CONCEITOS, PRINCÍPIOS E ORIGENS

Vinte e cinco anos de lean

Em junho de 1986, nós dirigíamos de Cambridge, MA próximo da cidade de Framingham para uma caminhada no gemba da fábrica da General Motors. Esse foi o começo de uma longa série de caminhadas que faríamos nos próximos dois anos, ocasionalmente juntos, mas, na maior parte do tempo, apenas o John e as equipes de gestão da fábrica. Com essas caminhadas e com um questionário para capturar informações em um formato consistente, nós prontamente adquiríamos evidências de que havia uma forma nova e melhor de gerir a manufatura.

No outono de 1986, John escreveu um artigo (“Learning from NUMMI”) para a reunião de pesquisa do International Motor Vehicle Program do MIT realizada para as empresas automobilísticas automóveis patrocinadoras. Nesse artigo, ele comparou a qualidade e a produtividade da fábrica localizada em Framingham com a fábrica de Takaoka, da Toyota, localizada na Toyota City e com a “joint venture” da General Motors e da Toyota na NUMMI, onde John trabalhara como engenheiro de qualidade antes de juntar-se a Jim no MIT. As diferenças de qualidade e produtividade eram muito impressionantes; Takaoka e a NUMMI operavam em níveis similares que eram muito superiores ao da Framingham.

Naquela época, não havia nome para os sistemas de produção que davam esses diferentes resultados além de “produção em massa” na GM Framingham e “Toyota” em Takaoka e na NUMMI. Também não éramos capazes de diferenciar as diferenças de desempenho da fábrica das diferenças na gestão. Mais trabalho e uma amostra maior eram necessários.

No verão de 1987, expandimos nossa pesquisa para aproximadamente quarenta fábricas, de mais ou menos quinze companhias, na Europa, na América do Norte, na América Latina e na Ásia. Era claro, nesse ponto, que, embora as fábricas da Toyota sempre tivessem bons desempenhos, um bom número de outras fábricas japonesas do Japão e da América do Norte e, surpreendentemente, muitas fábricas da Ford da América do Norte também estavam no enquadramento de “alta produtividade/alta qualidade” no nosso registro de dados.

Nosso problema, nesse momento, era que precisávamos de um nome para o sistema de produção e gestão que tinha esse desempenho superior. Como líder da equipe, Jim perguntou aos graduandos, ao corpo docente e aos professores visitantes do MIT que participavam da equipe para darem um nome. John sugeriu que nomeássemos o sistema por aquilo que ele conseguiu, que era montar um “carro padrão” (de um determinado tamanho e nível de opcionais) com menor esforço humano, menos defeitos, menor espaço utilizado na fábrica, menor investimento de capital (algumas das fábricas mais eficientes eram, também, as menos automatizadas), menor tempo gasto e em um volume mais baixo por tipo de produto (em linhas de modelos mistos). Quando olhamos para o quadro negro, tínhamos escrito “menor”, “menos”, “menor”, “menor” ou “mais baixo” ao lado de cada atributo; John disse: “Vamos chamá-lo de ‘lean’ (enxuto)” e escreveu lean no quadro negro. Aí estava. Lean (para um detalhamento maior desse evento e a confusão subsequente com o uso do termo, veja o capitulo “Desconstruido a Torre de Babel” de Gemba Walks na página 165).

No curto prazo, não tínhamos uso público para o termo, compartilhando-o apenas com patrocinadores, as maiores companhias de carro do mundo. E ainda havia alguma discussão dentro do projeto sobre o termo “lean” ser ou não o melhor. Em particular, o professor Haruo Shimada, da Universidade Keio, em Tóquio, e John Paul MacDuffie (agora professor da “Wharton School” na Universidade da Pensilvânia) pensaram se “frágil” não seria um nome melhor. Eles sugeriram utilizá-lo junto com “robusto” para descrever a abordagem de gestão alternativa de empresas como a GM e a Volkswagem que propunham chamá-la de “produção em massa”.

Eles acreditavam que o sistema de produção inspirado na Toyota era frágil não apenas por causa do nível de estoque drasticamente reduzido, mas, também, porque requeria um engajamento forte e contínuo de todos os colaboradores pela gestão em todos os níveis. Em sua falta, o desempenho drasticamente deteriorar-se-ia, e o sistema poderia facilmente regredir aos métodos top-down de controle e comando que haviam sido o modelo mental na indústria automobilística. Eles achavam que o nome deveria avisar sobre essa possibilidade (eles também falaram que “lean” confundir-se-ia com “mean” (maldoso) no uso popular sempre que as companhias eliminassem empregos. Poderia ele ser utilizado, no futuro, para justificar o comportamento errado?).

Nós (Womack e Krafcik) compreendíamos essas considerações, mas não éramos capazes de nos imaginar vendendo o termo “frágil” para os gerentes da indústria automotiva que esperávamos influenciar. Eles amavam a simplicidade – e “lean” era, acima de tudo, simples e orgulhavam-se da tenacidade. Então, eventualmente, decidimos que seria “lean”, com todos os seus defeitos em potencial.

No verão de 1988, com nosso crescente banco de dados em setenta fábricas de quatorze países, estávamos prontos para compartilhar nossas descobertas e o termo “lean” com o mundo. John escreveu um artigo para a edição de outono da MIT Sloan Management Review com o título “The Triumph of the Lean Production System” foi lançado em setembro, e o termo “lean” foi lançado ao mundo (você pode ler e baixar esse artigo no site http://www.lean.org/downloads/mitsloan.pdf).

Um pouco de Hansei

Ao olhar novamente para esse artigo, com a perspectiva de vinte e cinco anos, percebemos cinco pontos de observação:

Primeiro, continuamos gratos pela boa vontade de profissionais nas companhias automobilísticas ao redor do mundo em cooperar com o projeto de pesquisa. No nível de gestão da fábrica, descobrimos que podíamos, quase sempre, esperar esforços honestos e energéticos para responder às nossas questões.

John retribuiu às equipes de gestão pelo considerável tempo que gastaram colhendo dados para a pesquisa ao dar a cada fábrica um resumo sobre onde ela estava em todos os nossos indicadores de desempenho e porquê (o desempenho de todas as outras fábricas era claramente mostrado, mas sem identificação). Essa prática confirmou nossa suspeita que a maioria dos gerentes queriam um feedback honesto sobre quão bem estavam-se saindo em seu trabalho, mas, muitas vezes, não tinham meios de conseguilo. Um dos princípios da gestão lean, certamente, é fornecer um feedback preciso a todos os gerentes em tempo real.

Segundo, percebemos quão importante era caminhar no gemba para nós mesmos vermos o que estava, de fato, acontecendo e para imediatamente verificar todas as respostas ao nosso questionário. E isso também serviu como checagem de informações incorretas às vezes fornecidas pelos altos níveis da gestão.

Com certeza, o exemplo mais impressionante aconteceu quando estávamos visitando uma fábrica na Europa e perguntamos onde a área de retrabalho ficava. O gerente da fábrica respondeu: “Nós não possuímos área de retrabalho nesta fábrica”. E isso pareceu ser verdade após uma inspeção cuidadosa. Mas havia um problema. Quase todos os carros saíam da linha com partes faltantes e defeitos visíveis no fim. Deveria haver uma área de retrabalho em algum lugar, e suspeitamos que descobrir e contar as horas de trabalho lá corrigiria a pontuação de alta produtividade incomum da fábrica, que a gestão atribuía a seu alto nível de automatização.

Então, dissemos: “Existe alguma área de retrabalho em outro lugar, talvez após os veículos serem encaminhados à organização de vendas?”. O gerente da fábrica disse que isso estava além de seu conhecimento. “Eu apenas sei sobre minha fábrica”. Entretanto, um carro de trabalho da fábrica logo surgiu e o gerente acenou para John sentar no banco traseiro. O carro desapareceu por uma montanha que ficava atrás da fábrica com John como o único passageiro e o motorista sem nunca dizer sequer uma palavra.

Quando o carro reapareceu, algum tempo depois, John afirmou ter sido levado para um prédio de enorme de retrabalho pertencente à organização de vendas com um número de colaboradores semelhante ao da fábrica de montagem. John, portanto, corrigiu a pontuação de produtividade da fábrica de uma das melhores para uma das piores de nossa amostra.

Nossa conclusão: Gerentes da linha no nível da fábrica são, normalmente, profissionais orgulhosos. Mas, às vezes, são obrigados pelos níveis mais altos a fazer os números parecerem certos. E, nessa situação, a única coisa certa a fazer é ir e ver por si mesmo. Nós recomendamos essa atitude aos gerentes de todos os níveis e sempre tentamos praticá-la.

Terceiro, acreditamos que os professores Shimada e MacDuffie estavam certos sobre a natureza frágil da produção lean. Fazer um “salto lean” é uma coisa e pode ser possivelmente simples ao aplicar mecanicamente as ferramentas lean, mas desempenho de alto nível contínuo é criticamente dependente do engajamento contínuo de todos os colaboradores pela equipe gestora em uma busca pela melhoria contínua. Quando esse compromisso começa a se perder, e a gestão volta seu pensamento a outro lugar –ou companhias crescem tão rapidamente que diluem sua cultura de gestão – coisas ruins são propensas a acontecer.

Isso era verdade na NUMMI, que perdeu seu caminho muitas vezes durante esses vinte e cinco anos, requerendo uma reinicialização da gestão pela Toyota. Também era verdade na Toyota quando ela tentou crescer muito rapidamente nos últimos anos. E, infelizmente para a história contada em “The Triumph of the Lean Production System”, isso era ainda mais verdade na Ford, que, no final dos anos 80, parecia estar bem encaminhada na aplicação dos princípios lean, e, então, perdeu completamente o caminho.

Dito isso, ainda achamos que “lean” era o melhor termo que poderíamos usar para descrever o sistema de gestão que estávamos descobrindo. Com todos os seus defeitos – incluindo a dificuldade de tradução para muitas linguagens –, o lean tem sido efetivo em vender nossos insights valiosos para uma vasta audiência.

Quarto, se entendemos “lean” corretamente, entendemos “produção” erroneamente. Desde o começo, sabíamos que o sistema de produção lean incluía desenvolvimento de produto, gestão dos fornecedores, apoio ao cliente e gestão geral da companhia como um todo. E isso ficou bem claro no volume de 1990 “A Máquina que Mudou o Mundo”. Mas, quando dissemos “sistema de produção”, em 1988, o mundo ouviu “fábricas”. Então, talvez tivesse sido melhor John ter usado o título “The Triumph of the Lean Management System” (o triunfo do sistema de gestão lean).

Quinto e finalmente, achamos impressionante, ao revisar “The Triumph of the Lean Production System”, quão incompletas as características da gestão da fábrica eram. A pesquisa avaliava as instalações pelo grau de padronização do trabalho, a proporção de colaboradores diretos no suporte à gestão, o nível de estoque das partes, a quantidade de buffers do processo, o tamanho da área de reparo e a presença de sistemas de equipes com líderes de equipe entre os colaboradores da linha de frente e a gestão de primeiro nível. Essas práticas de fábrica foram, então, confrontadas com a produtividade de trabalho, qualidade do fim da linha e a habilidade de acomodar um mix de produto complexo.

A verdadeira novidade do artigo era a descoberta de uma grande correlação entre alta produtividade, a qualidade e flexibilidade e as seis práticas de gestão lean. O que faltava era a presença da aplicação de políticas para estabelecer prioridades em um alto nível e cascateá-las aos níveis mais baixos, as práticas de gestão de nível médio de resolução de problemas e melhoria através do A3 pelo PDCA e as práticas da gestão da linha de frente de criar e sustentar uma estabilidade básica para tornar a melhoria contínua através do kaizen possível. Elas forneceram o quadro de gestão lean para sustentar a produção lean.

Como as pudemos esquecer? Era muito simples: nosso conhecimento das práticas de gestão da Toyota (lean) era baseado no que John havia aprendido em dois anos na NUMMI, com um treinamento limitado na Takaoka no Japão, e, naquele momento, a NUMMI não aplicava publicamente o desdobramento da estratégia, o PDCA de nível médio ou a estabilização na linha de frente. Tudo isso havia sida subitamente construído nas operações da fábrica pelos gerentes da Toyota do Japão agindo como “sombras” para a gestão da linha de frente americana. O conjunto integral das práticas de gestão lean apenas se tornou explícito nos próximos anos, conforme se maturou a gestão da fábrica (as pesquisas globais da IMVP de desempenho da fábrica foram continuadas e melhoradas por muitos anos após a saída de John para seguir carreira na indústria automobilística, e Jim saiu para fundar o Lean Enterprise Institute. Sob a liderança do professor MacDuffie, essas pesquisas progressivamente focalizaram nos problemas da gestão e as práticas de recursos humanos enquanto continuamos todos a aprender com a Toyota).

Então, após vinte e cinco anos, sabemos que “The Triumph of the Lean Production System” não foi perfeito. Mas acreditamos que foi um divisor de águas na história do movimento lean que ajudou a abrir uma comporta de novas ideias para os gerentes do mundo. Continuamos a ver seus benefícios ainda hoje e esperamos que você aproveite a leitura do artigo original para iluminar o que você aprendeu em sua própria jornada lean.

*Capitulo adicional para a segunda edição em Inglês de “Caminhadas pelo Gemba” de James Womack.

Publicado em 21/11/2013

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