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Apoiando nosso crescimento com o pensamento lean

Catherine Chabiron
Apoiando nosso crescimento com o pensamento lean
A autora visita o escritório da Theodo France e aprende como a empresa digital está alavancando o pensamento e a prática lean para apoiar seu crescimento contínuo – mesmo durante a pandemia.

Hoje me encontrei com Caroline Sauvegrain, chefe de operações da Theodo France. Caroline gerencia a empresa ao lado de Julien, CEO, e Maxime, CTO. A Theodo France desenvolve aplicativos para web e celular e tem crescido continuamente desde sua criação, cerca de 12 anos atrás.

Em 2020, as equipes da Theodo desenvolveram um aplicativo que dá suporte aos empréstimos do governo francês a empresas gravemente afetadas pela Covid-19. Eles fizeram todo o desenvolvimento em apenas cinco dias! O app tinha que ser estável e intuitivo: nas 24 horas seguintes ao seu lançamento, o Bpifrance (um banco de investimento público) registrou 1.000 visitantes por minuto e recebeu pedidos de empréstimo equivalentes a quase € 1 bilhão.

Caroline havia acabado de voltar da reunião anual da Theodo e se sentia exultante. Ela me disse: “Nosso crescimento em 2020 foi próximo a 25%, apesar da Covid-19. Foi muito acima de nossa previsão”.

É uma ideia comum que a maioria das startups, mesmo aquelas que sobrevivem aos primeiros 10 anos, fracassa mais cedo ou mais tarde. A Theodo France está em seu 13º ano, e não há dúvida de que seu crescimento, desde uma ideia concebida pelos fundadores da empresa em um pequeno escritório até uma organização de sucesso com 130 colaboradores, não foi um caminho fácil. Então qual é o ingrediente secreto na receita de sucesso da Theodo?

 

Aumentando a base de clientes com o Kanban

Caroline me deu mais algumas informações básicas. “Você deve saber que 2019 não foi um bom ano para nós. Em vez do crescimento normal de dois dígitos, ficamos estagnados pela primeira vez em anos. Eu me senti mal com isso, pois as áreas de vendas e satisfação do cliente estavam dentro da minha área de responsabilidade”, disse ela.

Caroline subiu a escada muito rápido. Ela foi recrutada logo após finalizar a universidade, em 2015, e foi promovida a diretora de vendas em 2017 e a COO em 2019. Esse rápido avanço deu a ela poucos anos para aprender seu ofício e experimentar sua abordagem de gestão para entender o que funciona e o que não funciona.

“Achei que poderia simplesmente aplicar o que funcionou para mim individualmente: dar às pessoas objetivos desafiadores, apoiá-las se necessário e contar com sua disposição para liberar seu talento”, explicou ela.

Em seu mundo de desenvolvimento de aplicativos, Caroline se concentrou em mover tickets pelos processos, seja no Trello ou em qualquer outra plataforma de compartilhamento de tarefas. A equipe confiava em checklists para garantir que nada estava errado, e Caroline apontava os objetivos a serem alcançados e… ela geralmente ficava decepcionada com o resultado.

Ela também introduziu a gestão visual e um sistema de caixas vermelhas, mas o cliente meio que desapareceu do processo. “Descobrimos que nosso processo estava excluindo alguns negócios muito cedo, porque as pessoas acreditavam que a Theodo não era capaz ou não queria fechar. As vendas estavam se tornando involuntariamente uma espécie de processo de seleção”, admitiu Caroline. “Por outro lado, ao analisar alguns de nossos melhores negócios, descobri que as pessoas, nesses casos, não tinham necessariamente seguido o processo padrão”.

Esse contratempo alimentou o pensamento. Caroline começou a ler livros sobre gestão lean e decidiu discutir o assunto com seus colegas. “Achei que minha abordagem de gestão era dar a missão e oferecer suporte, mas aprendi que as pessoas não procuram super-heróis que possam seguir cegamente. Em vez disso, seguem líderes que demonstram interesse sincero por eles, por seus problemas e pelas decisões que devem tomar.”

Isso abriu os olhos de Caroline. Como resultado, ela desenvolveu um novo sistema de vendas, baseado em cartões kanban.

 

 

“Cada coluna representa um vendedor, e os diferentes leads são exibidos como um kanban para cada solicitação do cliente”, explicou Caroline. “Rastreamos o tempo de entrega a partir do momento em que a solicitação chegava e tentamos garantir que todos os clientes fossem atendidos, independentemente do tamanho da solicitação. Assim como no conceito de ‘venda um, faça um’, não devemos continuar até que tenhamos conseguido fechar o negócio.”

Ao olhar para o exemplo da vida real do quadro de kanban de vendas de Caroline, consigo enxergar uma grande variação entre os pedidos (de € 5 mil a € 2 milhões). Os leads podem ser facilmente identificados (alguns estão ali há três meses).

Disse a Caroline que isso se parece muito com uma célula de produção, com cartões kanban em “vermelho” indicando que a célula está passando por dificuldades.

 

 

O que eles faziam antes era mais parecido com a abordagem ágil do que com kanban, em que os tickets (cartões kanban) se movem ao longo do fluxo:

 

 

Se voltarmos à intenção original por trás do kanban, os cartões de retirada são sinais claros de seleção indicando a necessidade de retirar os componentes para reposição na linha de produção ou os produtos acabados a serem enviados. Contudo, em um escritório ou ambiente digital, estamos falando principalmente de cartões de produção, sinalizando que a produção precisa começar. Mover esses cartões ao longo do fluxo, como no kanban ágil, compromete um pouco a intenção original, que é atribuir a uma célula de produção específica uma tarefa clara a ser realizada.

Caroline vê muitas vantagens nessa nova abordagem:

  • Ela e as equipes não se concentram mais em “continuar” sem fechar negócios que são considerados muito difíceis de alcançar.
  • Os cartões kanban mostram claramente o desequilíbrio de trabalho entre as diferentes células de produção (hoje, cada vendedor escolhe os leads nos quais está interessado e trabalha com eles em paralelo). Eles também destacam as células que ficam sem nada para fazer.
  • Os cartões demonstram a vasta diversidade de clientes e pedidos, uma oportunidade real de ampliar a base de clientes da Theodo e não mais depender de alguns clientes-chave.

A nova abordagem liberou o potencial das equipes. “Eu não estava mais me perguntando se eles haviam marcado cada ponto do checklist do processo. Em vez disso, comecei a perguntar por que o lead não chegava e o que poderia ser feito para atender a esse cliente”, disse Caroline. Os membros da equipe começaram a ver os clientes como pessoas reais, com seus próprios problemas, grandes ou pequenos. Eles começaram a investigar novas soluções que caberiam melhor em pequenos orçamentos, como ferramentas sem código ou com pouco código, em vez de desenvolver o código do zero.

Um dos efeitos mais comuns da “doença das grandes empresas” é que o processo sempre vence as necessidades individuais do cliente. Se você já solicitou suporte a um departamento de TI, sabe do que estou falando. Seguir o processo significa que você precisará sofrer falando com robôs antes de poder falar com um ser humano real. Parece que os robôs existem para impedir que você incomode os representantes de atendimento ao cliente. Quando você finalmente tiver permissão para entrar, terá que verificar seu contrato, seu número de série ou sua licença. Só então alguém começa a ouvi-lo e a deixar que você exponha o seu problema. Se o problema não se enquadrar nas categorias predefinidas de problemas conhecidos, você será solicitado a ligar para outra pessoa e começar tudo de novo.

O que a Theodo France claramente fez foi escolher os clientes em vez dos processos, o que provou ser uma grande mudança considerando o crescimento de 25% alcançado no meio de uma pandemia (enquanto o PIB francês está em -8%).

Caroline disse: “Perdemos dois grandes clientes em 2020 por causa da crise da Covid-19, e é improvável que eles voltem tão cedo, mas todos os clientes menores que começamos a atender a partir de 2019 (e alguns maiores também) compensaram amplamente a perda.”

 

"Um bom pensamento, bons produtos" e o trabalho remoto

A nova abordagem trouxe uma série de novas soluções, mas conforme as ideias surgiam, algumas nem sempre eram perfeitamente dominadas. Com o crescimento, vieram os problemas de qualidade, que geraram retrabalhos e atrasos. “O crescimento nos deu alguns bons problemas”, disse Caroline, sorrindo.

Ela me levou em um tour pelo escritório aberto da Theodo e me mostrou paredes cheias de discussões abertas sobre as tecnologias que precisam ser dominadas. Existem “rastros” de obeyas usadas para discutir designs de apps depois que o negócio está fechado, com concept papers e os principais desafios e decisões que a equipe precisa enfrentar em termos de ferramentas, arquitetura ou código. Há muito o que pensar, compartilhar e aprender aqui.

Com o “novo normal” criado pela pandemia da Covid-19 (durante partes dos dois lockdowns, quase 100% da equipe teve que trabalhar em casa), perguntei a Caroline como trabalhar em casa impactou essa atividade de “bom pensamento, bons produtos”. Ela me contou que, em 24 horas, eles transferiram completamente suas obeyas para uma plataforma digital. Com apenas alguns cliques, ela me mostrou o portfólio de projetos que desenharam e que estão expostos tanto no open space quanto na intranet da empresa.

 

 

Ao clicar duas vezes em qualquer uma das linhas – algumas exibindo um status “atrasado” –, você insere a obeya digital do projeto. Obeyas são fundamentais na fase de design, pois contribuem para compartilhar as expectativas do cliente dentro da equipe. Coisas como “simples, mas preciso e detalhado” ou “uma solução rápida, sem bugs”. Eles compartilham a emoção e o valor que se espera que o produto ofereça, em vez de especificações detalhadas.

Mas isso não significa que as opções técnicas não serão completamente discutidas. Experimentar ideias e tomar decisões sobre os desafios técnicos que um projeto envolve é uma etapa fundamental do estágio de design (uma das razões pelas quais sofremos com retrabalhos é que sempre subestimamos o tempo que precisamos gastar na fase de planejamento de um ciclo PDCA). Além da fase de design, as obeyas continuarão monitorando o sucesso no produto e no valor do cliente, a entrega no prazo, os desafios técnicos e a satisfação do cliente.

Quando perguntei a Caroline o que ela recomendaria a outras pessoas que precisam se preparar para um papel de liderança, ela pensou um pouco sobre sua resposta. Ela, então, confirmou que você precisa trabalhar em suas emoções e níveis de energia, mas também desenvolver novos músculos – como o pensamento estruturado via A3 ou aprender a enxergar a empresa em sua totalidade, como uma entidade desafiada por ameaças externas e que só pode alcançar a sustentabilidade por meio do desenvolvimento de capacidades. “O desenvolvimento de capacidades nos fornece mais opções e soluções e aumenta a velocidade e o valor para os clientes”, disse ela.

Publicado em 12/05/2021

Autor

Catherine Chabiron
Autora lean e membro do Institut Lean France.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal