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Se lean é tão simples, por que algumas empresas demoram para aprender?

Cid Fontana Lopez
Se lean é tão simples, por que algumas empresas demoram para aprender?
As ideias básicas que o lean traz são tão simples e claras que as empresas que pretendem implementá-las como inspiração para seu modelo de gestão acabam subestimando o processo de aprendizagem. O resultado mais comum é que alguns esforços ganham notoriedade, mas a essência não perdura e evolui como o esperado. Descubra como fugir desta armadilha.

Apesar de lean ser simples, quando entendemos seus conceitos fundamentais, a mudança de modelo mental demandada é relativamente complexa e a dependência do que chamamos dos “3Ps de sustentação” (propósito, pessoas e processos) acaba por tornar o desafio mais complicado do que possa parecer inicialmente.

A experiência prática do Lean Institute Brasil em diferentes projetos com empresas dos mais variados segmentos e tamanhos mostra que não existe solução mágica. Contudo, existem cuidados fundamentais que devem preceder qualquer iniciativa.

Esses cuidados estão resumidos no que chamamos de Lean Transformation Framework (LTF), que foi proposto em 2015 por John Shook, Chairman da Lean Global Network (LGN). Trata-se de um modelo heurístico inspirado por inúmeras histórias de sucesso e fracasso, dentro e fora da Toyota. Captura as dimensões fundamentais que precisam ser consideradas, de maneira integrada, para se aumentar as chances de sucesso da transformação lean.

Com intuito de explorarmos de maneira prática as dimensões do LTF, fizemos uma entrevista com Cid Fontana Lopez, um dos pioneiro na aplicação do lean no Brasil, tendo sido o principal responsável pela profunda transformação pela qual passou a Robert Bosch do Brasil, no início dos anos 2000. Desde 2009, Cid atua como consultor sênior do Lean Institute Brasil e tem apoiado organizações de diferentes setores.

Tamiris Masetto: Você poderia explicar um pouco sobre como é a estrutura do LTF?

Cid Fontana Lopez: O desenho desta estrutura começa pela definição clara inicial de qual é o propósito, ou seja, qual é o problema que queremos resolver. Se o propósito é ter o lean como modelo de gestão, precisamos ter uma ideia clara do terreno onde iremos semear a cultura. Isso significa entender o pensamento básico, a mentalidade e os pressupostos que caracterizam a cultura da empresa. Se o terreno é propício a mudanças, se a liderança é receptiva a ouvir a voz que vem do gemba e, por vezes, se há uma crise ameaçando a sobrevivência da empresa, teremos mais chances.

O segundo ponto deve focar em como melhoramos os nossos processos. Em outras palavras, se uma existente cultura de melhoria contínua já estiver implantada, há maiores chances, pois parte da organização já pratica de alguma forma o método científico padrão de análise e solução de problemas.

O terceiro ponto do LTF volta-se a entender como a empresa desenvolve as capacidades das pessoas de forma sustentável em todos os níveis. Esse desenvolvimento deve estar conectado ao propósito, trazendo para os colaboradores conhecimento e desenvolvimento pessoal como um valor da organização.

Contudo, esse processo tem que ser conduzido com sabedoria e experiência por aqueles que servem de referência comportamental e de atitudes na empresa, ou seja, a liderança em todos os níveis. Em outras palavras, qual é o comportamento básico da liderança e gestão? No caso do lean, a busca deve ser por um modelo de liderança que além de incorporar o perfil padrão de mercado (resiliência, trabalhar em equipe, resistência à pressão etc.), incorpora aquilo que denominamos liderar com respeito.

TM: O que é um líder que lidera com respeito?

CFL: É aquele que vai ao gemba, que estimula iniciativas, que desenvolve e capacita seus subordinados, que sabe ouvir e fazer as perguntas certas e que entende e apoia, além de aprender constantemente. Um líder com estas atitudes e comportamentos será uma inspiração para seu time e colegas.

TM: Somente as empresas que têm o LTF desenvolvido e consolidado é que tem condições de tentar implantar o lean como modelo de gestão?

CFL: Claro que não! Contudo, entender a priori quais são os gaps existentes quando comparamos ao modelo ideal nos permite compreender muito melhor quais são as dificuldades que teremos que suplantar em nossa jornada lean, bem como ajuda a canalizar os esforços adequados nos pontos mais distantes do ideal, dando chances maiores a consolidação do lean como modelo de gestão.

TM: Qual é o melhor momento para começar a jornada lean?

CFL: Diz um velho ditado lean: “se não há uma crise, invente uma”. As crises sempre trazem grandes aprendizados. Tomemos o caso da pandemia da Covid-19. Apesar da dor pela perda de entes queridos, do período de reclusão e de tantas outras mazelas, temas como flexibilidade, trabalho remoto e esforços enormes de redução de custos pela grande e abrupta queda de faturamento farão muitas empresas saírem da crise fortalecidas. O lean é sempre um “banho de loja” para a eliminação de desperdícios em quaisquer circunstâncias.

TM: Você poderia dar algumas dicas para iniciar na jornada?

CFL: Posso sim. Aqui estão algumas:

  • Defina a decisão de implantar o lean com base em sua visão de médio e longo prazos, pois assim mostrará a relevância para toda a empresa.
  • Conecte os fatos ao hoshin (norte verdadeiro), que será o guia das etapas de mais curto prazo para atingirmos a visão no médio e no longo prazos.
  • Traga o RH para junto da jornada. Estamos falando de mudança de modelo mental, e o RH poderá ajudar muito neste processo.
  • Nivele o conhecimento. Você vai mexer com todo mundo da empresa, pois o lean tira as pessoas da zona de conforto. Elas merecem saber por que isso está acontecendo.
  • Foque sempre em melhorias rápidas, baratas e de impacto. Ganhar sem gastar sempre é uma excelente alavanca para a jornada lean.
  • Melhore seu processo primeiro e só depois venha com o “papo” de digitalização. A sequência lógica mais inteligente é sempre: melhorar seu processo, ganhar agilidade e somente depois digitalizar.

TM: Algumas empresas experimentam uma mudança de comando durante a jornada. Isso é um grande fator de risco?

CFL: Sempre, em especial enquanto o lean ainda não virou DNA e ainda não mobilizou mentes, corações e braços. Inúmeras tentativas de jornadas lean morrem dessa doença. Não falta gente que acha que tem um jeito melhor de fazer. Há vários caminhos de como fazer, mas um propósito claro com um prazo mais longo ajuda a manter o trem nos trilhos independentemente de alguns desvios.

TM: Qual perfil a liderança precisa ter na jornada?

CFL: É indispensável um perfil mais uniforme. O objetivo desde o início deve ser o de buscar no médio prazo o perfil do líder lean que lidera com respeito. O lean costuma morrer na média gestão (um conceito que varia de acordo com o tamanho da empresa). Uma uniformidade de comportamentos e atitudes voltadas ao lean dá solidez à caminhada.

TM: Que recomendações você dá para quem quer iniciar na jornada?

Entendo que a principal recomendação deve ser voltada a ganhar o comprometimento (e não apenas o envolvimento) de todos, suportado por muita disciplina e resiliência. Ao menor descuido, o processo volta ao status anterior. Podemos, por analogia, entender o lean como um enorme PDCA que pretendemos fazer no modelo de gerir, agir e fazer da empresa.

O que sustenta um bom PDCA é dedicarmos o tempo necessário ao planejamento, executarmos conforme planejado, controlarmos com disciplina e darmos profunda atenção às lições aprendidas, não esquecendo nunca que sempre aprendemos mais com os erros.

TM: Suas considerações finais, por favor...

Para um país como o Brasil, no qual os negócios de uma maneira geral padecem pela falta de demanda mais significativa para crescer e ganhar produtividade, as automações eventuais acabam não acontecendo por falta de payback.

A eliminação de desperdícios e o total foco na agregação de valor sob a ótica do cliente, são armas que estão à nossa disposição, as quais, para serem usadas, não precisam de outra munição a não ser nosso conhecimento sobre lean e o querer fazer.

Não se esqueçam de que o lean é como uma catequese. Para perenizar, não basta apenas acreditar; estímulos constantes com a prática são fundamentais. É um jardim que, se regado com constância, irá brotar e crescer com robustez.

Quer saber mais? Entre em contato conosco.

Publicado em 11/01/2023

Autor

Cid Fontana Lopez
Gerente de Projetos no Lean Institute Brasil.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal