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Jonh Shook: Por que o lean continua prosperando?

John Shook

ENTREVISTA – Nesta entrevista de leitura obrigatória, nosso editor se senta com o guru lean John Shook para discutir o significado de fracasso, a natureza da inovação e a resiliência de nosso movimento.

Roberto Priolo: O que tem mantido o lean relevante por tanto tempo enquanto tantas outras metodologias de melhoria praticamente desaparecem?

John Shook: Quando avaliamos o estado do lean 20 anos depois de Womack e Jones falarem pela primeira vez sobre isso em seu influente livro “A Mentalidade Enxuta nas Empresas”, ele certamente ainda parece estar prosperando.

Podemos chegar a várias hipóteses sobre o porquê, mas acredito que o ponto mais importante é que o lean é mais do que apenas uma metodologia de melhoria, como a reengenharia de processos de negócios ou seis sigma, ou uma coleção de ferramentas. Lean é uma maneira profunda e alternativa de pensar que podemos usar para abordar qualquer esforço humano, com base em questões que se aplicam a qualquer tipo de trabalho. Em virtude disso, é algo que está muito vivo.

As ferramentas que outras metodologias de melhoria têm apresentado podem ser compatíveis com um sistema lean – podemos ser bastante agnósticos sobre as ferramentas – contanto que elas contenham um meio de lidar com os problemas que as pessoas precisam resolver e a propriedade desses problemas.

As metodologias vão e vêm, mas sempre haverá problemas a serem resolvidos, trabalhos a serem feitos e valor a ser criado – e é por isso que o pensamento lean continuará prosperando.

RP: Na verdade, o lean continua a crescer, e vemos exemplos disso em todo lugar que olhamos atualmente. No entanto, também é verdade que muitas vezes ele falha – algo que muitos críticos nos pedem para reconhecer. Qual sua resposta para isso?

JS: A mudança é tudo que nos rodeia. É inevitável. Podemos optar por influenciá-la de várias maneiras, a fim de trazer à realidade a versão que desejamos ver. Aproveitar a mudança significa entender suas nuances, seu ritmo, seus picos e depressões e aprender com elas. É crítico que continuemos a estudar os fatores de sucesso do lean e de seus modos de falha, porque há um grande aprendizado neles.

Vale a pena notar, no entanto, que à medida que nos afastamos de uma mentalidade de implementação em uma mentalidade de experimentação, o significado de fracasso e sucesso muda. Pessoas executam experimentos para preencher a lacuna entre onde eles estão e onde eles querem estar. Às vezes excedem seu objetivo; às vezes ficam aquém. O que mais importa, no entanto, não é o rótulo que nos atém aos resultados de sua experiência, mas a reflexão que a segue. Se estruturarmos bem essa reflexão, haverá sempre alguma aprendizagem.

Digamos que uma empresa previu uma melhoria de 100% na produtividade, e só alcançou 80%: é mais importante determinar se é ou não uma falha ou aprender por que as coisas aconteceram de certa maneira e o que podem fazer na próxima vez para conseguir um resultado ainda melhor?

Tendemos a esquecer que a ciência e os experimentos não são sobre como fazer as coisas funcionarem com base no que já sabemos, mas sobre descobrir por que elas não funcionam.  Sempre amei a citação de Thomas Edison: “Eu não falhei. Acabei de encontrar 10.000 maneiras que não funcionam”. É um sentimento maravilhoso. Se abordarmos nosso trabalho em termos de encontrar o que não funciona, toda nossa atitude muda.

Quando as pessoas experimentam constantemente, haverá “falhas”. Mas, se essas falhas forem seguidas de reflexão, haverá também aprendizagem.

Ao longo dos anos, algumas empresas de consultoria tentaram vender a ideia de que apenas 3-4% das transformações lean são bem-sucedidas, mas como isso é útil? Claro, precisamos reconhecer os modos de falha, mas, se começarmos a ver nosso trabalho lean como experiências para entender a lacuna e aprender com o que deu errado para criar o que Al Ward chama de “conhecimento reutilizável”, o significado de falha muda.

RP: Outro argumento comum entre os críticos do lean é que o movimento não tem sido capaz de encontrar seu segundo “garoto propaganda”. É realmente importante que encontremos a “nova Toyota”?

JS: Não há dúvida de que a Toyota sempre terá insights importantes para nós, mas nós temos que encontrar esse segundo “garoto-propaganda”? Não me preocupo muito com isso. O que queremos encontrar, em vez disso, é cada vez mais empresas que podem ser modelos de referência úteis para nós como uma comunidade. E já temos muitos!

Recentemente, falei no Lean Summit Europeu em Barcelona, e havia tantas organizações inspiradoras lá. Uma delas foi a Spotify, que tem sido admirada e copiada por muitos nos últimos anos pela maneira como gerencia seu crescimento e por sua abordagem de “liderança servidora”. De fato, podemos aprender muito com eles e, mesmo não sabendo quão impactantes ou duradouras serão essas lições, eu definitivamente vejo seu trabalho como uma nova manifestação de algumas das lições lean “tradicionais” aplicadas em um ambiente diferente.

No Summit, também ouvimos a 365.cafe, uma cadeia de padarias de 15 anos de idade em Barcelona que tem experimentado um crescimento muito rápido graças ao pensamento lean. O que eles puseram em prática é admirável, e é o tipo de coisas que deve inspirar os outros. Mais uma vez, não sabemos onde tudo isso vai dar, mas tudo o que vi lá é absolutamente compatível com o que aprendemos sobre lean durante as últimas duas décadas e meia.

Há muitas maneiras pelas quais percebemos o sucesso. Um aspecto do sucesso é, certamente, a longevidade (se a Toyota tivesse feito apenas o que fizeram durante 10 anos, não estaríamos falando sobre ela nos mesmos termos), mas há mais do que isso: às vezes, também precisamos olhar para as profundas lições que algumas dessas organizações podem nos ensinar. É assim que nos tornamos mais abertos a companhias como Spotify ou 365.

Outra questão que me ocorre quando falamos em encontrar outra Toyota é esta: estamos mais interessados nas mudanças das organizações ou dos indivíduos? Eu adoraria ver um mapa de calor histórico longitudinal de como as pessoas se movem dentro da comunidade lean, talvez começando na Toyota ou Wiremold e, em seguida, levando o que eles aprenderam a outro lugar. Seria tão interessante ver como esse movimento começou: entender como as ideias lean saem e vão para lugares diferentes é mais importante para mim do que encontrar a próxima Toyota.

RP: O mundo inteiro parece estar falando de “inovação” nos dias de hoje… como o lean aborda a inovação em comparação a outros movimentos, como o Lean Startup? Estamos atrasados para o jogo?

JS: Como inovação, o pensamento lean surgiu há 25 anos no chão de fábrica, em resposta ao grande problema que precisávamos resolver naquela época: o fraco desempenho das empresas industriais. Mais tarde, começamos a vê-lo como um sistema para toda a empresa (embora a abordagem da Toyota fosse holística desde o início, abrangendo fabricação, vendas e desenvolvimento de produtos). Então, há cerca de 10 anos, um número de empresários (especialmente na Califórnia) começou o que veio a ser conhecido como o movimento Lean Startup.

O que muitas vezes não conseguimos enxergar é que esse movimento faz parte da comunidade lean. Eles encontraram um processo para a execução de experimentos sobre as necessidades dos clientes e uma maneira de aplicar o pensamento lean em ambientes de rápido movimento caracterizado por altos níveis de incerteza. Mas seu método, que eles chamam de Projeto-Construção-Medida, é 100% PDCA – reformulado para aplicar a um cenário muito diferente.

Nosso movimento tem visto uma inovação incremental o tempo todo, mesmo que, por muitos anos, tenhamos apenas pensado na produção lean porque a produtividade era uma questão mais proeminente na época. Na realidade, o pensamento lean e o Lean Startup resultam da mesma necessidade de compreender o trabalho e proporcionar mais valor ao cliente.

É um equívoco comum vê-los como entidades separadas: startups em todo o mundo, desde a Silicon Valley até a Tel Aviv, de Cambridge até Barcelona, estão criando a inovação que percebemos como “avanço” – experimentei recentemente um par de óculos da mais recente realidade virtual para que eu pudesse entender por que percebemos isso – quando na realidade não é. Muito parecido com um dispositivo que facilita o trabalho na linha de produção, o aplicativo ou gadget mais legal também é o resultado de pequenas inovações incrementais ao longo de muitos anos.

Com isso em mente, é fácil ver como a gênese dos dois movimentos é a mesma – o PDCA – e por que ambos são partes legítimas da comunidade em geral.

Então, estamos nós, pessoas lean, atrasados para o jogo? Acho que não, mesmo que seja verdade que muitos pensadores lean mais “tradicionais” tenham focado no chão de fábrica por muito tempo. Uma vez que aprendemos a olhar para além dele e estar abertos a outras formas de inovação, descobrimos que a Startup Lean realmente fala sobre as mesmas coisas. E agora estamos vendo uma junção dessas duas abordagens em ambientes como LPPD – Desenvolvimento Lean de Produtos e Processos – com sua engenharia concorrente set-based muito efetiva, por exemplo.

RP: Quais são os maiores desafios para o movimento lean agora?

JS: Antes de tudo, o desafio que não vai embora: a tendência humana de copiar e colar as “melhores práticas”. Já caímos na armadilha de copiar cegamente o que a Toyota faz – e aprendemos que isso não leva a lugar nenhum – por isso devemos permanecer vigilantes para garantir que isso não aconteça novamente. Ferramentas não são importantes; o PDCA e a aprendizagem são.

Em segundo lugar, o pensamento lean tem muito mais profundidade do que se percebe a olho nu. É muito fácil banalizá-lo. Ao nos concentrar apenas nas ferramentas, nós próprios fomos culpados disso no passado. Como consequência, as empresas têm feito o trabalho fácil de implementar as técnicas, obtido alguns resultados, mas não conseguido iniciar uma transformação real. Se esse tipo de falha se anexar ao nome do lean e continuarmos a confundir as ferramentas com o pensamento subjacente, então o movimento pode estar sob ameaça.

Esse não é um problema, desde que o movimento que o substitua tenha as mesmas ideias e pensamentos em seu núcleo. Há um risco, no entanto, que isso não aconteça, e é por isso que precisamos definir o lean corretamente, explicá-lo e encontrar exemplos com os quais as pessoas possam aprender. Ao olhar para o mundo para encontrar mais e mais modelos de referência, devemos manter uma mente aberta e desenvolver sinergias com pessoas, organizações e movimentos que compartilhem nossa mesma consciência sobre os problemas – não importa a que “comunidade” eles pertençam. E isso, como um desafio, é bastante emocionante.

Publicado em 20/02/2017

Autor

John Shook
Presidente da Lean Global Network, Senior Advisor do Lean Enterprise Institute, Estados Unidos
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal