POLÍTICA

Como seria o comércio lean?

James Womack

YOKOTEN DE WOMACK – Com as próximas negociações sobre a saída da Grã-Bretanha da União Europeia e a postura protecionista da nova administração estadunidense, o comércio entrou novamente nas manchetes. Mas como seria o comércio em um mundo de organizações lean?

O mundo de hoje está cheio de amargura sobre as regras comerciais: livre comércio, comércio justo, comércio controlado ou até autarquia (o último significa autossuficiência com pouco ou nenhum comércio, o que é adotado apenas pela Coreia do Norte no momento, mas nunca se sabe). E é evidente que a quantidade de empregos perdidos nas últimas décadas, devido a mudanças transnacionais de produção para países com mão de obra mais barata, tem sido um grande problema da política nacional em economias mais avançadas. Então, o comércio transnacional pode ser, agora, significativamente reprimido.

Enquanto o debate sobre as regras comerciais continua, tenho pensado recentemente sobre o comércio pela perspectiva oposta: como seriam os padrões comerciais – mesmo em um mundo onde não existam barreiras comerciais – se todas as empresas fossem lean? Ou, de forma mais simples, o que uma verdadeira empresa lean pensa sobre o comércio? Na coluna deste mês, eu gostaria de compartilhar minha conclusão.

As empresas lean querem, em primeiro lugar, solucionar os problemas de seus clientes ao oferecer-lhes o maior valor a preços aceitáveis. Isso significa que eles querem evitar a competição com produtos básicos (que sempre serão focados no preço e nunca customizados para os desejos específicos do cliente) ao adaptar sua oferta para o que os clientes querem no tempo certo. Esse desejo tem uma consequência importante: as empresas lean precisam alocar a produção para o mais próximo possível dos clientes a fim de reduzir os lead times e ganhar feedback rápido, o que, idealmente, significa alocar e sustentar a produção em áreas de mão de obra cara, que ficam próximas aos clientes. Por isso, as empresas lean não gostam de produzir em outros países. A distância é um tipo de muda.

Mesmo as empresas mais lean, entretanto, não podem ignorar a realidade da diferença que atualmente existe entre países de mão de obra baixa e alta. Então, para manter a produção próxima ao cliente em mercados de mão de obra cara, eles se esforçam para aplicar e sustentar o pensamento lean em todas as atividades de criação de valor, para introduzir o fluxo sempre que possível e puxar em vez de empurrar. Isso também significa empregar o desenvolvimento lean de produtos e processos para oferecer mais produtos criativos com maior refinamento a menores custos de desenvolvimento, para que os preços de venda possam subir (porque os produtos oferecem mais valor para os clientes) enquanto os custos de produção caem.

Em alguns casos, as diferenças de mão de obra são tão grandes que é impraticável fabricar produtos com conteúdo significativo de trabalho em um mercado de mão de obra cara. Então, os produtores lean podem precisar mudar a produção para um local de mão de obra mais barata, mas, se possível, ainda dentro da região das vendas. Caminhões para envios dentro da mesma região são muito rápidos e baratos, enquanto contêineres para envios internacionais são baratos, mas muito lentos, e aviões são rápidos, mas muito caros. Para a maioria dos produtos cujo lead time seja curto e a mão de obra, uma grande fração dos custos totais, fazer o transporte a partir da mesma região da venda é ideal.

Mudar a produção para mais longe do cliente nunca é desejável, mas não é tão ruim para o país que está perdendo empregos se o crescimento de uma economia vizinha de mão de obra barata crescer por causa do aumento na manufatura. Isso resultará em importação do vizinho de mão de obra cara (criando novos empregos) e o fluxo de imigrantes dos países de mão de obra barata para o de mão de obra cara provavelmente diminuirá, como vem acontecendo com o México desde 2008, com a imigração líquida (pessoas saindo subtraídas das pessoas entrando) alcançando a marca zero (a tragédia do acordo da NAFTA, que aconselhei ao governo mexicano, foi o fracasso da economia mexicana para crescer nos quinze anos subsequentes a 1992. A estagnação econômica contínua não conseguiu atrair as importações e empurrou a onda de imigração em busca de empregos, que havia começado décadas atrás e continuado até a grande recessão).

Por fim, as empresas lean, que sobrevivem e florescem ao melhorar continuamente e até mesmo transformar drasticamente todas as cadeias de valor, fazem isso engajando e desenvolvendo continuamente todos os colaboradores. Isso significa que eles assumem um compromisso com seus colaboradores em regiões de mão de obra cara e enfrentam pressões de custo para continuar com eles até que todas as melhorias possíveis na oferta, no projeto e nos métodos de produção do produto sejam tentadas. A Toyota, a garota-propaganda do lean, nunca passou por uma demissão em massa no Japão após a solicitação de terceirização que governos europeus e estadunidense fizeram nos anos 80. E nem um colaborador sequer foi demitido em nenhum lugar do mundo durante a crise de qualidade da Toyota de 2010 (a única exceção à política de não demitir da Toyota nos últimos 60 anos aconteceu na Austrália, onde todos os montadores automotivos saíram na última década, com a Toyota sendo a empresa que os segurou por mais tempo até que a base de suprimentos que havia servido os outros montadores também desaparecessem).

Em resumo, as empresas lean aplicam os princípios básicos do pensamento lean: especificar o valor corretamente, identificar a cadeia de valor para cada produto, fazer os produtos fluírem contínua e suavemente do início ao fim sempre que possível, introduzir a puxada para substituir o sistema empurrado quando o fluxo não for possível e buscar a perfeição. Por virtude de seu trabalho duro para aplicar os métodos lean, eles sentem menos necessidade de mover os locais de produção por causa do fator mutável dos custos (trabalho, energia, matéria-prima etc.). Esses princípios não mudaram desde que Dan Jones e eu os descrevemos há 20 anos em “A Mentalidade Enxuta nas Empresas”.

O que eu tenho discutido é o padrão comercial de um mundo de empresas lean. Mas o mundo real está cheio de empresas de produção em massa com gerentes modernos. Esses gerentes normalmente acreditam no livre comércio como uma proposição filosófica. Mas eles calculam corretamente o custo total de bens adquiridos, pensando nos benefícios da terceirização como sendo muito superiores do que são (se eles tivessem feito a “matemática lean”, saberiam que a transferência da produção do mercado estadunidense para a China dificilmente conseguiu economizar muito dinheiro). E eles não aplicam os princípios lean a seus sistemas de produção, quando poderiam economizar muito e servir seus clientes melhor no local onde eles estão, com pouco ou nenhum gasto necessário para automação (a outra forma de lidar com mão de obra cara). Além disso, eles não têm lealdade a seus colaboradores, que estão votando em massa em políticos que são contra o comércio.

Deixe-me citar um exemplo para mostrar que esse processo atrasado de pensar ainda está vivo e causando problemas: recentemente, visitei uma empresa de manufatura estadunidense que estava muito atrás no quesito de atualizar seus produtos às mudanças. Como resultado, ela competia com produtos básicos, e seu volume por linha de produtos estava caindo, desfazendo a vantagem de custo que tinha com seu equipamento de produção em massa. Agora, ela está planejando abandonar seu local atual de mão de obra cara e conduzir operações de baixo volume e alta variedade de que precisa em regiões de mão de obra barata. Ainda assim, os gerentes não fizeram nenhum cálculo do custo total do produto no novo local, não pensou em aplicar as práticas lean ao sistema de produção de baixo volume e alta variedade que é, agora, necessário em seu local atual e não tem lealdade aos colaboradores, que são tratados como custos em vez de ativos capazes de ajudar o empregador a melhorar continuamente sua posição competitiva.

A consequência de um comportamento assim em economias avançadas nos últimos 20 anos é um debate político no qual até o comércio vantajoso para todos é ameaçado. Como vejo, um comportamento gerencial ruim criou uma repercussão que ameaça a ideologia de livre comércio dos gerentes. Então, obrigado, gerentes modernos. Espero que isso tudo funcione no final, mas temo que algo diferente aconteça.

Se o comércio for contido, e a produção, trazida de volta a economias de mão de obra cara, mas sem mudar a postura com o cliente e sem melhorar as práticas produtivas inferiores que eram aplicadas antes da terceirização, veremos altas taxas de inflação (o que prejudica colaboradores de baixo salário mais do que profissionais de alto salário) e mais empregos, mas com menores salários até que as fábricas de produção em massa aprendam como substituir capital por trabalho através da automatização. Um situação ruim para todos.

É isso que devemos fazer: aplicar o pensamento lean para reduzir os fluxos internacionais desnecessários de bens e tratar os colaboradores com respeito, como parceiros na melhoria do negócio. As políticas comerciais, então, cuidarão de si mesmas.

Publicado em 10/04/2017

Autor

James Womack
Fundador e consultor sênior do Lean Enterprise Institute.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal