ESTRATÉGIA E GESTÃO

Sistemas de avaliação precisam reforçar as novas formas de trabalho coletivo

Flávio Augusto Picchi
Sistemas de avaliação precisam reforçar as novas formas de trabalho coletivo
O mundo corporativo está mais colaborativo e multidisciplinar, e as avaliações devem seguir o mesmo caminho

O mundo corporativo vem passando por fortes mudanças, sendo uma delas (bastante clara) a tendência de se adotar formas de trabalho mais coletivas, colaborativas e multidisciplinares.

Os velhos silos e departamentos especializados dão lugar a arranjos cada vez mais integradores, como, por exemplo, aqueles propagados pela gestão lean: células de trabalho, esteiras por fluxos de valor, grupos multifuncionais etc.

Essas novas formas de trabalho ganharam impulso ainda maior com o avanço da transformação digital nas empresas e a disseminação da adoção de squads, vilas e outras denominações. Essas formas de trabalho horizontal reuniram num primeiro momento diversas especialidades de TI e de negócio, com objetivos únicos, e são hoje utilizadas em várias áreas das empresas.

Esse movimento não tem volta, pois vem sendo puxado pela necessidade das empresas de renovar seus produtos e negócios, num ambiente cada vez mais competitivo e incerto, que exige visão ponta a ponta dos processos para melhorar a experiência dos clientes de forma rápida.

Mas nesse processo de mudança existe um verdadeiro “calcanhar de Aquiles”, que se não for repensado desde o início, pode prejudicar enormemente essa evolução.

Trata-se dos sistemas de avaliação de desempenho, assunto que nas grandes empresas se encontra bastante estruturado, mas que muitas vezes reforça atitudes individualistas e entra em conflito com essas formas de organização, que dependem de uma colaboração em nível mais elevado.

Esses sistemas são, em geral, concebidos em duas dimensões – comportamentos e resultados – e buscam combinar metas individuais, da área e da empresa, servindo como base para bônus, progressão na carreira e outros benefícios.

Na prática, entretanto, muitas vezes o que predomina são as metas de resultados, deixando os comportamentos esperados, como o trabalho em equipe, em segundo plano. Os resultados individuais acabam pesando muito mais. Além disso, mesmo para squads formados, por vezes a avaliação e a progressão na carreira continuam sendo feitas nas especialidades, mantendo a lógica dos silos departamentais.

Algumas empresas adotam adicionalmente a prática de forçosamente demitir, ao final de cada ciclo anual de avaliação, uma porcentagem dos que receberam as avaliações mais baixas, o que gera um verdadeiro clima de medo.

Isso acaba produzindo, em muitas situações, um comportamento extremamente competitivo entre os funcionários, desestimulando o compartilhamento de aprendizados e a ajuda mútua. Afinal, as pessoas se sentem competindo com seus pares pelos benefícios ou até pela decisão de quem será mandado embora.

Muitas empresas adotaram esse tipo de enfoque por muito tempo, e algumas ainda continuam utilizando. Cada empresa tem sua forma de gestão.

Agora, imagine o efeito disso nesses novos ambientes, onde se está procurando que todos tenham objetivos horizontais, alinhados com a experiência do cliente final, os resultados de negócio, o aprendizado contínuo, o compartilhamento de conhecimento, a ajuda mútua, o crescimento conjunto etc. É totalmente incompatível.

É por isso que o sistema de avaliação precisa ser revisto logo no início da implantação de sistemas mais horizontais de trabalho, criando formas mais modernas e adequadas que incluam, por exemplo, avaliações mais frequentes, e não anuais, alinhadas com as entregas rápidas em sprints e produtos mínimos viáveis. Ou ainda avaliações levando em conta predominantemente as contribuições de cada indivíduo para o grupo e os resultados para o cliente e o negócio, e não somente entregas parciais.

Muitas empresas estão sinceramente empenhadas em mudar suas formas de trabalho, no sentido de equipes multidisciplinares organizadas por fluxos de valor.

Mas várias delas estão sendo lentas em perceber o quanto seus sistemas de avaliação de desempenho tradicionais podem jogar contra esse objetivo, ao reforçarem atitudes individualistas e a competitividade entre funcionários em nome de uma propalada meritocracia.

Uma organização ágil e lean, com formas de trabalho modernas e focadas em resultados coletivos, precisa mudar também seus sistemas de avaliação, sinalizando na direção correta, do compartilhamento de aprendizados e da construção conjunta de resultados superiores.

Publicado em 22/07/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil