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O Sucesso da Amazon: o pensamento e a prática lean como impulsionadores

Marc Onetto
O Sucesso da Amazon: o pensamento e a prática lean como impulsionadores
Marc Onetto compartilha suas experiências na Amazon, destacando a importância de uma abordagem voltada para o cliente em tempos de alta demanda e produção.

Ao contrário do que algumas pessoas pensam, adotar o sistema lean em um ambiente de alta tecnologia não é apenas possível; é essencial. Marc Onetto, o ex-vice-presidente sênior de operações e atendimento ao cliente da Amazon, foi o pioneiro na aplicação da gestão lean na distribuição de varejo na empresa. Neste artigo, ele compartilha as muitas maneiras que o pensamento e as práticas lean ajudaram a melhorar as operações da Amazon.

Como acontece com qualquer empresa que adota a mentalidade lean, a força motriz da Amazon foi sua dedicação constante e inflexível ao seu propósito: o foco no cliente. A partir dessa base, a empresa aplicou o lean para identificar e eliminar muda para o cliente – desde como construía seu site até como atendia pedidos e muito mais.

Quando perguntado sobre quais eram as lições aprendidas com o lean na Amazon, Onetto afirmou que aprenderam algo muito importante na jornada (para escutar Onetto falando sobre essa jornada – em inglês –, clique aqui): é possível existir sinergia entre o lean e a alta tecnologia para eliminar muda. Desde o início, muitos dos sensei no Japão tinham muitas preocupações com a possibilidade da tecnologia da informação adicionar desperdício em vez de eliminá-lo, apenas acelerando processos ruins, em vez de melhorá-los. O que impediu que a Amazon caísse nessa armadilha foi o fato de eles já terem, além de uma boa tecnologia, um foco muito grande no cliente. Isso permitiu que eles realmente combinassem o lean com a alta tecnologia. Outra coisa que Onetto mencionou quando estava falando sobre seus aprendizados foi que os principais conceitos lean, como o andon, podem ser estendidos a diferentes negócios, como a Amazon fez parando a linha no centro de atendimento ao cliente. Veja abaixo o que Onetto tem a dizer sobre a jornada lean na empresa.


Atendimento ao cliente com mapeamento do fluxo de valor

Após introduzirmos o lean no centro de distribuição, nós o estendemos para os centros de atendimento ao cliente. Uma coisa interessante que fizemos foi mapear o fluxo de valor. Ao fazer isso, percebemos alguns casos que nos chamaram a atenção: ao receber uma ligação de um cliente, o atendente da central de atendimento tinha que buscar informações no sistema. Contamos as etapas que ele tinha que fazer e descobrimos que, por vezes, por exemplo, ele chegava a apertar o botão “Enter” 29 vezes até conseguir encontrar as informações necessárias para responder a pergunta do cliente. Então, é claro, havia muito desperdício ali. Portanto, repensamos todos os sistemas de atendimento pela perspectiva do cliente. Que tipo de pergunta costumava chegar? Assim, abordamos esse desperdício de excesso de cliques na primeira vez que fizemos um kaizen, reduzindo esse número para 8 cliques.


Definindo princípios centrados no cliente

Na verdade, nós queríamos definir o que chamamos de princípios centrados no cliente para nossa central de atendimento, e o principal objetivo era tratar os clientes como amigos ou mesmo como família. Algumas pessoas se preocupavam com clientes desonestos tentando tirar proveito disso, mas nosso sistema de computador normalmente é capaz de prevenir isso. É verdade que existem pessoas que tentam roubar dinheiro da Amazon, mas mesmo assim vale a pena correr o risco para ser honesto com o cliente, pois é aí que você ganha muito (na verdade, não são muitos que tentam, não só no Japão, que é o país mais honesto do mundo, mas também nos outros países, como a França, a Itália ou os Estados Unidos; no fim das contas, a porcentagem de pessoas que tentam roubar de você não é tão grande).

Tem uma história que aconteceu um dia que eu gosto de chamar de milagre de Natal centrado no cliente do The New York Times: uma pessoa ligou para um de nossos atendentes, que estava no estado de Washington, e disse: “Estou com um problema: no site diz que meu pacote foi entregue, mas acho que alguém o roubou da minha varanda. Sou divorciado, e meus filhos estarão aqui amanhã à noite. Era um presente para eles”. O atendente disse: “Sem problema, senhor. Vamos cuidar disso. Estamos enviando a você o mesmo pacote imediatamente. Você está em Nova York, então vamos enviar direto do centro de distribuição, e ele estará aí amanhã à tarde. Você terá seu pacote para seus filhos”.

Ele, então, disse: “Obrigado. Quanto eu devo a você?”. E o atendente disse: “Não nos deve nada”. Ele protestou: “Mas não foi um erro de vocês; o pacote foi roubado”. O atendente mais uma vez o acalmou: “Tudo bem. Para nós, você é um amigo. Nós gostamos de nossos clientes”. O que o atendente não sabia era que esse “cliente” era um jornalista do The New York Times. Então, naquele dia, recebemos um artigo positivo no jornal. Isso é o que chamo de milagre de Natal centrado no cliente do The New York Times.


Aplicando o andon ao atendimento ao cliente

Então, demos um passo adiante. Adotamos o conceito andon. Como você deve saber, no Sistema Toyota de Produção, é fundamental dar autonomia aos colaboradores da linha para que possam pará-la ao detectar um defeito. Quem teve a chance de ser treinado por algum sensei da Toyota já deve ter visitado uma fábrica e visto 5.000 pessoas parando de trabalhar porque um colaborador, montando alguma coisa em algum lugar, como a roda ou os faróis de um carro, parou a linha puxando o andon.

Levamos esse conceito ao atendimento ao cliente, e demos aos atendentes autonomia para interromper a linha. O que isso significa? No nosso caso, significa que detectamos, usando um computador, usando a tecnologia, quando o cliente está ligando sobre um mesmo defeito que já ocorreu com outro cliente. Portanto, isso está se tornando um problema maior. Alertamos o atendente que pode ser um defeito nosso. Em seguida, o atendente tem autonomia para interromper a linha, ou seja, ele pode apertar um botão no computador, e o item aparecerá como indisponível no site, encaminhando-o para o laboratório de qualidade. O atendente não precisa pedir autorização de ninguém para isso.


Resolvendo problemas no gemba

Claro, temos um processo em vigor para reiniciar a linha. Fazemos uma revisão semanal do andon com o varejo para ver itens que interromperam a linha por mais de duas semanas para entender o que está acontecendo e por que não conseguimos resolver isso. Um exemplo de que me lembro agora foi um erro de SKU: um cliente encomendou um fone de ouvido, mas recebeu um disco rígido, que é um pouco difícil de colocar na orelha. Era a segunda vez que isso acontecia, então paramos a linha – o atendente parou a linha –, e fomos verificar. Tiramos todos esses itens do centro de distribuição e percebemos que havia um problema de SKU. A mesma fábrica estava produzindo discos rígidos e fones de ouvido, e eles colocaram o SKU do fone de ouvido no disco rígido. Assim, o atendente, quando estava digitalizando, não sabia que estava enviando o produto errado.

Esse processo de andon, que ainda existe hoje na Amazon, eliminou centenas de milhares de experiências negativas de clientes. E [Jeff] Bezos adorou, o que faz uma grande diferença, porque quando parei a linha pela primeira vez, lembro que estava pensando: “acho que eles vão me demitir por fazer isso, porque não vamos produzir mais nada até encontrarmos os defeitos”. A verdade é que Jeff adorou. No começo, eu tive que pedir: “Me dê um pouco de tempo para colocar o processo em prática”, mas ele adorou o fato de que iríamos detectar defeitos do cliente muito rapidamente por meio desse processo.

Publicado em 30/09/2021

Autor

Marc Onetto
Ex-vice-presidente sênior de operações e atendimento ao cliente da Amazon
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal