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Acordos sobre nível de Serviço: Uma maneira de conectar etapas em processos Administrativos

Mostra como garantir a conexão adequada entre processos administrativos

Acordos sobre nível de Serviço: Uma maneira de conectar etapas em processos Administrativos

Acordos sobre Nível de Serviço (ANS) são mecanismos que estabelecem padrões de conexão entre etapas críticas de um fluxo de valor. Tem o objetivo de promover a eficaz integração entre elas e assegurar qualidade, prazos e custos de serviços e processos administrativos. Faz parte de um conjunto de técnicas lean utilizadas no redesenho de processos que acontecem fora das fábricas. Este artigo tem como objetivo contextualizar e exemplificar a utilização deste e outros mecanismos destinados a incrementar o desempenho de tais processos.

Grande parte dos esforços lean é dedicada a conectar etapas que compõem um fluxo de valor. Se existe valor sendo criado, então existe um conjunto de etapas, organizadas em determinada seqüência, que são responsáveis por criar e entregar valor ao cliente sob a forma de um bem ou serviço.

Fluxos de valor perpassam fábricas e escritórios. Todo conteúdo de trabalho, mais ou menos “administrativo”, em última instância, faz parte de algo maior, de uma cadeia de esforços interligados que visam um objetivo comum. Nenhum de nós trabalha isoladamente. Atuamos como clientes e fornecedores o tempo todo, dentro e fora de nossos ambientes de trabalho.

O que distingue fluxos de valor é a natureza daquilo que processam. Por exemplo, se adentrarmos a uma fábrica típica, facilmente perceberemos que naquele ambiente se dá a transformação física de determinados materiais, convertidos em produtos acabados para os clientes. O fluxo de materiais é intenso e podemos observá-lo sem maiores dificuldades.

Por outro lado, se adentrarmos a um escritório típico, será um pouco mais difícil enxergarmos quais são os fluxos de valor que perpassam aquele ambiente, ou qual a natureza de trabalho ali desempenhado. Dentro dos escritórios, o fluxo das informações é predominante. Aquilo que flui e é transformado são dados, planilhas, relatórios, solicitações, etc.

Dentro da mais típica das fábricas ou do mais moderno escritório, produzindo bens ou prestando serviços, o desafio lean é realizar somente as etapas necessárias, com os recursos apropriados, no momento adequado. Para tanto é preciso estabelecer, entre as diversas etapas que compõem os fluxos de valor, uma série de conexões, mecanismos que proporcionem uma eficaz integração entre elas.

Um paralelo com as fábricas

Na manufatura, existem basicamente três maneiras de se conectar etapas de um fluxo de valor: criando fluxo contínuo entre elas, vinculando-as através de um supermercado, ou interligando-as através de uma lógica seqüencial simplificada (FIFO – ou PEPS, Primeiro que Entra, Primeiro que Sai). Procuramos criar fluxo contínuo sempre que possível, mas quando tal prática se mostra inviável, procuramos limitar o excesso de produção (fazer antes, mais rápido ou em maior quantidade do que a etapa seguinte necessita) através da utilização de supermercados ou FIFOS, que ficam posicionados entre as etapas do processo.

Tais mecanismos proporcionam a integração entre o processo cliente (B) e o processo fornecedor (A): é a demanda real, desencadeada pelo processo cliente, que “puxa” o processo fornecedor, ou seja, informa a ele precisamente o que, quanto e quando ressuprir. Desta maneira, evita-se a utilização desnecessária da capacidade de trabalho do processo fornecedor. Quando os níveis máximos de estoques são atingidos - os supermercados e/ou FIFOS ficam cheios – o processo fornecedor cessa o ressuprimento.

Conectando etapas nos escritórios

Quando utilizamos a abordagem lean para repensar processos que acontecem fora das fábricas, o desafio de conectar etapas continua sendo questão central. Entretanto, dadas as características inerentes à natureza do trabalho que acontece dentro dos escritórios, o desafio de conectar etapas de um fluxo de valor assume outra dimensão. De maneira análoga à manufatura, pode-se afirmar que existem três maneiras de se vincular etapas em um fluxo de valor administrativo: criando fluxo contínuo entre elas, estabelecendo uma lógica seqüencial (FIFO) para o trabalho que flui ou estabelecendo Acordos sobre Níveis de Serviço (ANS) entre etapas críticas. De maneira análoga aos métodos destinados ao controle da produção na manufatura, tais mecanismos proporcionam a conexão entre processos cliente e fornecedor.

Fluxo Contínuo

Criar fluxo contínuo entre etapas de um processo administrativo significa ser capaz de realizá-las sem interrupção, de maneira que informações e materiais sejam processados sem esperas e sem paradas. Para que isso seja possível, é necessária grande sincronia entre processos cliente e fornecedor, já que estarão conectados integralmente, sem mecanismos destinados a “absorver” diferenças nos tempos de processamento, atrasos e avanços inesperados, problemas com a qualidade inerente ao trabalho, etc.

Para alcançar o verdadeiro fluxo contínuo entre etapas de um processo administrativo, é necessário, na maior parte das vezes, dedicar recursos específicos àquele processo (ou “família”), mesmo que durante períodos restritos e pré-definidos. Outra solução bastante comum é capacitar pessoas (e/ou áreas funcionais) para que sejam capazes de absorver etapas que até então não desempenhavam. Desta maneira, redistribuindo o trabalho, é possível reunir etapas, realizando-as do início ao fim de uma única vez, sem esperas, em fluxo contínuo.

FIFO (ou PEPS – Primeiro que Entra, Primeiro que Sai)

Tornam-se necessários quando inexiste a possibilidade de se fazer em fluxo contínuo. FIFOs em processos administrativos são “estoques” controlados de informações que devem ser processadas seqüencialmente pela próxima etapa do fluxo de valor. O primeiro “pacote” de informação disponibilizado para o processo cliente deve ser o primeiro a ser processado. Pelo fato de possuírem limites máximos de “armazenagem”, os FIFOs evitam que processos fornecedores “empurrem” o trabalho para etapas seguintes. Assim, estabelece-se uma lógica formal capaz de vincular as etapas, conectando-as, de modo que somente o necessário, no momento correto, seja executado, poupando capacidade de trabalho das pessoas e demais recursos envolvidos. A conexão de etapas via FIFO é apropriada para contextos em que a especificação do trabalho a ser desempenhado pela etapa seguinte, a etapa cliente, é relativamente simples e rotineira.

Acordo de Nível de Serviço (ANS)

Para qualquer conexão entre etapas que exija algo mais do que simplesmente “seguir a fila”, é necessário estipular critérios muito claros, capazes de formalizar padrões através de Acordos sobre Níveis de Serviço (ANS). Tais mecanismos permitem que a conexão entre as etapas seja mais eficaz, evitando retrabalhos e muitos outros desperdícios. Quando pensamos em um ANS, temos sempre como ponto de partida uma entrega: algo que materializa o resultado do trabalho desempenhado por um conjunto de etapas. Trata-se do resultado concreto oriundo de uma seqüência de atividades, cuja finalização representa um marco importante para o processo.

Por exemplo, se estivermos diante de um processo de compra de um novo equipamento, uma entrega importante seria o estudo de viabilidade econômica do investimento validado pelas áreas responsáveis. Sem esta entrega, dificilmente o processo caminhará sem interrupções até sua conclusão. Tal “estudo de viabilidade econômica” poderia, neste exemplo didático, ser considerado como uma das entregas fundamentais do processo, algo que poderia ser contemplado e formalizado através de um ANS.

De maneira geral, um ANS deve contemplar ao menos seis dimensões: (1) natureza da entrega; (2) responsabilidade pela entrega; (3) tempo da entrega; (4) condições da entrega; (5) conseqüências pelo não cumprimento e (6) prazo de vigência. É claro que para cada realidade específica, adaptações haverão de ser feitas. Entretanto, estas seis dimensões podem ser entendidas como o mínimo necessário para que a conexão possa ser desenvolvida, implantada e mantida.

Para ilustrar de maneira simplificada os principais fundamentos de um ANS, utilizarei o exemplo didático referente ao “estudo de viabilidade econômica” citado acima. Uma maneira de especificar o ANS seria:

  1. Natureza da entrega: estudo sobre viabilidade econômica do investimento;
  2. Responsável pela entrega: gerente financeiro;
  3. Tempo da entrega: 15 dias úteis antes da reunião mensal do comitê diretivo;
  4. Condições da entrega: formulário ICF 001 assinado pela gerente de controladoria, pela gerência comercial e pelo departamento técnico.
  5. Conseqüências pelo não cumprimento: decisão postergada até reunião do mês seguinte;
  6. Vigência do acordo: a partir de 20/10/08.

Desta maneira, ficaria explícita a maneira como deve acontecer a conexão neste ponto específico do fluxo de valor, que neste caso referente a um processo destinado à aquisição de um novo equipamento. Sob tais circunstâncias, fica evidente que, caso haja um atraso por parte do responsável pela entrega (o gerente financeiro), ou seja, caso ele não consiga entregar o formulário ICF 001 assinado pelas áreas responsáveis 15 dias úteis antes da reunião do comitê diretivo, a decisão sobre o investimento ficará suspensa até a reunião do mês seguinte. E isso poderá ser um grande problema para a área que solicitou o investimento!

É claro que um mero exemplo ilustrativo é nada mais do que isso, mas o fundamental é observar que, pela ausência de tais mecanismos, muitas vezes assistimos a uma enormidade de atrasos e retrabalhos nos mais diferentes contextos. Quando não existe clareza sobre como se deve dar a conexão entre duas etapas críticas, os ruídos tendem a se tornar freqüentes e cada vez mais desgastantes.

Se a as bases sob as quais se dão a relação cliente-fornecedor não estiverem claras, estaremos inevitavelmente desperdiçando o mais precioso recurso dentro e fora dos escritórios: a capacidade de trabalho das pessoas. Acordos sobre Nível de Serviços podem ser poderosos mecanismos para proporcionar foco, direção e ritmo ao trabalho de pessoas e equipes, conectando-as, de modo que o desempenho do todo seja cada vez melhor.

Publicado em 24/11/2008

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal