ESTRATÉGIA E GESTÃO

Quem ensina os professores?

Recentemente, visitei uma fábrica que era basicamente uma oficina de usinagem (cerca de 20 prensas, furadeiras e tornos de diversas idades e modelos) com uma pequena unidade de montagem encravada no fundo da sala. Nessa unidade, a equipe lean local tinha trabalhado arduamente para implementar todas as ferramentas lean, melhorando a qualidade e a produtividade e eliminando os produtos em elaboração por meio da mudança para um fluxo de peça única. Eles ainda estavam tendo dificuldades com o suprimento regular com embalagens pequenas, que apresentava os problemas organizacionais normais de logística. Isso não era de todo mal, considerando-se o pânico geral com a possibilidade de queda de 20% nos volumes em relação à mesma época do ano anterior. Eles haviam conseguido reduzir o quadro funcional mais rapidamente do que a queda na demanda e sem traumatizar os operários, que haviam participado ativamente da “implementação lean”.

Isso, bem no meio de uma fábrica onde a maioria das máquinas paradas, operários visivelmente irritados, caixotes de peças semitrabalhadas, máquinas parcialmente desmontadas em meio a um serviço de manutenção apático – a verdadeira imagem dos antigos dias ruins na vida da fábrica. Aqui, pensei, posso ver a verdadeira fonte de nossas dificuldades com aprender o lean. O que a equipe lean havia feito era perfeitamente correto e também, provavelmente, completamente inútil para a empresa. Ela estava fazendo a coisa certa no lugar errado e da forma errada. Como sair desse buraco?

Há vários anos me espanto com a lentidão da implementação lean. Recentemente, ao discutir esse tópico com Orry Fiume, um genuíno herói lean, famoso pela Wiremold e autor da Lean Accounting (Contabilidade Enxuta), chegamos a questionar se o lean poderia ser efetivamente ensinado – o que, partindo de dois experientes instrutores lean, é bastante assustador. De forma geral, tais discussões giram em torno do fato de que poucos gerentes estão efetivamente praticando a mentalidade enxuta – carecendo de motivação e de persistência para ir até o fim. Mas e quanto a nós, instrutores? E quanto aos gurus e consultores? Qual é nossa parcela das dificuldades com a transformação lean? Talvez estejamos ensinando errado?

Com quinze anos de experimentação com a transformação lean, existem duas questões que continuam a me afligir quando trabalho com algumas pessoas em uma implementação ou outra:

1.   Estamos nos concentrando no problema certo?
2.   Estamos aplicando corretamente as ferramentas?

Concentração no problema certo é desenvolver a pessoa certa, em áreas onde a empresa pode obter um benefício imediato, melhorando, simultaneamente, sua posição estrutural – com efeito, levando suas práticas para mais perto de seu modelo de negócios. A aplicação correta da ferramenta é, obviamente, obter resultados, mas como parte de um ciclo PDCA, de forma que eles possam também aprender. No caso dessa fábrica, colocar a equipe lean para melhorar uma unidade de montagem quando a empresa estava inundada por estoques de peças fundidas e usinadas devido à pouca flexibilidade da ferramentaria e à baixa disponibilidade do maquinário não parecia ser o problema a ser solucionado naquele momento.

Mas em termos mais globais, como instrutores lean qual é o problema que estamos tentando solucionar? Sabemos o que os clientes desejam. Eles desejam que alguém chegue e implemente essas surpreendentes técnicas lean para que eles obtenham alguma melhoria nos custos ou no fluxo de caixa e possam voltar a seu trabalho. E, em grande medida, muitos instrutores e consultores lean sabem agora o suficiente para fazer isso. Mas esse é o problema correto?

Em seu sumário original de 1973 do Sistema Toyota de Produção (TPS), Taiichi Ohno o descreve (na tradução de Art Smalley, veterano da Toyota e autor lean) como: “O TPS é uma série de atividades relacionadas destinadas a eliminar desperdícios para reduzir custos, melhorar a qualidade e aumentar a produtividade". Ele não diz “O TPS é uma série de práticas recomendadas para atingir um bom nível de custos, qualidade e produtividade”. Com efeito, se levarmos essa definição ao pé da letra, o problema não é fazer com que uma equipe de especialistas implementem técnicas lean em linhas ou unidades de montagem, mas fazer com que o gerente encarregado de uma seção empregue um conjunto de atividades de forma a conseguir:

1.   Obter as melhorias, o que por si só é bom, mas, acima de tudo, comprova que ele entendeu o problema;
2.   Entender o que estava errado no processo e o que precisava ser corrigido;
3.   Envolver o pessoal que trabalha no processo na descoberta de uma solução.

Pense a respeito. Se você deseja que alguém aprenda cálculo, você não vai contratar um matemático para fazer os exercícios. Você vai ensinar pacientemente um pouco de teoria e então levá-lo a resolver exercícios sobre vazamentos em banheiras, trens em movimento, etc., até que ele saiba como resolvê-los sozinho. Você vai ensiná-lo.

Então, como deve ser um programa lean? Ele deve ser um programa de educação, onde cada gerente de linha de frente tem exercícios a resolver além de suas funções normais – exercícios específicos sobre como melhorar a segurança, qualidade, produtividade e flexibilidade nas áreas sob sua responsabilidade. Obviamente existem soluções genéricas (afinal de contas existe uma teoria lean e ninguém pretende reinventar a roda) e uma única restrição: nenhum investimento. Mas copiar técnicas detalhadas observadas em outros lugares não ajuda. As pessoas têm que descobrir sozinhas como solucionar esse problema típico e encontrar a solução específica para esse princípio geral exatamente na situação que estão enfrentando e com as pessoas de que dispõem. Eles não estão aprendendo a implementar lean, mas sim a solucionar problemas e desenvolver seu próprio espírito kaizen (e o de sua equipe).

E esses exercícios não são escolhidos ao acaso – eles devem ser importantes para o contexto dos negócios porque desejamos não apenas melhorar o desempenho mas também entender a melhoria. Como Ohno escreveu no mesmo sumário: “na solução de um problema o objetivo deve ser claro… no Kaizen ele precisa ser esclarecido.” É aqui que fazer lean sem um sensei pode ser complicado, porque muitas vezes são necessários longos anos de experiência para descobrir os pontos de alavancagem que gerarão resultados hoje e no futuro (por exemplo, descobrir que a produtividade é impulsionada pela precisão da logística exige alguns anos de falta dela – é difícil aprender isso sozinho).

É possível argumentar que esse mal-entendido é culpa da própria firma, porque não é isso que os clientes desejam. Eles querem alguém que faça a implementação por eles. É claro que eles querem, mas também porque, historicamente, o lean tem sido apresentado dessa forma. Em termos de resultados obtidos para seus “clientes”, o melhor consultor lean do mundo continua sendo a Toyota. Como fornecedora da Toyota, uma fábrica tem a probabilidade de ter produção por operário 14% maior, estoques 25% menores e 50% menos defeitos do que uma operação que forneça para os concorrentes da Toyota [1]. Claro, já que a Toyota provavelmente conhece as técnicas melhor que ninguém, mas, ao que me consta, ela nunca ensinou o que sabe. O que ela ensina a seus fornecedores é como solucionar seus próprios problemas e a fazer kaizen – não em um “evento kaizen” aleatório, mas de acordo com os princípios do TPS. Como Ohno o descreve: uma série de atividades relacionadas voltadas à eliminação de desperdícios.

Então nós, instrutores, consultores, professores e gurus lean estamos aqui dizendo aos clientes que eles devem praticar o hansei: dar um passo atrás e refletir. Mas e quanto a nós mesmos? Não deveríamos praticar o que pregamos? Fazer palestras é perfeito, mas seguir o caminho da Toyota é aceitar a responsabilidade mútua pelos problemas – então, qual é nossa parte na baixa taxa de adoção do lean? E como iremos kaizen isso? É claro que os clientes resistem à mudança, são lentos para mudar de mentalidade, etc. Mas e quanto aos próprios professores? Alguém precisa ter a coragem de dizer aos responsáveis por essa oficina de usinagem que ao invés de ter uma equipe completa de especialistas lean para criar uma unidade de montagem lean perfeita, eles devem focalizar igualmente o ensino de exercícios simples de auto-aprendizado a cada um de seus supervisores da linha de frente (começando com SMED) e ter um programa para coordenar isso. Algum candidato?
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[1] Iyer, A., S. Seshadri, R. Vasher, Toyota Supply Chain Management, 2009, McGraw Hill (ainda sem tradução em português)

Publicado em 21/07/2009

Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal