vista do pensamento financeiro moderno, isto parece sub-otimo. Não deveria ser aplicado agressivamente todo o dinheiro liberado nos mercados financeiros? Mas na crise atual as empresas com reservas de dinheiro estáveis podem manter programas novos conforme o previsto e se fortalecerão após a crise, enquanto os concorrentes que atrasaram ou cancelaram os projetos novos perdem terreno.

Percebo que estes passos funcionam melhor se tomados bem antes da bolha estourar. Assim, o quê as empresas lean, que se transformaram recentemente, mas não realizaram estes passos, devem fazer para atravessar por esta crise atual?

  • Tomar de volta serviços passados aos fornecedores que não fazem parte do núcleo de fornecedores que seguirá em frente. Isto pode defender empregos na empresa e aumentar o nível de compreensão do que está acontecendo na base de fornecimento. E não é necessário romper relações com os fornecedores restantes se estiver claro que a empresa estará trabalhando continuamente com uma base de poucos mas talentosos fornecedores no futuro.
  • Olhar para cada produto e perguntar como este pode ser oferecido mais eficazmente.  Por exemplo, no Lean Enterprise Institute, estamos fazendo perguntas sobre aprendizagem on-line e outros métodos para realizar treinamentos mais eficientes em termos de custo.
  • Olhar para cada produto e seu fluxo de valor para ver como pode ser oferecido mais eficientemente deixando de fora desperdícios e despesas desnecessárias. A esperança, naturalmente, é que a percepção de que a redução de desperdícios poderá suportar reduções de preços aos clientes que terá por conseqüência uma captura de vendas adicional e assim não será necessário reduzir o número de empregados.

A última coisa a considerar é algo que os gerentes parecem adotar mais prontamente: corte de custos. Isto significa eliminar etapas e características que realmente criam valor da perspectiva do cliente e remover empregados que são realmente necessários para realizar o trabalho corretamente utilizando o processo atual. A esperança, geralmente errada, é que o cliente não perceberá.

Esta última maneira é a que eu mais temo, porque é provável ser justificada em nome do “lean”. Cada recessão parece produzir uma grande campanha de corte de custos vendida por consultores tradicionais. Sua promessa chave é um rápido retorno financeiro, mesmo dentro de um trimestre, e a única maneira prática de conseguir isto são as dispensas. Eu espero verdadeiramente que a recessão de 2009 não seja conhecida na história como a recessão “lean” e todos na comunidade lean devem jurar evitar o impulso do corte de custo em sua própria organização.

Para evitar a necessidade do corte de custo, espero que cada empresa, na busca de ser lean, atribua a alguém a responsabilidade para desenvolver um “A3 da recessão” que cuidadosamente irá avaliar o cenário e a situação. A etapa crítica no processo do A3 será desenvolver então um conjunto de contramedidas que podem proteger a organização e seus colaboradores durante a recessão atual enquanto prepara o terreno para uma empresa lean sustentável no futuro.

Tradução:
Christopher Thompson
Ivan Carratu

Publicado em 24/11/2008

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal