GERAL

O que é o trabalho padrão do líder?

Michael Ballé

Caro Gemba Coach,

Existe um trabalho padrão do líder? E, caso positivo, o que é?

Essa é uma pergunta muito frequente – e muito estranha –, e preciso confessar que não tenho muita certeza de como respondê-la. Se vamos entrar nesse tópico, você precisará me acompanhar enquanto eu esclareço alguns termos:

• O que queremos dizer por trabalho padrão? (Vou supor aqui que trabalho padrão seja a abreviação de trabalho padronizado).

• Qual é o trabalho de um líder?

Trabalho padrão é muitas vezes interpretado como instruções de trabalho – e às vezes até parece –, mas o pensamento por trás dos dois conceitos são muito diferentes. Quando todas essas ideias apareceram, Taiichi Ohno e outros engenheiros que estavam montando o Sistema Toyota de Produção tiveram algumas ideias contraintuitivas:

• Burocratas focados em corte de custos naturalmente acham que faz sentido produzir internamente todas as peças de alto volume para reduzir o custo direto por peça e terceirizar as peças de baixo volume aos fornecedores. Mas o pessoal lean achava que deveria fazer o oposto: produzir as de baixo volume e alta variedade e terceirizar as de alto volume. O alto custo unitário das peças de baixo volume colocaria pressão sobre os engenheiros da Toyota para fazer kaizen e encontrar maneiras de reduzir custos, enquanto permitir aos fornecedores fazer as peças de alto volume também, no final, forneceria uma vantagem no custo.

• Peças de baixo volume naturalmente precisavam de artesãos experientes, mas os mesmos engenheiros pensaram que todas as peças deveriam ser feitas por operadores regulares para acabar com o gargalo que os artesãos tinham nas lojas, o que desacelerava o desenvolvimento da produção just-in-time.

O primeiro passo do kaizen

Com a intenção de trabalhar com colaboradores regulares para produzir a um custo baixo um mix de alta variedade e baixo volume, os primeiros pensadores lean da Toyota tiveram a ideia de trabalho padrão (ou trabalho padronizado): a sequência escrita dos passos necessários para fazer o trabalho dentro do tempo takt. O trabalho padrão não foi pensado como instruções de trabalho – algo que todos deveriam saber de cor –, mas como o primeiro passo do kaizen para melhorar progressivamente a usinagem até qualquer colaborador pudesse alcançar a qualidade dentro do tempo takt.

A sequência de passos foi exibida em todos os lugares para que os operadores comparassem a forma como faziam as peças com a norma, enxergassem os problemas e trabalhassem com a equipe para corrigi-los. Gráficos de trabalho padrão não deveriam permanecer em um só lugar; Ohno lembrou mais tarde de ter dito às pessoas que elas não ganhariam seus salários se deixassem o trabalho padronizado inalterado durante um mês inteiro. O trabalho padrão realmente tinha a ver com kaizen. Você começa adotando um padrão, qualquer um, e, em seguida, faz uma melhoria após a outra por tentativa e erro.

Por essa perspectiva, o trabalho padrão é mais específico para a produção. Ele pode ser aplicado ao trabalho do líder?

O que os líderes fazem?

Qual é o trabalho dos líderes afinal? John Kotter famosamente argumentou em um artigo da HBR sobre o que os líderes realmente fazem: “Eles não fazem planos; eles não solucionam problemas; eles nem sequer organizam as pessoas. O que os líderes realmente fazem é preparar as organizações para a mudança e ajudá-las a lidar com as dificuldades enquanto batalham com elas”. A gestão, ele diz, está lidando com a complexidade. A liderança, em contraste, está lidando com a mudança. Em outras palavras, os líderes fazem escolhas, enquanto os gerentes tomam decisões.

É difícil enxergar como o trabalho padrão pode ser aplicado à liderança? Mas, para argumentar, existe uma sequência de passos que poderiam ajudar um líder a comparar como fazem escolhas com a forma ideal de fazê-las?

Estranhamente – pode haver. Na tradição lean, Fujio Cho é muitas vezes citado:

1. Sempre pense no cliente em primeiro lugar.

2. Vá e veja em primeira mão.

3. Pergunte “por quê?” cinco vezes.

4. Demonstre respeito.

Recentemente, testemunhei uma discussão de diretoria na qual o problema era como lidar com um subcontratado que continuava entregando qualidade abaixo da esperada. Não surpreendentemente, a conversa seguiu de diferentes formas para colocar pressão no fornecedor para entregar melhor qualidade – foram discutidas penalidades, ir diretamente ao CEO do fornecedor e reclamar ou fazer com que a área de compras trocasse de fornecedor e assim por diante.

Em certo ponto, o líder parou a discussão e decidiu realmente ir e ver em primeira mão. O que ele descobriu realmente o chocou. A área de compras havia negociado uma taxa tão baixa com o subcontratado que ele não estava ganhando nenhum dinheiro e, portanto, não estava empregando pessoal suficiente para fazer o trabalho corretamente. Além disso, as penalidades por qualidade já eram aplicadas, tornando ainda mais difícil para o fornecedor alcançar a qualidade necessária. O CEO do fornecedor havia tentado falar sobre esse problema diversas vezes, mas a área de compras não deixava que ele falasse com qualquer outra pessoa da empresa.

Claro, havia muitas coisas que poderiam ser feitas para melhorar: para começar, um melhor treinamento dos colaboradores do subcontratado, mas isso tomaria o tempo da produção – o círculo vicioso continuou. Além disse, por ter sido muito pressionada nos últimos anos, a gestão do fornecedor estava extremamente desconfiada de qualquer proposta da gestão operacional – eles achavam que o cliente estava simplesmente procurando novas formas de ferrar com eles. A primeira coisa que o líder teve de fazer foi aliviar as penalidades – apesar de a qualidade ainda estar ruim. A segunda foi ter uma luta política com a área de compras sobre o que era melhor para os clientes.

Liderança reforçada

Então o trabalho padrão lean de pensar nos clientes em primeiro lugar, ir e ver, perguntar “por quê?” e mostrar respeito ajuda? Na verdade, sim, funciona igual ao trabalho padronizado na usinagem. Ao ter esse padrão em mente, o líder e sua equipe enxergaram a situação de forma diferente da discussão original na sala de reuniões. Ao comparar como estavam fazendo sua escolha gerencial com o padrão do líder lean, a equipe enxergou lacunas em sua própria abordagem e corrigiu-as.

Entendo que isso provavelmente não é o que as pessoas que mencionaram trabalho padrão do líder tinham em mente, e, de fato, pode-se focar mais em ferramentas:

1. Sempre pense no cliente em primeiro lugar: quais são os indicadores de qualidade e entrega que mostram isso?

2. Vá e veja em primeira mão: verifique o sistema de gestão visual para enxergar melhor o gemba (sistema puxado, andon, quadros de análise da produção etc.).

3. Pergunte “por quê?” cinco vezes: desenvolva a solução de problemas através do A3, do 4M e assim por diante.

4. Demonstre respeito: mostre interesse nos 5S, nos esforços kaizen e nas sugestões individuais das equipes e ajude as pessoas nos obstáculos que encontrarem.

Apesar de “líder” e “trabalho padrão” parecerem não se misturar facilmente, conduzir o experimento mental é, em si próprio, muito valioso e estimulante! Certamente, no exemplo anterior do gemba, o trabalho padrão do líder levou a equipe de liderança a mudar sua abordagem ao fornecedor – e, ao fazer isso, reforçou sua habilidade de liderança.

Publicado em 06/09/2016

Autor

Michael Ballé
Autor lean, executivo coach e cofundador do Institut Lean France.
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal