MANUFATURA

Isao Yoshino reflete sobre o papel da gestão na Toyota

Isao Yoshino e Catherine Chabiron
Nesta entrevista com Catherine Chabiron, o veterano da Toyota Isao Yoshino discute a NUMMI, a gestão da empresa e como mudar a mentalidade dos líderes.

Catherine Chabiron: Yoshino-san, você desempenhou um papel fundamental na aceleração da NUMMI, quando a Toyota entrou em uma joint venture com a GM em Fremont, Califórnia. Antes da produção ter começado em 1984, você liderou o programa de treinamento com o grupo americano e com líderes de equipe para mostrar como Toyota queria administrar a fábrica. Você os desenvolveu juntando-os com parceiros japoneses. Quais foram os principais aprendizados dessa experiência?

Isao Yoshino: Realmente começamos a partir de uma página em branco na época. Não tínhamos nenhuma experiência anterior administrando operações nos Estados Unidos, mas sabíamos que era necessário mudar a mentalidade da força de trabalho, que raramente viabilizava a gestão na linha de produção. Tanto a administração como a força de trabalho haviam desenvolvido tanta desconfiança mútua antes do fechamento da planta que a comunicação entre elas não passavam de barganhas e queixas.

Assim, a alta administração da NUMMI teve a ideia de levar todos os futuros líderes de grupo e equipe para nossa fábrica Takaoka em Nagoya. Pensamos que ajudá-los a enxergar seu trabalho por um ângulo diferente poderia criar as condições corretas na América. Na Toyota, acreditamos que são pessoas que fabricam carros, e não máquinas: se a administração cuida dos membros da equipe, os membros da equipe responderão de forma positiva. Isso se resume a nossa crença no respeito às pessoas, que também nos ensina que todos podem e devem contribuir para a melhoria contínua da linha.


"Nenhum problema é um problema"...


Outra ideia-chave que queríamos passar aos líderes americanos que trabalhariam na NUMMI era que os colaboradores da Toyota se orgulhavam de seu trabalho: todos no chão de fábrica compartilham a crença de que "nenhum problema é um problema" e que a linha deve ser interrompida toda vez que ocorre um problema. Essa foi uma grande mudança para nosso grupo americano e líderes de equipe, porque até então seus objetivos eram apenas a produção, e as questões de qualidade eram tratadas no final da linha. Na verdade, eles quase não acreditaram quando viram os colaboradores japoneses parando regularmente a linha!

Eventualmente, apesar de seus diferentes antecedentes e da dificuldade de comunicação (através de um inglês quebrado, de gestos e muitos apontares de dedos), os americanos aprenderam muito com seus colegas japoneses durante suas três semanas em Takaoka.

Por nosso lado, conseguimos confirmar que a natureza conflituosa do relacionamento estabelecido em Fremont entre trabalhadores e chefes não era um resultado de operadores opinativos ou de líderes sindicais agressivos. Em vez disso, ela decorria da abordagem da gestão. Nós, da Toyota, acreditávamos que poderíamos mudar as coisas na NUMMI.

CC: O que você aprendeu pessoalmente sobre gestão a partir dessa experiência?

IY: Ela abriu meus olhos para a importância de "mostrar respeito" aos membros da equipe. O que parecia bastante óbvio na Toyota estava obviamente faltando na General Motors em Fremont, o que ao longo do tempo levou a mal-entendidos, desafios e confrontos. Mostrar respeito cria um relacionamento positivo e construtivo entre colegas e colaboradores. Respeite os outros, e eles o respeitarão.


Você não pode mudar a mentalidade sem primeiro fazer as coisas de forma diferente


À medida que o treinamento avançava, eu podia sentir a mentalidade dos americanos mudando. Eu os visitava todas as noites depois que eles voltaram de Takaoka e jantava com eles. Em sua primeira semana de treinamento em sala de aula, eles pareciam muito duvidosos sobre as ideias que compartilhamos com eles – desde o sistema para parar a linha no caso de um problema ocorrer até a presença regular da gestão no gemba. Quando começaram a enxergar com seus próprios olhos, no entanto, eles começaram a mudar de ideia e decidiram que tentariam implementar esses princípios em casa. Ficou claro para eles que você não pode mudar a mentalidade sem primeiro fazer as coisas de forma diferente.

CC: Você tem outro exemplo de mudança de mentalidade fazendo as coisas de forma diferente?

IY: Quando estavam se preparando para começar as operações em Fremont, os colaboradores mudaram a forma como limpavam suas estações de trabalho. Até então, a limpeza era uma prerrogativa dos zeladores da fábrica. Nós, no entanto, recomendamos que os membros da equipe e os líderes de equipe limpassem suas próprias estações de trabalho – para aumentar o senso de propriedade e o orgulho no trabalho. Eles também assumiram tarefas leves de manutenção.

Tudo isso os ajudou a entender que precisavam prestar atenção a seu ambiente, o que, por sua vez, era uma excelente forma de garantir que os 5S e a melhoria contínua das operações se enraizassem.

CC: Poucos anos antes, entre 1979 e 1980, você também estava envolvido em um programa crucial para ajudar a reviver o espírito CTQ (Controle Total de Qualidade) entre os administradores e gerentes da Toyota – o programa KanPro, Kanri Noryoku. Pode contar-nos sobre isso?

IY: A indústria automotiva japonesa foi severamente atingida pela crise do petróleo de 1973. Mais de uma década havia se passado desde o ápice no uso do Controle Total de Qualidade no início da década de 1960, e a alta administração começou a notar que as pessoas ficavam cada vez menos entusiasmadas com isso. A Toyota decidiu que era a hora de reviver uma série de conceitos-chave de gestão: o hoshin da empresa em 1978, portanto, incluiu um item sobre "melhorar a capacidade de gestão dos gerentes em toda a empresa", liderado por Nemoto-San, diretor-gerente responsável pelo Controle de Qualidade.

O programa era direcionado a cerca de 2.000 líderes-chave da Toyota City. Cada líder deveria desenvolver seu próprio hoshin em formato A3, implementá-lo e fornecer feedback a cada seis meses na frente de seus gerentes.

O programa KanPro durou dois anos. Curiosamente, as capacidades que os gerentes esperavam desenvolver estavam relacionadas à avaliação de habilidades, a seu conhecimento e experiência e a sua capacidade de impulsionar a melhoria, apresentar ideias e planos, convencer os outros ou negociar.

CC: Assim como o PDCA, então – entenda, confirme a situação, atue sobre isso, convença outros atores, verifique seu entendimento, ajuste sua visão e planejamento. Você concordaria?

Isao Yoshino: Absolutamente. Nemoto-San fornecia treinamentos em grupo periodicamente a todos os gerentes. Ele focava, por exemplo, em coisas como "como transformar um círculo PDCA", "como fazer uma revisão", "como desenvolver metas", "como analisar resultados" ou "como desenvolver itens de implementação detalhados para atingir o objetivo". Ele ajudava as pessoas a refletir sobre seus itens prioritários enquanto gerentes (e insistia que eles deveriam manter o número desses itens no mínimo, para encorajar o foco e um pensamento mais profundo).

Ele também os ensinou a fazer apresentações fáceis de entender e objetivas em um formato A3. A ideia por trás disso era fazer com que os gerentes fizessem um "5Sing" sobre suas ideias a fim de registrar os principais dados e fatos.

CC: Como o programa KanPro acabou afetando os 2.000 gerentes envolvidos?

Isao Yoshino: Nemoto-San claramente encorajava aqueles gerentes que eram sinceros sobre suas provações e erros, que buscavam proativamente soluções, desenvolvendo seus subordinados. O programa KanPro reforçou claramente a cultura do PDCA, do hoshin kanri e do desenvolvimento de pessoas em toda a Toyota.

Além disso, os gerentes assistentes e os colaboradores da base, que haviam observado seus líderes lutando com a abordagem por dois anos, aprenderam muito - assim como se aprende assistindo a pessoas mais experientes em uma base diária. Logo, eles começaram a fazer o mesmo com suas próprias equipes.

CC: O que os maiores líderes da história da Toyota têm em comum não é apenas uma visão e a capacidade de antecipar as tendências do mercado. Eles também passaram suas vidas nas plantas e na proximidade dos produtos e estudaram os concorrentes da Toyota muito de perto. Você pode nos contar um pouco mais sobre as raízes culturais da Toyota? Em particular, de onde vem a ideia de genchi genbutsu – ir e ver?

Isao Yoshino: A Toyota Motor Corporation está localizada na parte ocidental da prefeitura de Aichi, chamada Mikawa, desde 1937. Mikawa é uma área montanhosa com um solo muito pobre, onde as pessoas trabalharam durante séculos apenas para ganhar a vida. Firmeza, paciência, diligência, humildade e honestidade são altamente valorizadas aqui. E tem sido assim há muito tempo: um dono de terras do século 16 de Mikawa, chamado Tokugawa Ieyasu, nos deixou alguns preceitos que ainda podem ser aplicados hoje na Toyota. Um deles nos ensina que "a vida é uma jornada longa com um pesado fardo" e nos encoraja a não nos apressar, preparando o caminho para nossa visão no longo prazo.

Outra citação de Tokugawa é assim: "Não ser suficiente é melhor do que ser demais". Essa era outra marca registrada nossa desde que o nome da empresa foi alterado de Toyoda (escrito com 10 traços) para Toyota (8 traços). A razão oficial para isso é que 8 é considerado um número de sorte. Na Toyota, gostamos de dizer que usar esse número garante que não pensemos estar no topo do mundo (nota 10). É muito melhor saber que ainda temos que melhorar do que acreditar que já sabemos tudo.

Uma citação final para você: "Se você só sabe o que precisa conquistar, mas não o que deve ser derrotado, você será ferido". Isso é muito forte na Toyota, onde uma busca frenética sobre quais causas criam quais efeitos e sobre o que precisamos aprender para poder avançar está completamente enraizada na cultura. Pode ser de onde o genchi genbutsu se deriva.

CC: Com base em sua experiência na Toyota, o que é necessário para um gerente ou líder ser considerado bom?


Antes de tudo, um bom líder é um bom ouvinte, e não um bom falador


IY: Antes de tudo, um bom líder é um bom ouvinte, e não um bom falador. Alguém que julgue as coisas por diferentes ângulos ao invés de um único fator. Alguém que enfatizará o processo mais do que o resultado, com a ideia de que um bom processo trará um bom resultado. Alguém que trata as pessoas de forma igualitária e é do tipo deixe-nos-encontrar-a-resposta em vez do tipo faça-o-que-eu-disse. Alguém que possa controlar seu temperamento e emoções, ser positivo e pró-ativo, em vez de ter excesso de cautela.

CC: Você se aposentou da empresa e ensina a cultura da Toyota a estudantes em Nagoya. Como você os convence de que os princípios de gestão da Toyota, que datam do século passado, se aplicam ao mundo atual?

Isao Yoshino: Eu tenho ensinado na Universidade de Nagoya Gakuin pelos últimos 10 anos e notei rapidamente que a maioria de meus alunos não tem metas claras para suas vidas. Eles frequentemente vêm a meu escritório para obter ajuda. Minha primeira pergunta para eles é sempre: "Você está feliz com o que está fazendo agora?". Sua resposta é algo assim: "Hmm... Não sei. Talvez não. Não posso esperar muito da vida universitária". Isso, acredito, é um problema sério.

Eu me perguntava o que fazer por meus alunos. Eu os escuto cuidadosamente para descobrir quais são as coisas que os incomodam e ajudá-los a descobrir seus próprios pontos fortes e fracos. Surpreendentemente, eles não foram treinados para refletir sobre isso. Então, eu os ajudo a definir seus próprios objetivos pessoais e o que querem da vida universitária. Se estiverem dispostos, ensino-lhes o conceito de hoshin kanri que usamos na Toyota e mostramos meu próprio hoshin pessoal, que continuo a atualizar. Aprender, melhorar e convencer os outros a avançar é um processo sem fim.

Desenvolver a capacidade de pensar e refletir de meus alunos exige muito tempo, energia e paciência, mas vale a pena fazer. Os princípios da Toyota ajudam muito com isso.

CC: Uma última pergunta. Por que você continua atualizando um documento hoshin para seus próprios objetivos? O que você pode dizer a nossos leitores sobre os benefícios do hoshin?

Isao Yoshino: A resposta é simples. O hoshin foi originalmente desenvolvido para ajudar as empresas a crescer, mas seus conceitos também podem ser aplicados confortavelmente na vida de um indivíduo.

Os alunos vêm ao meu escritório quase todos os dias para obter ajuda sobre seus estudos ou seus próprios problemas pessoais. Não há uma solução fácil, pois cada problema é diferente e não pode ser resolvido no local. Isso exige muita discussão e análise. Eu uso etapas de resolução de problemas para ajudar meus alunos a se tornarem mais confiantes em sua capacidade de resolver problemas.

Então, adicionei em meu próprio hoshin pessoal a necessidade de ajudar esses alunos a entender sua própria situação, buscar as causas profundas dos problemas, definir metas e acompanhar regularmente. Fazer isso me ensinou muito sobre a eficiência de meu próprio treinamento. Claramente, o hoshin me ajuda a refletir sobre minhas próprias capacidades e a desenvolver continuamente meu conjunto de habilidades.

Publicado em 11/05/2018

Autores

Isao Yoshino
Líder Toyota com 40 anos de experiência, ex-gerente de treinamento da NUMMI e trabalhou em pesquisa, planejamento corporativo e controle de produção.
Catherine Chabiron
Autora lean e membro do Institut Lean France.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal