MANUFATURA

Criando líderes de linha de frente para resolver problemas na Nestlé

Fabio França e Maria Fernanda Avellaneda
Criando líderes de linha de frente para resolver problemas na Nestlé
Nesta entrevista, aprendemos como a área Técnica e de Produção (T&P) da Nestlé Colômbia Equador está usando a estrutura dos quatro tipos de problemas de Art Smalley para aproximar a liderança do gemba.

Planet Lean: Grandes corporações normalmente têm muita experiência com a implementação de metodologias de melhoria. Onde está a T&P da Nestlé Colômbia Equador em sua jornada de melhoria?

Maria Fernanda Avellaneda: Trabalhamos com nosso sistema interno – Nestlé Continuous Excellence – há cerca de dez anos (globalmente, a organização já o utiliza há muito mais tempo). No que diz respeito às nossas operações de manufatura, temos duas abordagens principais coexistindo na NCE: Total Performance Management (TPM) e o pensamento lean. Dos dois, o lean é certamente a “novidade”, tendo sido introduzido em nossos processos há cerca de três anos.

Nossa ambição na T&P é realizar uma transformação cultural e desenvolver as capacidades de nosso pessoal da linha de frente, para que se tornem mais autônomos em sua capacidade de resolver problemas. Certamente já começamos a ver avanços nessa direção, embora a maioria de nossas linhas ainda tenha um longo caminho a percorrer antes de atingir o nível de autonomia que queremos. O que percebemos é que para que esse processo de transformação ocorra precisamos da presença consistente de lideranças no chão de fábrica, para acompanhar nosso pessoal. Temos tido dificuldades com isso: reuniões e problemas do dia a dia atrapalham e mantêm os líderes longe do gemba, retardando o progresso de nossa transformação.

PL: Como o TPM e o lean interagem no NCE?

Fabio França: Toda empresa tem seu sistema de melhoria favorito. A nossa sempre foi a Nestlé Continuous Excellence – NCE (TPM na manufatura e o lean para toda a cadeia de valor). Lembro que quando decidimos introduzir o lean em nossas fábricas no Brasil, inicialmente começamos aplicando o TPM em um local e o lean em outro. Quando tentamos juntar os dois, percebemos que havíamos cometido um grande erro: as pessoas em ambos os sites estavam felizes com os sistemas que possuíam e relutavam em aceitar o outro. Foi quando percebemos que não havia necessidade de manter o TPM e o lean separados. Seus princípios e ferramentas são notavelmente semelhantes.

O TPM tem uma forte ênfase em máquinas, apoiando-se no conceito mais amplo de eliminação de desperdícios. Eles combinam perfeitamente. Em última análise, a única coisa que importa é o resultado para os nossos consumidores e, na Nestlé, estamos tentando pensar em termos de oportunidades de negócios, em vez das metodologias que usamos para buscar essas oportunidades.

PL: Como o lean está ajudando vocês a acelerar o ritmo da mudança? 

FF: O pensamento lean apoia nossos esforços para transformar a cultura da Nestlé Colômbia Equador. Ele nos fornece uma visão mais holística do nosso trabalho e nos ajuda a identificar oportunidades de negócios para melhoria em toda a cadeia de valor. Está nos tornando melhores empresários e empresárias.

MFA: Embora nossas conversas ainda se concentrem principalmente no TPM, o lean certamente está começando a dar sua contribuição. Quão grande é essa contribuição? Durante o Lean Summit 2019, organizado pelo Lean Institute Colombia, ouvimos sobre os quatro tipos de problemas descritos por Art Smalley em seu livro mais recente. Vimos isso como uma oportunidade de esclarecer as responsabilidades de resolução de problemas de pessoas em diferentes níveis da organização e decidimos realizar um experimento em nossas seis fábricas.

Nós, da “equipe de melhoria”, não precisávamos ser convencidos, mas queríamos garantir que as pessoas de todos os locais nos acompanhassem nessa jornada de descoberta. É por isso que criamos uma equipe multifuncional para trabalhar nesse experimento.

Nosso primeiro passo foi analisar nossa abordagem de gestão usando o Lean Transformation Framework. Pudemos ver que todos os elementos da “casa” estavam lá, mas decidimos nos desafiar a ter conversas mais focadas em nosso sistema de gestão e como ele estava influenciando nossa transformação. Falar sobre diferentes tipos de problemas e quem tem responsabilidade sobre eles levou a conversas construtivas e à identificação de inúmeras oportunidades de melhoria.

O lean nos permitiu desenvolver nosso trabalho com Total Performance Management com um foco recém-descoberto no valor para o cliente e na obtenção de autonomia de nossas equipes de linha de frente. Na verdade, eu diria que o TPM e o lean são totalmente complementares.

PL: O que vocês podem nos dizer sobre o papel da liderança na transformação?

FF: O lean está nos ensinando uma abordagem diferente à liderança, que é incorporada pelo conceito de caminhada no gemba e que enfatiza a observação, a escuta ativa e uma compreensão profunda do trabalho. Simplesmente não é suficiente garantir que cumpramos nossas metas de produção; é fundamental descobrirmos em que condições essas metas são atendidas, para que possamos melhorar o processo e, por fim, alcançar melhores resultados. Para que isso aconteça, precisamos ser líderes humildes e servos.

PL: Vocês podem nos contar mais sobre seu trabalho com os quatro tipos de problemas?

MFA: De todas as ideias lean que implementamos, esta é uma das mais impactantes. Nossa análise revelou que muitos de nossos líderes estavam trabalhando em problemas do tipo 1 e do tipo 2 (contenção e desvio do padrão), embora isso devesse ser uma prerrogativa da linha de frente. Isso os estava mantendo longe do gemba. Diante disso, um de nossos resultados agora é entender o que precisamos fornecer ao nosso pessoal para torná-lo mais autônomo. Mais treinamento? Coaching? Objetivos diferentes e talvez mais desafiadores?

A categorização dos “quatro tipos” de problemas foi uma grande adição ao nosso arsenal de ferramentas e técnicas e tornou nosso sistema de gestão mais lean. Definir problemas claramente significa garantir que as pessoas certas assumam a responsabilidade pelas coisas certas. Nós até projetamos um treinamento com base nos quatro tipos de problemas e introduzimos o pensamento A3 para dar às pessoas uma ferramenta extra que elas podem usar em seu trabalho de resolução de problemas.

Quando pedimos aos operadores para compartilharem seus comentários, o que aprendemos foi esclarecedor e muito satisfatório. Eles nos disseram que os líderes agora os desafiavam a levantar problemas e assumir a responsabilidade por eles. Eles falaram sobre a proximidade da liderança no chão de fábrica, implicitamente nos desafiando a continuar com isso no futuro. O fato de os gerentes de fábrica passarem tempo no chão de fábrica e levarem essa parte de seu trabalho tão a sério diz muito sobre seu engajamento. Não tenho dúvidas de que esse exercício permitiu que as pessoas em uma posição mais corporativa se conectassem melhor com o gemba.

Estamos agora na fase dois desse experimento, em que observamos o que vamos mudar no sistema de gestão a partir do que aprendemos com o experimento. Atualmente, estamos fazendo um grande esforço para melhorar o fluxo de informações para os níveis mais baixos da organização, por exemplo.

FF: Somos muito bons em colocar os problemas na mesa, mas temos que entender melhor de quem esses problemas são responsabilidade! É aí que os quatro tipos de problemas ajudam. Não faz sentido para os operadores lidar com questões organizacionais em grande escala, assim como não faz sentido para a gerência combater incêndios no chão de fábrica.

Essa abordagem para categorizar os problemas é uma grande oportunidade para gerenciarmos melhor as informações que temos e usá-las para entender como melhor atacar situações difíceis. Não é preciso dizer que nosso papel como líderes é dar aos colaboradores da linha de frente a autonomia e as ferramentas de que precisam para resolver qualquer problema que encontrem.

PL: O que vocês aprenderam no ano passado sobre a possibilidade de efetuar mudanças quando a maioria de nós é forçada a trabalhar remotamente? É possível continuar uma transformação?

MFA: Até certo ponto, é possível, mas nada vai mudar o fato de que você tem que estar no gemba. É ali que realmente ocorre uma transformação. Em nossas fábricas na Colômbia e no Equador, temos um cargo chamado de Coordenador de Fábrica NCE. Os Coordenadores de Fábrica NCE atuam como extensões do departamento em diferentes sites, articulando o trabalho de melhoria que precisa acontecer em cada um deles. No ano passado, eles foram fundamentais para garantir a continuidade de nossos esforços.

Com os quatro tipos específicos de problemas, alguns dos membros da “equipe de melhoria” conduziram o experimento com o apoio dos Coordenadores de Fábrica NCE, que fizeram um esforço para manter as pessoas engajadas apesar da distância e da impossibilidade de se reunir. Aliado ao engajamento da equipe de gestão e ao fato de os gerentes de fábrica se apoiarem remotamente, isso nos permitiu continuar nossa transformação em meio à pandemia.

 

PL: Onde vocês desejam que as fábricas da Nestlé Colômbia Equador estejam no futuro?

MFA: Eu adoraria nunca mais ouvir dos nossos líderes que eles não têm tempo para ir ao gemba porque estão trabalhando para resolver um problema em que não deveriam trabalhar. E, é claro, eu adoraria ver um progresso contínuo na aplicação do TPM e do pensamento lean. Estamos trabalhando para integrar uma linguagem diferente em nosso trabalho diário, o que coloca a criação de valor para os clientes no centro do que fazemos. Com o TPM, estamos nos tornando mais eficientes, e com o lean, estamos tornando mais clara a conexão entre nosso trabalho e o cliente. Estamos ansiosos para continuar essa experiência e ver aonde ela nos levará!

FF: Esse experimento já está dando frutos, e estamos muito animados. Se conseguirmos gerar mais crescimento para o negócio, poderemos reinvestir parte dessa receita em projetos que nos ajudem a contribuir mais para a sociedade. Precisamos olhar para além dos lucros e da eficiência e definir e comunicar claramente o papel que a Nestlé deseja desempenhar na comunidade em geral (por exemplo, no que diz respeito à sustentabilidade).

PL: E a sua experiência de trabalho com o Lean Institute Colombia?

MFA: O mais importante para nós é que a relação com o instituto não seja uma relação consultor-cliente. Não os vejo como consultores, mas como aliados que nos apoiam no nosso desenvolvimento e aprendizagem. O trabalho que estamos fazendo juntos está nos ajudando a enfrentar algumas das fraquezas do nosso sistema, e não a substituí-lo por um diferente.

Agradecemos aos nossos experientes líderes por tornarem esta transformação possível:

Mery Barbosa – Fábrica Bugalagrande, Dario Granda – Fábrica Cayambe, David Bolaños – Membro da equipe de Estratégia de Fabricação, Helver Ocampo – Fábrica de Bugalagrande, Augusto Maestre – Fábrica Valledupar, Juan Ortiz – Membro da equipe de Estratégia de Fabricação, Vanessa Arias – Fábrica Sur, Fabio Ñañez – Fábrica de Bugalagrande, Francisco Coy – Fábrica de Bugalagrande
Publicado em 20/04/2021

Autores

Fabio França
Vice-presidente técnico regional da T&P na Nestlé Colômbia Equador.
Maria Fernanda Avellaneda
Gerente de estratégia de manufatura da T&P na Nestlé Colômbia Equador.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal