AGRONEGÓCIO

Lean na agroindústria: a transformação da indústria de café torrado e moído no Grupo 2 Irmãos

A filosofia lean não mais se restringe às empresas de manufatura. Muitos setores e áreas vêm buscando melhorar seus processos por meio da análise de solução de problemas, mapeamento do fluxo de valor, fluxo contínuo, trabalho padronizado, gestão visual e outras tantas ferramentas de gestão lean.

O agronegócio é um dos mais recentes a iniciar essa jornada. Embora os esforços iniciais tenham se concentrado no lado indústria do agronegócio, o potencial de ganhos e oportunidades ainda estão por ser explorados e conquistados.

Por mais que esse setor tenha começado a utilizar esse modelo de gestão há pouco tempo, muitas têm sido as melhorias e resultados positivos alcançados nas empresas pioneiras. No artigo “Agronegócio: solo fértil para o pensamento lean”, de Bruno Battaglia, podemos obter mais informações sobre essas transformações lean nos mais diversos setores da agroindústria, como laticínio, hortifrúti, plantas ornamentais e pecuária. E não apenas organizações de grande porte e com elevada intensidade de capital e tecnologia.

Este artigo apresentará os passos iniciais da transformação lean do “Grupo 2 Irmãos”, indústria de café torrado e moído, localizada em Santo Antonio da Platina, norte do estado do Paraná.

SOBRE O GRUPO 2 IRMÃOS

A empresa foi fundada em 1997 como um modesto negócio de comercialização de café em Carlópolis, estado do Paraná. Na época, a empresa contava com apenas quatro funcionários, responsáveis pelo recebimento e armazenamento de café, e atuava basicamente nos mercados de Londrina e Santos. Hoje, 18 anos depois de sua fundação e orgulhoso de sua trajetória, o “Grupo 2 Irmãos” possui mais de 100 funcionários diretos, um parque industrial de aproximadamente 5.500 metros quadrados, três centros de distribuição, em Curitiba, Itu e Assis, e uma unidade de recebimento de café em Carlópolis, no Paraná.

Tendo como negócio, a produção de café torrado e moído, o “Grupo 2 Irmãos” também opera no segmento de recebimento de café em casca, beneficiamento, blendagem e comercialização no mercado interno (grandes indústrias) e para empresas que exportam café em grão.

O faturamento atual da empresa gira em torno de 80 milhões de reais ao ano. Entre os anos de 2010 e 2013 a empresa teve um salto em volumes de aproximadamente 180 toneladas por mês para 400 toneladas por mês de café torrado e moído.

Em outubro de 2014, no segmento de café torrado e moído, o “Grupo 2 Irmãos””, representado por uma de suas empresas, a Florão Alimentos, ficou em 13° lugar no ranking da ABIC (Associação Brasileira da Indústria do Café). Confira na relação das 100 maiores indústrias de café da ABIC, clicando aqui.

ranking 2 irmãos

O PROCESSO PRODUTIVO

Seguindo à risca um ditado de Roosevelt: “Fazer o que podemos, com o que temos e perto de onde estamos”, a empresa não tem grandes e modernos equipamentos. Os torradores e moinhos, por exemplo, são antigos.

Nos últimos 3 anos, todos colaboradores da empresa vêm sendo treinados dentro da filosofia da produção enxuta (lean manufacturing). Esse trabalho tem sido árduo, pois a empresa não conta ainda com uma equipe com graduação, pós-graduação ou especialização na área – apesar disso também já ter melhorado muito, já que a empresa hoje tem um programa de bolsas de estudos, o que já tem contribuído muito para que a empresa e colaboradores possam dar passos mais longos.

Vejamos abaixo como estão as melhorias nos mais diversos requisitos da empresa.

1. Melhorias na produção

Podemos citar como maior causador do aumento significativo da qualidade de produção a utilização intensa e contínua da gestão visual. E, apesar dessa interessante ferramenta lean ter resultado, por exemplo, no crescimento quase que triplicado da produção, não foi necessário construir novos barracões para aumento do espaço físico.

2. Ganhos de produtividade

Um dos mais importantes objetivos da empresa é chegar à produção de 700 toneladas por mês sem construir nenhum metro quadrado.

Para isso, são feitas pequenas reuniões de análises de problemas dentro da própria fábrica, com a participação dos supervisores e de todo o pessoal de linha. Tendo em mente as causas raízes dos problemas apresentados, as pessoas sugerem soluções. As sugestões implantadas com sucesso são merecedoras de prêmios distribuídos ao final de cada ano.

3. Melhorias da qualidade

A gestão visual possibilitou, também, reduzir, somente com ajustes de equipamentos no empacotamento a vácuo, uma perda no processo que antes era de 4%, para menos de 0,5%.

As grandes indústrias possuem toda uma estrutura onde o pacote de café fica passeando durante aproximadamente 8 minutos em grandes esteiras, consumindo energia elétrica e espaço físico antes de entrar na área de encaixotamento para verificação de vácuo, e isso não existe na empresa, mesmo porque esta estrutura é cara. O que há é um equipamento bom, mesmo não sendo dos mais modernos e comprometimento da equipe em identificar o problema na linha e ter a autonomia de pará-la sempre que for necessário.

Outro importante objetivo da empresa é deixar esta perda no processo muito perto de 0% e iniciar o encaixotamento do fluxo contínuo e, portanto, direto, sem espera e sem passear.

4. Marketing e vendas

Em contrapartida a tudo isso, a empresa não pode colocar seu produto no mesmo patamar de preços das grandes produtoras com marcas reconhecidas. A garantia de que o produto é tão bom quanto as grandes marcas existentes, mas com o poder de marketing dessas marcas não se brinca e nem se concorre.

No entanto, o preço oferecido é justo e é dessa maneira que a empresa tem conquistado o mercado. Com um bom produto, com um preço justo e com entregas dentro dos prazos. Hoje, é possível entregar um produto em qualquer dos CDs da empresa com 24 horas do pedido. E quando chega lá, também é tudo muito rápido. Não há registro, até aqui, de problemas nesse sentido.

5. Reclamações e atendimento ao consumidor

Não há, na empresa, uma estrutura específica de Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). Todos os colaboradores são responsáveis em atender reclamações dos clientes. Os canais são através de e-mails (que são recebidos por um pessoal com cópia para a diretoria acompanhar os processos) e através de formulários simples distribuídos à toda equipe de ponta. O atendimento é muito simples e rápido. O quadro de reclamações dos clientes fica exposto na fábrica, com fotos e relatos dos consumidores. Quando uma nova reclamação é colocada no quadro a equipe se reúne, por 15 minutos, nas trocas de turnos, para discussão do ocorrido, apresentação das sugestões de melhorias, etc.

Quando é o caso, em primeiro lugar, é feita a troca do produto pelo representante mais próximo do local do consumidor e, posteriormente o próprio Supervisor da Qualidade dá um retorno com perguntas simples, como: “você recebeu o novo produto e gostou?” ou “quais são as razões dos possíveis problemas em nosso processo?”. Temos recebido muitos elogios dos consumidores pela maneira simples, direta e objetivo como tratamos as reclamações. Segundo o proprietário da empresa grande parte de nossa melhoria está centrada na maneira como tratamos as reclamações.

6. Trabalho área comercial

A empresa tem realizado, nos últimos 2 anos, sua convenção de vendas. A área comercial não é grande e, talvez aos olhos de muitos, ainda não se justificaria tal investimento. A área comercial está formada por pouco mais de 25 colaboradores e 40 representantes comerciais. Mesmo assim, a empresa optou por realizar sua convenção de uma maneira um pouco diferente das convencionais. A empresa tem procurado realizar treinamentos vivenciais, colocando a equipe em exercícios constantes das dificuldades encontradas no dia a dia. Estamos iniciando um trabalho com o A3 na área comercial, ainda muito cru, mas esperamos ter bons resultados no futuro. O cliente sempre tem um problema, e nós devemos ter a capacidade de encontrar, estudar as razões e solucioná-lo. No momento em que uma empresa consegue resolver um problema do cliente, ela acaba de ganhar um cliente fiel.

7. Trabalho na área administrativa

Já há alguns anos, há um quadro de gerenciamento de rotinas na área administrativa. Basicamente são atividades relacionadas ao fechamento contábil mensal. Esse fechamento, no início, apresentava uma grande quantidade de erros, e o processo era muito demorado. As áreas, em vez de buscarem as soluções, ficavam nas trocas de acusações. Com o quadro, as atividades foram visualmente expostas, os problemas ficaram escancarados, e o comprometimento da equipe passou a ser peça principal na busca por soluções. O A3 da área administrativa ainda está engatinhando.

Explicações

PRÓXIMOS PASSOS

Para os próximos passos, a empresa prevê continuar expandindo os volumes de produção. Para isso, sabe-se que, além de continuar seguindo sua jornada de transformação lean, a empresa precisará dispender de um investimento escalonado nos próximos 5 anos, por exemplo, para a aquisição de um torrador de última geração acompanhado de modernos moinhos.

CONCLUSÃO

A empresa tem a plena consciência de que novos investimentos em equipamentos são, sim, necessários e trarão ganhos nos rendimentos finais dos processos. No entanto, continua acreditando que a aquisição de um novo equipamento só se justificará após a utilização plena do anterior. Pois, se a cada necessidade de aumento de produtividade, troca-se o equipamento, que é o mais fácil, duas coisas acontecem: a) o retorno do investimento anterior não vem; b) o colaborador deixar de pensar em melhorar. É possível, sim, crescer sem altos investimentos, em momentos de crises ou não.

E o que faz com que isso seja possível? A empresa entende que o grande responsável por resultados excelentes é o desempenho das pessoas. São elas que tiram as diferenças entre uma organização com modernos equipamentos e outra com equipamentos eficientes, mas um tanto ultrapassados tecnologicamente. A empresa tem investido em pessoas, com formação de líderes, operadores e auxiliares nesse sentido.

É o “fazer o que se pode com o que se tem”.

Em resumo, não há nada de muito especial sendo feito no “Grupo 2 Irmãos”. Procura-se apenas produzir sem desperdício e respeitando o consumidor. O resultado é mera consequência.

Publicado em 27/05/2015

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal