SAÚDE

Saúde pública: como a gestão lean pode ajudar

Paloma Rubinato Perez
Saúde pública: como a gestão lean pode ajudar
Acompanhe como o projeto “lean nas emergências” tem ajudado a reduzir filas de atendimento nos pronto-atendimentos do SUS e como isso impactou a crise sanitária que vivemos.

Os números da Covid-19 no Brasil chamam nossa atenção. Até abril de 2021, aproximadamente 14,7 milhões de pessoas foram infectadas (World Health Organization) e 4 milhões procuraram a rede de saúde pública e/ou privada, com um Sistema Único de Saúde utilizado por mais de 80% da população e 14,4% de brasileiros desempregados no primeiro trimestre de 2021, conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do IBGE, 2,9% a mais do que o último trimestre de 2020.

Os números acima indicam que os brasileiros poderiam estar em situação ainda mais precária sem um Sistema Único de Saúde. O novo coronavírus testou, assim como em outros países, o sistema de saúde local e mostrou a importância de mantê-lo estruturado para possíveis situações de urgência.

O SUS, Sistema Único de Saúde, é um dos poucos sistemas de saúde no mundo que atende gratuitamente todo e qualquer cidadão, independentemente de sua nacionalidade. Antes da existência do SUS, a assistência médica e hospitalar era assegurada somente àqueles que tinham emprego formal, por meio do Ministério da Previdência e Assistência Social. Caso o SUS não tivesse sido implementado, hoje, em meio à pandemia, os mais de 14 milhões de brasileiros desempregados atualmente não teriam cobertura de saúde. No meio de uma crise, os salários foram reduzidos, os contratos foram suspensos, e muitas pessoas deixaram de pagar por planos de saúde, aumentando o fluxo de atendimentos em hospitais públicos.

Apesar do desafio do SUS de mobilizar os recursos necessários e implementar, durante a pandemia, o atendimento para todos em uma dimensão territorial tão grande e com diversas limitações, foi possível observar reflexos de uma política de justiça social quando se passou a priorizar casos graves; ao mesmo tempo, consultas, exames, terapias e cirurgias que não eram urgentes foram adiadas a fim de evitar aglomeração e novos infectados. Dessa forma, aconteceu a descentralização do serviço por meio de hospitais de campanha, entregando, assim, mais leitos em locais onde há poucas unidades de saúde.

Mesmo com toda essa mobilização para garantir o atendimento à saúde com o avanço da doença no Brasil, o Sistema Único de Saúde mostrou lacunas entre o que foi previsto pela Constituição de 1988 e o que está em prática no Brasil. A constituição visa o atendimento integral e participação popular, respeitando os princípios de universalidade, integralidade e igualdade. Apesar de ser avaliado como um dos melhores do mundo, o SUS ainda possui oportunidades para melhorar seu desempenho. Por meio da filosofia de gestão lean, que visa à redução de desperdício, readequação dos fluxos e melhor experiência do paciente, essas lacunas podem ser analisadas por meio de projetos que apliquem esses conceitos, o que pode ajudar as instituições a serem mais eficientes e se aproximarem cada vez mais do que foi estabelecido na Constituição.

 

Gestão lean no SUS

O sistema lean nasceu na Toyota, no Japão, em período pós-guerra, com muita persistência, disciplina e determinação, já que contou com muitas adversidades devido às restrições de mercado que fizeram com que a empresa produzisse em pequenas quantidades muitas variedades. O objetivo mais importante desse sistema era aumentar a eficiência pela eliminação consistente e completa dos desperdícios. O conceito lean parte do princípio de que se o processo não traz benefícios para o cliente final, entende-se que ele não precisa existir ou pelo menos deve ser minimizado.

Buscando sempre reduzir o desperdício de recursos, a melhoria da qualidade e a maximização do valor entregue ao cliente, a gestão lean visa à excelência nos processos. Foi com esse objetivo que, em 2017, o Ministério da Saúde, junto ao Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), iniciou o projeto “Lean nas Emergências”, um programa que visou reduzir a superlotação dos pronto-atendimentos dos hospitais públicos do Brasil por meio da metodologia lean.

Com a gestão lean, colocou-se em prática a cultura da melhoria contínua no ambiente hospitalar, eliminando os erros nos processos, a baixa qualidade no atendimento, os longos períodos de espera e o baixo giro de leitos, garantindo ao sistema público de saúde agilidade e eficiência nos processos de urgências dos hospitais. Os resultados positivos da implementação do lean no Sistema Único de Saúde, como o atendimento de um número maior de pacientes sem aumentar os recursos humanos e físicos, a redução do tempo de espera, uma maior efetividade no desfecho e uma maior satisfação dos pacientes, familiares e funcionários do hospital, despertou o interesse de outros departamentos.

O mesmo procedimento foi adotado dentro dos centros cirúrgicos para as cirurgias eletivas. O resultado não demorou a aparecer: em poucos meses, constatou-se uma melhora significativa nos fluxos. Antes da implementação da gestão lean, eram operados aproximadamente três pacientes por dia por sala. Depois da inserção da metodologia, esse número cresceu para seis cirurgias por sala. Esses hospitais conseguiram em um período de 12 meses operar uma quantidade significativamente maior de pacientes com os mesmos recursos e investimentos em saúde, reduzindo drasticamente a fila de espera por cirurgias do SUS.

Com a chegada da pandemia, o SUS foi diretamente impactado, e foi preciso atender uma demanda maior com os mesmos recursos, redefinir fluxos de processos, segregar pacientes para evitar a transmissão do vírus, lidar com a falta de respiradores ao mesmo tempo que os funcionários aprendiam sobre essa nova doença e tentavam se manter motivados e salvando vidas.

Durante nossas experiências aqui no Lean Institute Brasil, pudemos observar que os hospitais públicos que passaram pela transformação lean antes da pandemia conseguiram implementar o conhecimento adquirido e se estruturar mais rapidamente para o combate à Covid-19, ou seja, tiveram atitudes rápidas de resposta à mudança do cenário.

Algumas práticas de gestão lean que fizeram a diferença nessas instituições foram:

  • Ir ao gemba ver o que estava realmente acontecendo para aprender.
  • Realizar os rounds diários com as restrições presenciais de distância para manter a equipe alinhada e com o mesmo propósito.
  • Criar um comitê de crise para tomada de decisões imediatas com uma equipe multifuncional autônoma para a atividade.
  • Desenhar e implementar fluxos de processos com foco no paciente.
  • Controlar os materiais e medicamentos com implementação de kanban e trabalho padronizado.

Em relação aos cuidados básicos da saúde, é importante pontuar que, em um futuro próximo, o investimento em gestão deve ser pauta central da pasta; só assim o país será capaz de ter um sistema com mudanças estruturais que entreguem uma melhor qualificação e oferta de serviços de saúde.

 

Cisne Negro, um conceito que não se aplica ao novo coronavírus

É fato que dentro de uma análise de risco, o Brasil tende a enfrentar, no mínimo até 2022, uma série de desafios econômicos. Quem for capaz de alterar suas atitudes em resposta a uma mudança conseguirá mais facilmente sair dos problemas futuros, e adaptar-se ao meio para evoluir será uma atitude importante. Segundo a teoria da Evolução, proposta por Darwin, a seleção natural propõe que os organismos mais aptos sobrevivem. É exatamente nesse ponto que se aplica também o conceito de antifragilidade, de Nassim Nicholas Taleb: ser antifrágil tornará mais leve as consequências negativas da Covid-19.

Outra teoria de Nassim Taleb que tem sido associada ao novo vírus é a do Cisne Negro, mas em sua participação no evento XP Expert, Taleb repudiou o uso do termo Cisne Negro para classificar a Covid-19. De acordo com o economista, a pandemia sempre foi previsível; a história da humanidade é repleta de casos bem parecidos, como a peste negra, a varíola, a cólera, entre tantas outras que já assolaram o planeta em outros tempos. Em sua fala, Taleb explica que a teoria do Cisne Negro só se aplica a eventos inesperados, raros e com consequências de grandes proporções para pessoas e empresas. “Como a pandemia pode ser considerada um Cisne Negro se já tivemos diversos exemplos como este no passado?”, disse.

Portanto, se o Sistema Único de Saúde apresenta fragilidades e se a pandemia e as dificuldades da saúde não são casos raros e podem acontecer novamente, deveríamos o quanto antes seguir o exemplo das instituições que conseguiram reagir melhor às adversidades com a implementação da gestão lean.

Publicado em 07/05/2021

Autor

Paloma Rubinato Perez
Head para Saúde no Lean Institute Brasil
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal