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Colocando o cliente no centro do serviço público

Eivind Reke, Lena Haugseth, Major Britt Karlsen e Kari Bjørnerud
Colocando o cliente no centro do serviço público
Esta história de uma aplicação lean no cuidado aos idosos em um bairro norueguês demonstra os grandes avanços que podem ser feitos para fornecer um melhor serviço aos cidadãos se suas necessidades se tornarem o foco do trabalho.

O distrito de Vestre Toten é o lar de um dos maiores pólos industriais da Noruega, localizado na cidade de Raufoss. Inspirado pelas empresas de lá, o diretor do distrito, Bjørn Fauchald, iniciou uma transformação lean em 2011 para lidar com os custos e déficits fora de controle.

A transformação começou nos centros de cuidados a idosos, que estavam oferecendo um número crescente de serviços com pouco financiamento extra. Os primeiros pilotos focaram no desenvolvimento das habilidades técnicas dos enfermeiros por meio de gestão visual e padronização e foram um sucesso retumbante: os centros de atendimento se tornaram capazes de prestar mais e melhores serviços com a mesma quantidade de recursos. Sua organização irmã – de serviços domiciliares, fornecendo cuidado a idosos para pessoas que vivem em casa – consistia em dois departamentos que começaram sua jornada lean em 2012 e 2016. Em 2018, eles finalmente se fundiram.

A major Britt Karlsen foi convidada para liderar a reorganização. Tendo anteriormente liderado uma virada lean com bons resultados na área de serviços, ela novamente voltou-se para o lean e começou a trabalhar em estreita colaboração com Kari Bjørnerud, uma das três coaches lean do distrito. Durante nossa visita a seus escritórios com uma equipe de alunos do programa de treinamento “Organização de Aprendizagem” de Los Norges, pudemos observar de perto seus sistemas de suporte obeya e os conselhos de gestão visual da equipe, entrevistar enfermeiras e outros profissionais de saúde e mergulhar profundamente na cultura de aprendizagem que estão tentando desenvolver. Tal como acontece com os centros de cuidados a idosos, cada vez mais responsabilidades e novas tarefas – que obviamente requerem novas competências – são transferidas dos hospitais para o departamento de cuidados domiciliares.

VISITANDO A OBEYA

Como parte de nossa visita ao gemba, também tivemos a chance de discutir a transformação em detalhes com a major Britt e com Kari. Uma das primeiras coisas que notamos foi como seu hoshin era claro, “leva lenge hjemme” – que significa “viva por muito tempo em casa”. Para o distrito, tal resultado deveria significar cidadãos mais felizes e serviços mais baratos (uma pessoa que fica em casa por um ano economiza cerca de NOK 600.000 por ano – cerca de € 60.000). Mesmo que as reduções de custo não pudessem ser alcançadas, entretanto, estava claro que o princípio lean de “colocar o cliente em primeiro lugar” era o foco do departamento. Mesmo com seus turnos repletos de trabalho de 7,5 horas, as equipes ainda reservam tempo para prestar serviços de alta qualidade aos idosos que moram em casa. No caso de uma anormalidade, desvio, problemas ou a pior das hipóteses, o problema é rapidamente postado no quadro de gestão visual e discutido na manhã seguinte. Se necessário, contramedidas apropriadas são introduzidas, e o aprendizado é compartilhado com os colegas.

As enfermeiras domiciliares, divididas em grupos de 25, trabalham em turnos, com subgrupos divididos de 5 a 6 pessoas e, claro, começam o dia com uma reunião diária em torno de seu quadro visual. Todas as manhãs, elas se reúnem com suas equipes para informar, organizar, coordenar e discutir os trabalhos a serem realizados naquele dia específico. Conforme mencionado, a reunião diária também lhes dá a oportunidade de levantar questões e destacar os desvios que ocorreram no dia anterior. Isso permite que as equipes acompanhem os clientes (pacientes) e os sistemas de apoio, compartilhem informações vitais e discutam e coordenem as necessidades específicas dos pacientes (por exemplo, quando, por qualquer motivo, alguém precisa de atenção especial na forma de medicação, uma consulta médica ou apenas um pouco de interação social).

O lean também ajudou na padronização de procedimentos de trabalho com foco na qualidade e previsibilidade para os pacientes. Por exemplo, foi descoberto um problema de variação na forma como o cuidado a feridas era realizado. Não havia um padrão acordado, com diferentes práticas e maneiras de concluir o trabalho levando a resultados diferentes. Como uma contramedida para esse problema, as equipes recorreram à clássica análise de divisão de tarefas e discutiram como o cuidado com as feridas deveria ser fornecido para garantir os melhores resultados possíveis sempre. Apoiadas pela enfermeira especialista da unidade, as equipes desenvolveram um procedimento padronizado para o tratamento de feridas, resultando em menos problemas e melhor atendimento aos pacientes. Em alguns casos, a hospitalização foi evitada.

UM DIA NA VIDA DOS TRABALHADORES

Para lhe dar uma ideia melhor de como o pensamento lean é aplicado no serviço de assistência domiciliar do distrito, veremos o que acontece desde o início do processo. Quando é tomada a decisão de prestar determinado tipo de atendimento a uma pessoa em casa, a primeira coisa que a equipe de atendimento domiciliar faz é validar essa decisão. Esse é o tipo certo de atendimento? Deve haver mais ou menos cuidados ou deve haver um tipo de cuidado totalmente diferente? Ao verdadeiro estilo lean, essa primeira avaliação é realizada na casa da pessoa que receberá os cuidados – bem no gemba. Uma vez satisfeita com a decisão, a equipe envolve o paciente no processo de planejamento e no estabelecimento de metas para o resultado do cuidado. Os processos padronizados permitem flexibilidade e ajustes individuais para garantir que a situação única de cada paciente seja levada em consideração.

Outro exemplo dessa abordagem centrada no paciente é a forma como as equipes trabalham sistematicamente com pacientes que precisam de reabilitação após operações ou acidentes – o que eles chamam de “reabilitação à vida normal”, ou seja, voltar ao normal. Nesses casos, eles usam os painéis da equipe para acompanhar o progresso de cada paciente individualmente. Eles rastreiam as coisas do dia a dia, como levantar de uma cadeira e ir ao banheiro por conta própria, pegar a correspondência, cozinhar ou limpar a casa. Acompanhando cada paciente de perto – eles até medem a velocidade de cicatrização com dados (mm / cm) e fotos –, as equipes podem fazer ajustes rapidamente se o progresso não for satisfatório e refletir sobre os motivos de ele não ser o esperado. Isso, por sua vez, permite que elas ajustem sua abordagem para casos futuros. Quando alguém tem algum sucesso com um paciente (por exemplo, quando um paciente prefere fazer xixi em uma bacia em vez de ir ao banheiro, mas a enfermeira consegue motivá-lo a usar o banheiro), isso é discutido e analisado entre os membros da equipe para entender melhor o que aconteceu, por que aconteceu e como as condições certas podem ser criadas para levar a mais momentos de sucesso.

Colocando o cliente no centro do serviço público

PARA CONCLUIR

O pensamento lean teve um impacto duradouro nos serviços domiciliares em Vestre Toten: as equipes têm uma estrutura melhor para apoiar seu trabalho, os pacientes precisam menos de enfermeiras do que antes, e o distrito aprendeu que as pessoas podem viver mais em casa quando a ênfase está nas suas necessidades, e não nas do distrito. Não há dúvida de que o maior impacto veio do desenvolvimento das pessoas. Desde que eles começaram a usar o lean, o conjunto de habilidades das equipes se tornou muito mais forte, o que levou a serviços de melhor qualidade. Além disso, o trabalho das enfermeiras domiciliares tornou-se mais interessante, pois agora elas conseguem realizar na casa do paciente procedimentos que antes eram considerados possíveis apenas no hospital.

O lean começa pelo cliente, e, nos serviços públicos, o cliente é quem recebe o serviço. Assim que começamos a colocar o atendimento ao paciente no centro de nosso trabalho, começamos a gerar benefícios para todas as partes envolvidas. As ferramentas lean existem para nos ensinar como tornar o trabalho mais fácil para o nosso pessoal da linha de frente, para que as pessoas possam fazer facilmente o que fazem de melhor – criar valor para os pacientes.

E, de fato, em Vestre Toten, o somatório das melhorias e alterações introduzidas também teve um efeito colateral notável: as pessoas na fase final da vida agora podem ficar em casa com um bom atendimento e apoio. Há apenas alguns anos, quando o foco era colocar as pessoas em centros de cuidados para idosos, isso era considerado utópico. Contudo, como sempre dizemos, o lean é conhecido por tornar possível o impossível.

Publicado em 09/11/2020

Autores

Eivind Reke
Autor lean e presidente da Los Norge.
Lena Haugseth
Membro do conselho de Los Norge.
Major Britt Karlsen
Distrito de Vestre Toten.
Kari Bjørnerud
Distrito de Vestre Toten.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal