MANUFATURA

Womack sobre como o lean mudou a linha de produção para sempre

James Womack
YOKOTEN DE WOMACK – Neste mês, o autor analisa a linha de produção, uma ideia centenária que ainda nos fascina, refletindo sobre como o pensamento lean a mudou.

Neste mês estou fazendo algo que nunca faço: tirar férias, e ainda por cima em uma área remota da Nova Zelândia. Isso me deixa sem a experiência no gemba de que preciso para minha coluna. Por isso, fiquei muito feliz quando - no meu PC em meu chalé - encontrei clipes no YouTube sobre uma nova linha de montagem móvel para locomotivas que a General Electric acaba de lançar em sua fábrica em Contagem, no Brasil, e outros clipes sobre como a Tesla, na Califórnia, está se preparando para mudar sua linha de montagem, que não terá mais trabalhadores. Isso me fez pensar de novo sobre uma ideia antiga - a linha de montagem.

A ideia de mover produtos por uma linha de trabalhadores e estações de produção (daí, “a linha”) tem sido uma das imagens mais icônicas da história industrial, empresarial e social nos 104 anos desde que Henry Ford alinhou o primeiro Modelo T em Highland Park, Michigan. Durante esse tempo, a alegada "tirania monótona" da linha foi frequentemente atacada (Charlie Chaplin nos anos 1930 e "blue collar blues" nos anos 60). Mas a perda dos (mesmos) empregos de altos salários na linha sempre foi lamentada - em todas as recessões, nos Estados Unidos e na Europa, mesmo em tempos de prosperidade desde a década de 1990. E as linhas automatizadas que eliminam todo o “trabalho manual” têm sido frequentemente previstas, com entusiasmo sobre ganhos de produtividade e ansiedade sobre perdas de emprego (começando nos EUA em 1958 com a introdução do primeiro robô da General Motors). No entanto, a ideia da linha de produção, com ou sem humanos, continua surgindo depois de mais de um século, hoje como uma linha de locomotivas a diesel de baixa velocidade, baixo volume e alta mistura de produtos e como uma prospectiva linha de velocidade alta sem trabalho manual (por isso, “autônoma”) para o Modelo 3 (com um veículo alinhado a cada 20 segundos, em comparação com o habitual 60).


Como pensadores lean, o que podemos fazer com esse ícone hoje e no futuro?


O primeiro ponto é que muitas pessoas têm “trabalhado na linha” há muito tempo, tanto os funcionários da linha de frente para montar o produto quanto os engenheiros industriais, trabalhando para descobrir maneiras de tornar a linha mais produtiva, com maior qualidade e (às vezes) mais humana. A linha de Henry, embora parecesse madura no início, ficou apenas no começo, devido à falta de ciclos de feedback para a qualidade e melhoria do trabalho, à obsessão com o tempo de atividade e à velocidade da linha (levando os gerentes a todos os lugares para "alinhar" produtos defeituosos e manter a linha funcionando de forma constante para atingir seu KPI), e a incapacidade de montar um amplo mix de produtos de acordo com à demanda do cliente.

Quando comecei a observar as linhas de montagem por volta de 1980, mais de 60 anos após a descoberta de Henry, a maioria ainda era gerenciada com o objetivo de produzir primeiro com qualidade adicionada nas áreas de retrabalho estacionárias no final da linha. Todo o aprimoramento era feito por equipes de engenheiros industriais e de manufatura, muitas vezes depois que a necessidade de melhoria era descoberta. E a maioria só conseguia lidar com um tipo de produto de cada vez, em lotes longos.

A Toyota começou a mudar esse pensamento nas décadas de 1950 e 1960 com uma pequena equipe e um líder de equipe (em vez de uma pessoa controlando 20 ou 30 outras), com “qualidade em primeiro lugar”, parando a linha conforme necessário, com a linha de modelo misto para montar uma variedade de produtos na mesma linha ao mesmo tempo e com kaizen para lidar com os impedimentos à produtividade e para aliviar as “lutas” dos trabalhadores para fazer um bom trabalho de forma humana.

Igualmente interessante e importante, a Toyota também foi líder na década de 1960 ao aplicar a ideia da linha de montagem em fluxo contínuo a processos de fabricação de componentes que eram antes realizados em vilas de processo com muitas transferências de material e grandes perdas de tempo entre etapas. Incentivando essa transição em suas empresas fornecedoras, a Toyota insistiu em começar com uma “linha modelo” (embora ela não tivesse uma linha de montagem tradicional) para uma única família de produtos com o conceito de “fluxo de uma só peça” e tempo takt. como o substituto para a função de ritmo da linha tradicional. E, em muitos casos, os consultores da Toyota pediram que os fornecedores eliminassem totalmente as linhas de montagem de componentes. No lugar, eles fariam as etapas finais de montagem para cada família de produtos em uma “célula” (que é na verdade uma linha em forma de u), onde a fabricação de peças também ocorria utilizando o fluxo de uma só peça. Assim, as “linhas modelo” eram frequentemente células que eliminavam as linhas de montagem tradicionais.


A grande contribuição da comunidade lean tem sido a de aplicar o conceito de linha móvel e de fluxo de uma só peça a praticamente todos os processos de criação de valor


Nos últimos 20 anos, a grande contribuição da comunidade lean tem sido a de aplicar o conceito de linha móvel e de fluxo de uma só peça a praticamente todos os processos de criação de valor, muitos distantes da indústria automobilística: fluxo de pacientes, saúde, processamento de documentos em serviços financeiros, escrita de software para aplicativos etc.

O resumo é que as melhores práticas da atualidade é a culminação de mais de um século de pensamento e experimentação. Tanto a inovação quanto a disseminação (yokoten) têm sido um processo demorado.

O segundo ponto-chave sobre a linha é que ela continua sendo uma ideia de negócios poderosa porque foca nossas mentes na velocidade, o que nos dá lead times menores, que, por sua vez, podem significar uma redução drástica nos estoques. Mas, para que uma linha realmente atinja esses objetivos de negócio, pessoas, métodos, máquinas e materiais (os 4Ms) devem estar bem sincronizados. Uma linha é uma conquista técnica, mas também é um fenômeno sócio-técnico. E isso é verdade seja ela em maior parte manual ou mesmo totalmente automatizada.


O trabalho deve ser padronizado e repetido dentro do tempo takt, as pessoas devem estar envolvidas, o equipamento deve funcionar, e os materiais devem chegar dos fornecedores em boas condições, na hora certa e na quantidade certa


Isso significa que o trabalho deve ser padronizado e repetido dentro do tempo takt, as pessoas devem estar envolvidas na melhoria contínua (as que fazem trabalho manual, os gerentes da linha de frente e os engenheiros) para evitar que o desempenho se deteriore, o equipamento deve funcionar corretamente em todos os ciclos (porque as linhas exigem que tudo funcione, ou nada progride), e os materiais devem chegar dos fornecedores em boas condições, na hora certa e na quantidade certa. Se essas condições não forem atendidas, a linha de alta velocidade, alta qualidade, alto rendimento e baixo custo torna-se a linha de qualidade por retrabalho, com menor rendimento e alto custo. Na década de 1980, na NUMMI, os gerentes da GM e os gerentes da Toyota operavam linhas de montagem fazendo exatamente as mesmas coisas. Mas, devido à superioridade em cada um dos 4Ms e um foco constante nos aspectos sociais da produção, a linha gerenciada pela Toyota tinha uma qualidade muito maior a um custo muito menor com tempos de entrega muito mais curtos do que a linha da GM fazendo o mesmo trabalho na mesma instalação.

Em essência, prestar atenção apenas nos aspectos técnicos da linha geralmente resulta em desapontamento ou até mesmo em falência.

Um terceiro ponto, olhando para o futuro, é que os níveis mais altos de automação realmente exigem níveis mais altos de colaboração social entre gerentes e engenheiros, geralmente trabalhando em diferentes empresas. A ideia em todas as épocas parece ser que a automação elimina a necessidade de transparência e colaboração entre os antiquados objetos que chamamos de seres humanos. O resultado é que as coisas misteriosamente não funcionam, e são necessárias enormes quantidades de retrabalho no design da linha, necessitando de hardware e software para que ela funcione, até o ponto em que a empresa precisa de mudanças, onde o ciclo começa novamente.

Por fim, olhando para o futuro, a linha, enquanto conceito e realidade, não vai desaparecer. A atual tecno-fantasia da manufatura aditiva (3D) é que produtos inteiros possam ser impressos do zero em uma estação de trabalho, em vez de mover os produtos por linhas para a montagem sequencial de componentes. Isso soa legal e é organizacionalmente simples, mas pense em um processo de fabricação aditivo para construir um carro, por exemplo, a partir do zero em um lugar, moldando metais e pneus, colocando vidro etc. Isso pode acabar acontecendo um dia, mas não em nosso tempo de vida, mesmo para o leitor adolescente!

Dito isso, não romantizo a linha. As linhas com seres humanos com as melhores práticas atuais, com equipes de apoio, rotatividade de cargos, oportunidades periódicas de kaizen para facilitar o trabalho e progressões de carreira para os líderes e supervisores da equipe são um avanço dramático em comparação à linha "abaixe a cabeça e trabalhe" de 1914 de Henry. Elas não são ruins, mas não são o estado ideal também. No longo prazo, os seres humanos podem fazer coisas melhores do que colocar porcas em parafusos, e fico ansioso pela linha livre de trabalho manual, desde que seja feita da maneira certa e para o propósito certo.


Vamos trabalhar na linha como colaboradores da linha de frente, líderes de equipe, gerentes e engenheiros por um longo tempo no futuro


Para resumir, vamos trabalhar na linha como colaboradores da linha de frente, líderes de equipe, gerentes e engenheiros por um longo tempo no futuro. Nosso trabalho enquanto comunidade lean está longe de terminar. O desafio agora é elevar todas as linhas ao nível das melhores práticas atuais e aplicar a ideia em cada tipo de atividade criadora de valor, onde ela pode ser útil, mesmo quando buscamos melhorar as melhores práticas por meio da experimentação.

Publicado em 03/05/2018

Autor

James Womack
Fundador e consultor sênior do Lean Enterprise Institute.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal