ESTRATÉGIA E GESTÃO

“Ciclo rápido” de aprendizado é um dos segredos da boa gestão da estratégia

Flávio Augusto Picchi
“Ciclo rápido” de aprendizado é um dos segredos da boa gestão da estratégia
Experimentos menores permitem verificar a eficácia das ações de forma mais imediata

Ciclo rápido de aprendizagem é bastante utilizado pelas startups lean, chamado de MVP (Mínimo Produto Viável), aplicado aos “entregáveis” do planejamento estratégico



Muitas empresas se preparam para seus períodos anuais de planejamento estratégico com atividades realizadas ao longo do segundo semestre. Essa tarefa, decisiva para o sucesso de uma organização, nunca foi fácil e se torna mais complexa no mundo de incertezas crescentes.

Isso porque não basta “só” criar uma boa estratégia, o que já é bastante difícil. É preciso também garantir que ela seja bem executada. Do contrário, claro, os resultados não decolam.

Quais seriam, então, os principais fatores de sucesso desse processo?

Claro que há vários; não se tem fórmulas mágicas, mas um cuidado primordial a que poucas empresas se atentam está relacionado ao que chamamos de “ciclos rápidos” de aprendizado.

Em princípio, é algo bem simples, mas que na maioria das organizações não é associado aos processos de estabelecimento, desdobramento e execução da estratégia.

Por exemplo, em vez de planejar a implementação de uma melhoria com ações feitas ao longo do ano todo, em que se vai perceber (ou não) os resultados somente ao final do período, é melhor planejar experimentos menores, elaborados para ocorrerem em um menor espaço de tempo, para que se possa gerar aprendizados e verificação da eficácia das ações de forma mais imediata.

É um princípio bastante utilizado pelas startups lean, chamado de MVP (Mínimo Produto Viável), aplicado aos chamados “entregáveis” do planejamento estratégico.

Outra prática que faz diferença é a execução dos planos com base em uma sequência de ciclos curtos, encadeados nos diversos níveis. Isso amarra as ações estratégicas, operacionais e táticas desde a alta direção até o gerenciamento diário das equipes, com gestões visuais, checagens e reações rápidas para a efetiva realização e execução das ações planejadas.

Como a gestão da estratégia é um processo que busca pensar sobre o futuro, em muitas companhias predomina ainda a crença de que um bom processo pode antever cenários e estabelecer planos no longo prazo de certa forma “estáveis”, que serão executados com pequenos ajustes.

É como se o “mapa do território de competição” fosse conhecido e pudéssemos estabelecer, com boa margem de acerto, o ponto onde queremos chegar e o caminho a ser percorrido.

Isso nunca foi totalmente verdade, e a pandemia colocou por terra qualquer ilusão de que poderia existir. Hoje, esse “território” muda drasticamente, com inesperadas barreiras, perigos, atrativos ou oportunidades que surgem e desaparecem rapidamente.

Assim, o caminho deve ser redesenhado de forma ágil e adaptativa, bem como o próprio ponto de chegada, que precisa ser repensado permanentemente.

É por isso que diversas empresas, principalmente no mundo da tecnologia, têm buscado formas mais dinâmicas de gestão da estratégia, como, por exemplo, o OKR (Objectives and Key Results), com ciclos de 3 meses.

Muitas também têm usado o Hoshin Kanri (HK), processo de estabelecimento e desdobramento da estratégia proveniente da filosofia lean – também conhecida como mentalidade enxuta –, que traz muitos benefícios para essa desejada agilidade.

No meu entender, o HK é mais abrangente e pode, inclusive, ser combinado com algumas práticas do OKR, como tenho observado e acompanhado em alguns casos. A seguir, trago alguns exemplos de elementos do HK que reforçam essa desejada adaptabilidade.

No estabelecimento da estratégia, o HK foca em poucos objetivos, chamados de Norte Verdadeiro. Com isso, são definidas poucas prioridades, que são discutidas top down e bottom up, bem como horizontalmente, alinhando toda a organização.

É claro que as perspectivas no longo prazo continuam sendo úteis, pois mostram a direção a se seguir, mas o mais importante é estabelecer as metas mais imediatas, de um ano e de trimestres, sabendo que o percurso e as mudanças de cenário podem alterar o próprio ponto de chegada.

O aprendizado mais profundo ao longo da execução, sobre os clientes, sobre o mercado e sobre novas formas de agregar valor, é tão ou mais importante que as análises e as projeções feitas inicialmente, no estabelecimento da estratégia e dos objetivos.

O processo de desdobramento das estratégias também é diferente do tradicional, com forte envolvimento das equipes. A partir do entendimento do norte verdadeiro, grupos multidisciplinares envolvidos em cada área ou iniciativa estratégica buscam um entendimento profundo dos problemas com fatos e dados e análise de alternativas de contramedidas para obtenção dos objetivos específicos alinhados.

Esse desdobramento gera um plano de ação com entregas em curtos períodos. Trata-se da aplicação do princípio lean de fazer tudo em pequenos lotes.

Não é um processo simples. Para a grande maioria das empresas, estabelecer um processo de gestão da estratégia efetivo sempre foi um desafio. Nos tempos atuais, no entanto, parece ser ainda mais desafiador.

É que os contextos sociais estão cada vez mais complexos. Se o mundo recebeu recentemente a alcunha de VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo), agora já é chamado de BANI, ou seja, frágil (brittle), ansioso (anxious), não linear (nonlinear) e incompreensível (incomprehensible).

As siglas mudam, mas, em essência, nomeiam uma realidade que se transforma cotidianamente de forma mais rápida e inesperada.

Assim, o sucesso ou o fracasso das companhias cada vez mais vai depender da capacidade de elaborar e executar estratégias de forma eficiente através de ciclos rápidos de aprendizado.

Publicado em 01/09/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil