ESTRATÉGIA E GESTÃO

Disciplina para mudar gestão exige ajuste na cultura organizacional

Flávio Augusto Picchi
Disciplina para mudar gestão exige ajuste na cultura organizacional
São muitos os desafios que as empresas enfrentam nesse processo

Mudar de verdade a gestão de uma empresa reúne uma série de desafios. Um deles é desenvolver a disciplina necessária para executar tudo que foi planejado e melhorar a forma como as atividades são desempenhadas. Não adianta ter boas ideias se elas são implementadas pela metade. Isso nunca vai levar aos resultados esperados.

Há muitos equívocos sobre como desenvolver essa disciplina para efetivamente transformar a gestão. Em boa parte das vezes, tendemos a associar essa qualidade a algumas culturas nacionais.

Por exemplo, a maneira como percebemos a disciplina dos japoneses na organização dos recentes Jogos Olímpicos, no trabalho atento deles em todos os detalhes.

Embora o Japão tenha desenvolvido excelência em tudo o que faz, é um equívoco acreditar que essa disciplina necessária para melhorar e manter uma transformação de gestão depende exclusivamente da cultura nacional. Tanto quanto também é um erro achar que a cultura do povo brasileiro é indisciplinada por natureza.

Trata-se de estereótipos, preconceitos de um certo senso comum infelizmente estabelecido sem um conhecimento profundo da realidade.

Várias pesquisas já apontaram que, por exemplo, na adoção e na manutenção da gestão lean, um fator determinante para a disciplina é a cultura organizacional da empresa, muito mais do que a cultura nacional do país em questão.

É por isso que encontramos no Brasil muitas companhias com gestão sólida, fruto de forte disciplina e engajamento de todos. Claro que a cultura nacional influencia, mas há organizações com gestão deficitária mesmo em países tidos como muito organizados ou disciplinados.

Outro equívoco é achar que empresas com elevada disciplina para a realização do que se propõe a fazer seriam engessadas. Na verdade, é preciso disciplina, inclusive, para inovar, para sistematicamente usar metodologias adequadas para desenvolver um profundo conhecimento sobre as necessidades dos clientes e para buscar soluções de forma criativa.

Essa disciplina pode e deve ser desenvolvida pelas companhias independentemente da nacionalidade. E o sistema lean tem uma série de conceitos e práticas que ajudam nesse processo.

Isso ocorre com o estabelecimento de rotinas de gestão que se repetem ciclicamente, de forma disciplinada, até que se tornem hábitos.

Vamos tomar como exemplo o Gerenciamento Diário. Nele, cada time estabelece o método de trabalho e as metas, registra visualmente o andamento e realiza reuniões diárias rápidas, avaliando como foi o turno anterior através de uma gestão visual de indicadores, verifica desvios e discute causas e melhorias.

A realização disciplinada dessa rotina gera melhoria contínua, atingindo e superando resultados desafiadores. No entanto, para isso ser atingido, é preciso perseverança. Quando um processo desses inicia, é comum ocorrerem variações. Em alguns dias, as pessoas esquecem de registrar como foi o dia anterior no quadro de indicadores. As reuniões podem atrasar ou algumas pessoas podem faltar. Os problemas podem ser detectados, mas não tratados.

É aqui que entra a disciplina pelo exemplo. Se a liderança está presente e lembra a todo momento o propósito e a importância dessas rotinas, elas terão uma chance de se consolidarem. Caso contrário, muito rapidamente caem no esquecimento.

Práticas como essa permitem planejar, acompanhar e garantir que as ações – pensadas para revelar e resolver problemas, eliminar desperdícios e aumentar a agregação de valor ao cliente – sejam realizadas da maneira como foram planejadas.

A manutenção cotidiana, diária, desses conceitos e práticas por toda a organização é o que vai gerar e fortalecer o senso de disciplina, desenvolvendo essa cultura. Isso depende do exemplo e passa pelos mínimos detalhes.

Uma cultura organizacional disciplinada não é um fenômeno natural ou herdado, mas algo que pode e precisa ser construído.

Publicado em 20/08/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil