ESTRATÉGIA E GESTÃO

Revelar "capacidades escondidas" pode evitar investimentos desnecessários

Flávio Augusto Picchi
Revelar "capacidades escondidas" pode evitar investimentos desnecessários
Neste momento de expectativa de retomada econômica, que esperamos se consolidar, é fundamental que revivamos a mentalidade lean

A economia deste ano pode reservar boas surpresas e desafios para as empresas.

Apesar de ter sido um período dos mais difíceis, 2020 teve uma surpreendente recuperação econômica no final do ano. Com isso, algumas empresas já retomaram o nível de atividade de um ano atrás, tendo ocorrido, inclusive, falta de matérias-primas em alguns setores.

Todos esperam que essa tendência continue em 2021, o que ainda é incerto, pelo recrudescimento da pandemia e pela constatação de que a vacinação em massa ainda deve demorar.

Muitos já projetam um cenário otimista, de crescimento, mas sabendo que será um ano, como o anterior, em que cada passo deverá ser avaliado e nada será linear. Em alguns casos, já se consideram planos de aumento de capacidade, o que geralmente significa elevados e arriscados investimentos.

O lean thinking, ou mentalidade enxuta, há muito tempo tem revelado que existem verdadeiras “empresas escondidas” dentro de cada companhia. A aplicação de conceitos e ferramentas lean nos faz pensar a gestão e os processos de forma diferente, resultando em aumentos expressivos de capacidade, praticamente sem investimentos.

Isso tem sido comprovado, por muitos anos, em ambientes de produção ou de serviços, onde ganhos de 30% de produção e vendas são conseguidos com frequência, utilizando os mesmos recursos de pessoas, equipamentos e espaço físico. Simplesmente eliminando desperdícios dos processos de trabalho e alinhando os fluxos para gerar valor aos clientes de forma mais direta.

Neste momento de expectativa de retomada econômica, que esperamos se consolidar, é fundamental que revivamos essa mentalidade. Para isso, apresento cinco sugestões que podem ser úteis nessa análise.

Realinhe seu negócio e produtos à nova realidade: a pandemia mudou muitos hábitos dos consumidores. Isso pode exigir uma total revisão da sua forma de fazer negócio, de seu portfólio de produtos, das formas de entrega e interação com os clientes. Antes de investir em processos e produtos que podem ter perdido sua atratividade, pense nas capacidades que serão necessárias para um posicionamento futuro, que pode não ser simplesmente ampliar o que vinha sendo feito.

Reveja seus processos eliminando os desperdícios: toda empresa tem inúmeros desperdícios escondidos em rotinas complicadas. Para que possamos eliminá-los, é preciso que todos na empresa diariamente analisem os processos administrativos, produtivos, logísticos etc., com método para enxergar o que agrega valor aos clientes ou não. Infelizmente, na crise, muitas empresas perderam essa capacidade, sendo urgente reavivar as competências de solução de problemas em todos os níveis.

Seja seletivo para investir de forma modular e sustentável: somente após eliminar parte significativa dos desperdícios será possível concluir se efetivamente serão necessários novos investimentos. Caso seja realmente necessário, pense em como investir em pontos específicos do fluxo de valor e de forma modular, de maneira que possa responder progressivamente a aumentos de demanda que efetivamente se sustentem.

Aumente a flexibilidade de sua cadeia de suprimentos: flexibilidade e adaptabilidade são palavras-chave para a mentalidade lean. Tanto internamente quanto em toda a cadeia de suprimentos. Agilizar a capacidade de resposta em parceria com fornecedores, através, por exemplo, de sistemas just-in-time, é decisivo em ambientes de incertezas e variações que continuaremos a enfrentar, cada vez mais.

Promova uma cultura de adaptabilidade para os piores cenários: em períodos de retomada econômica, é comum as empresas e pessoas “relaxarem” a postura de manter o “cinto apertado” desenvolvido nas crises. Tendem a entrar no modo “preciso de mais recursos”, usando os parâmetros dos “bons tempos”. É fundamental manter uma cultura de estar preparado sempre para os tempos piores. De questionar rigorosamente se eliminamos todo o desperdício que podemos, se pensamos fora da caixa e inovamos e simplificamos os processos, antes de alocar novos recursos. É essa cultura, promovida pela liderança, que vai garantir que a empresa resista e seja competitiva em futuros períodos de oscilações que sempre existirão e tendem a ser mais frequentes e profundos.

Portanto, se a sua organização enfrenta o “bom problema” de precisar se preparar para um aumento iminente de atividade, o que esperamos que ocorra o quanto antes, não caia na tentação típica de planejar de imediato novos investimentos, pois eles podem ser desnecessários. Pense antes em mudar a gestão e os processos, tornando a empresa mais lean.

*Flávio Picchi é presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp

Publicado em 04/02/2021

Autor

Flávio Augusto Picchi
Senior Advisor do Lean Institute Brasil