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Jim Womack fala sobre as empresas Uber e Airbnb e questiona se o consumo colaborativo é lean

YOKOTEN DE WOMACK – O consumo colaborativo veio com uma promessa muito “lean” – a disponibilização de recursos pouco utilizados para aqueles que precisam a um preço acessível –, mas nem tudo que reluz é ouro.

Ganhei meu primeiro carro há quarenta anos – um presente de meus pais. Meu primeiro pensamento foi: “ele é meu; sempre estará lá disponível quando eu precisar”. Nunca considerei emprestá-lo a ninguém, nem mesmo a meu melhor amigo, e ficaria chocado com o pensamento de dar carona a estranhos em troca de dinheiro – se essa ideia tivesse passado por minha cabeça. Minha visão da vida adulta era que, conforme eu fosse ganhando mais dinheiro, eu teria cada vez mais propriedades para meu uso exclusivo. Chega de ônibus lotados! Chega de colegas de quarto!

Quando cheguei a Boston para ir para a escola (dirigindo sozinho em meu carro, que ganhei de presente), ri de uma camiseta que vi na Harvard Square: “A pessoa que possui mais coisas ao morrer ganha”. Mas era nisso mesmo que eu acreditava. E a maioria das pessoas, na maioria dos países, ricos ou pobres, parecia compartilhar meu sentimento: pessoas pobres não tinham muitos bens para compartilhar, mas achavam interessante compartilhá-los quando podiam. Pessoas ricas tinham muitos bens, mas não precisavam e não queriam compartilhá-los.

Aqui está uma evidência simples: os veículos em países pobres, antigamente e ainda hoje, eram/são ocupados por pessoas e cargas – parentes, amigos, companheiros viajantes e frangos, além de estranhos que desejam pagar ou trocar algo (por exemplo, um frango) por uma carona. Em comparação, os veículos em países ricos levam uma média de 1,3 ocupantes (número que cai cada vez mais com o passar do tempo) e quase nunca são usados como moeda de troca. Além disso, esses veículos são raramente usados, com uma média de apenas duas horas de utilização para transporte dentro de um dia de vinte e quatro horas.

Nos últimos anos, as coisas mudaram: a economia mundial – que, agora, inclui a China – regrediu e não mostrou sinais de recuperar seu crescimento. Isso fez com que muitas pessoas tivessem mais propriedades do que poderiam pagar ou fossem incapazes de obter as propriedades das quais precisariam, e há pouca expectativa de mudança. Ao mesmo tempo, o custo para encontrar pessoas querendo compartilhar propriedades despencou por causa da internet. De repente, a “economia colaborativa” passou a envolver muitas pessoas que nunca antes haviam considerado a opção.

Dizendo de outra maneira, para muitas pessoas, algumas com muitas propriedades e outras com poucas, a definição de valor mudou. Uma pequena perda no valor da propriedade (que se dá pelo fato de ela ser compartilhada e, às vezes, não estar disponível) parece ser compensada pelo ganho em receita, enquanto o problema para encontrar alguém que queira compartilhar suas propriedades, em vez de obter suas próprias, também parece valer a pena.

Penso muito em como a definição de valor muda com o passar do tempo, mas isso não afeta minha definição de lean, que não muda: criar mais valor (como definido pelo consumidor) com menos recursos. Então tenho prestado mais atenção, nos últimos anos, no crescimento da “economia colaborativa”, onde os consumidores utilizam a conectividade da internet para compartilhar suas propriedades privadas. Fico fazendo a simples pergunta: “compartilhar é lean?”.

Minha resposta é que tudo depende. Vamos recorrer a um exemplo atual da economia colaborativa: Uber. Como dito originalmente, o conceito era que indivíduos com veículos pouco utilizados os “compartilhassem” com outros que precisem de transporte, de acordo com a correspondência feita pelo website. O pressuposto era que os veículos cadastrados no Uber rodariam mais todos os dias (em comparação ao índice de 8,3% de utilização dos carros em economias avançadas) enquanto criariam mais valor para os donos (receita) e para os passageiros (viagem mais barata). Mais valor pelas mesmas propriedades (recursos) certamente se parece com lean (revelação: baixei o aplicativo e tenho sido um ávido utilizador, evitando a necessidade de comprar um segundo e mal utilizado carro).

Mas, na prática, descobri que os motoristas Uber de hoje (e minha experiência é limitada às cidades dos Estados Unidos) são motoristas por tempo integral em vez de pessoas com outras fontes de renda que apenas usam seus veículos algumas horas por dia para ganhar um dinheiro extra. E muitos parecem ter obtido veículos com esse propósito (muitas vezes, por meio de leasing) em vez de utilizar veículos que já possuem. Além disso, a taxa de utilização desses veículos cai conforme mais motoristas se cadastram no Uber, o que é bom para o aplicativo, que consegue oferecer um menor tempo médio de espera para os passageiros, mas ruim para os motoristas, cuja receita média por hora cai proporcionalmente.

Ao mesmo tempo, os serviços tradicionais de táxi, que, conceitualmente, são a mesma coisa, mas sem a sofisticada tecnologia de correspondência, estão perdendo espaço, conforme podemos perceber pelos preços despencados dos táxis nas cidades grandes. Essa situação não significa que exista algo errado com o Uber ou algo certo com os táxis (uma indústria que congelou há anos quando os táxis incorporaram os lucros como um monopólio e tiraram o incentivo para inovação). Isso significa que, para determinar se o Uber é “mais lean” do que os sistemas de táxis ou do que o uso de carros privados para viajar, de acordo com a definição de criar mais valor com a mesma quantidade ou menos recursos, é necessária muita análise, e não há resposta fácil.

A mesma coisa pode ser dita da empresa análoga ao Uber no setor de hospedagens: a Airbnb. Com a ideia de pegar a casa de alguém (normalmente sua maior propriedade compartilhável, seguida pelos veículos) e compartilhá-la com estranhos, que são localizados pela internet, certamente parece que há mais valor sendo criado com as mesmas propriedades (lembre-se de que o ganho em valor pelo usuário, que consegue um quarto a preços mais baixos é, de certa maneira, anulado pela perda em valor pelo proprietário, que não tem mais flexibilidade para usar o quarto sempre que precisar. Mas a soma é certamente positiva, ou ninguém cadastraria sua casa na Airbnb e ninguém tentaria achar um quarto usando o website). Mas, agora, existem propriedades sendo compradas ou construídas por donos que querem uma forma de baixo custo para entrar no negócio de hotéis. O resultado final poderia ser que o ganho em utilização das propriedades da Airbnb é anulado pela perda de utilização dos hotéis tradicionais.

Existe uma característica adicional da economia colaborativa que é problemática para muitos participantes. A economia em rede – onde o website de correspondência de maior sucesso acaba, eventualmente, com praticamente todo o tráfego (pense no Google) – significa que muito do ganho em valor de uma perspectiva financeira pode acabar nas mãos dos donos de redes dominantes em vez de com aqueles que compartilham as propriedades. Então, mesmo quando há um ganho substancial no valor total criado pelo compartilhamento amplo de propriedades, esse valor pode não ir para os donos das propriedades (portanto os atuais processos na justiça e com reguladores para descobrir quem fica com o dinheiro do Uber e da Airbnb).

O pensamento lean não tem uma resposta para esse último problema, assim como não consegue responder a pergunta de quem deveria ficar com os ganhos quando uma fábrica duplica sua produtividade através da aplicação da gestão e dos métodos lean ou quando um hospital aprende a tratar mais pacientes e trata-os mais efetivamente ao aplicar os princípios lean. O que os pensadores lean podem fazer é levantar a pergunta de quão lean é qualquer inovação e, ironicamente, perguntar quão lean são os fornecedores desses novos serviços, como Uber e Airbnb. É uma certeza que os jogadores dominantes se tornarão vastas burocracias sujeitas ao mesmo desperdício de recursos quanto qualquer outra grande organização. Então temos trabalho a fazer na Comunidade Lean, mesmo que esses conceitos da economia colaborativa não sejam tão lean.

Fonte: Lean Enterprise Institute.

Publicado em 07/12/2015

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal