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Cultura da experimentação é antídoto ao medo de errar nas empresas

Flávio Augusto Picchi
Cultura da experimentação é antídoto ao medo de errar nas empresas
O medo paralisa as pessoas, gera o receio de ousar e faz com que todos se agarrem à sua zona de conforto

Há uma emoção básica que atinge a todos que precisa ser bem gerida nas empresas: o medo.

Boa parte da má gestão das companhias é originada ou potencializada por esse estado emocional. E embora seja impossível não o sentir, pois é natural e até necessário aos seres vivos, é preciso saber lidar com o medo nas organizações.

Por exemplo, dos 14 pontos para a gestão, estabelecidos pelo guru da qualidade William Edwards Deming há mais de 30 anos, o ponto que sempre me chamou mais atenção é o que preconiza: “elimine o medo”.

Com certeza essa recomendação para os gestores continua bastante atual. Nas empresas onde as pessoas têm medo de errar, isso leva ao comportamento de esconder problemas por receio de ser apontado como culpado e receber punição.

Assim, os problemas vão se perpetuando, aumentando e minando as companhias, muitas vezes sem que elas percebam.

No sistema lean, não ter medo de errar significa buscar os problemas, estudar as causas, pensar e implementar soluções criativas para a solução definitiva desses desvios. O objetivo é sempre o mesmo: melhorar os processos e aumentar a agregação de valor.

O medo também paralisa as pessoas, gera o receio de ousar e faz com que todos se agarrem à sua zona de conforto. Isso é fatal num mundo onde as mudanças ocorrem em velocidades cada vez maiores, e as empresas precisam se reinventar constantemente.

Não é à toa que nas organizações que buscam elevado grau de inovação, como nas startups, já se tornou um verdadeiro mantra a frase “não tenha medo de errar e erre o quanto antes”.

É claro que a mensagem nesse caso não é “crie algo que não funcione deliberadamente”, mas sim “ouse experimentar”. Desenvolver um negócio ou produto novo tem necessariamente um grau de incerteza. Portanto, dar certo ou errado é parte do processo.

Isso não significa tentativas e erros de forma aleatória. Para que as pessoas percam o medo de errar e realizem experimentos produtivos, é preciso estabelecer e propagar um método para isso, de forma que a cultura de experimentação esteja efetivamente permeada na empresa e praticada por todos.

O primeiro passo é estabelecer claramente o objetivo de cada experimento, principalmente em termos do que queremos aprender com ele. Desejamos avaliar as preferências dos clientes, como eles reagem a um protótipo de um novo produto? Ou queremos testar uma forma totalmente nova de entrega e verificar seu desempenho e viabilidade? Que hipóteses queremos comprovar ou refutar?

Uma vez estabelecido esse objetivo de aprendizado, é importante definir como vamos medir o sucesso ou fracasso desse experimento. Que indicadores vamos usar para aceitar ou refutar as hipóteses que estabelecemos? Temos uma base de comparação confiável? E outros fatores que podem interferir foram isolados?

Outro elemento importante para afastar os receios da experimentação é um bom planejamento do ambiente onde o experimento será realizado. Ele é representativo do universo que pretendemos representar? Que providências são necessárias para que esse ambiente seja controlado e falhas que possam ocorrer não sejam desastrosas nem irreversíveis?

No ambiente competitivo de mudanças rápidas, que exige velocidade e adaptabilidade em tudo que se faz, é importante planejar pequenos experimentos que representem ciclos de aprendizado e melhoria frequentes e progressivas.

O resultado de cada experimento, por melhor método que se utilize, sempre pode ser sucesso ou fracasso. Ele pode, por exemplo, mostrar que os clientes aprovaram um novo produto, ou não. Assim como pode comprovar uma hipótese. Por exemplo, se um processo vai ficar mais produtivo ao mudar alguma coisa, ou não.

No entanto, um experimento realizado com método adequado sempre vai cumprir um objetivo, que é o mais importante: gerar aprendizado. Mesmo quando uma hipótese é refutada, isso gera um aprendizado valioso que faz com que outras alternativas sejam buscadas, eliminando os caminhos que não deram certo.

A utilização desse conhecimento gerado para um novo ciclo de melhoria é o que dá certeza às pessoas de que a empresa valoriza o método científico e que elas não serão culpadas pelo resultado em si do experimento.

É papel da liderança criar essa cultura de experimentação, difundindo os comportamentos e estímulos adequados para que as pessoas tenham segurança psicológica. Com isso, consigam buscar metas ousadas, pensando fora da caixa, com métodos estruturados, de maneira que não tenham medo de serem punidas se um experimento der errado.

Infelizmente os ambientes organizacionais ainda são cercados por vários tipos de medos. Incentivar a cultura de inovação através de experimentos devidamente estruturados, planejados e apoiados pela direção é uma forma de eliminar uma boa parte deles.

Publicado em 08/07/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil