SAÚDE

Desenvolvimento de liderança na área da saúde

Alice Lee
Após praticar lean na área da saúde por mais de uma década, passei a acreditar que mudar os comportamentos – embora seja difícil em todos os lugares – é especialmente desafiador nessa indústria.

Os profissionais da área são indivíduos altamente qualificados que trabalham em uma cultura que recompensa o pensamento independente. Devido aos altos riscos que os erros causam, os líderes promovem um ambiente que desestimula os riscos onde “soluções” conhecidas são utilizadas. A necessidade por certeza e confiabilidade os pressiona a agirem defensivamente e, muitas vezes, sem investigação ou colaboração.

E, ainda assim, temos agora muita evidência sugerindo que o pensamento lean pode nos ajudar a mudar muitos desses comportamentos. Vi muitos exemplos de médicos e executivos da área – ambos tendem a ter uma “abordagem de especialista” – assumindo os princípios lean e tornando-se ótimos líderes lean.

Mas quais são os atributos de um líder lean e quais são suas diferenças quanto ao líder tradicional? A seguinte tabela pode ajudar a traçar essa comparação:

Tabela

Se quisermos que todos em nossa organização solucionem problemas todos os dias, devemos fazer a transição de um estilo tradicional de comando e controle da liderança para um que alimente um ambiente de aprendizagem onde os erros sejam reconhecidos, e os problemas, expostos, sem medo de ser culpado. Embora desafiador, isso é absolutamente necessário.

Mas por onde começar?

As transformações lean começam com transformações pessoais. Você não pode mudar a cultura organizacional sem antes ajudar os líderes a mudar como enxergam seu papel. Claro, não é possível mudar como os líderes pensam diretamente; em vez disso, deve-se criar condições favoráveis que catalisem a mudança de mentalidade e permitam que o pensamento e a prática lean se tornem um hábito no local de trabalho.

Em minha experiência, essa mudança requer experimentações repetidas, reflexão e muitos ajustes. O pensamento e a prática lean disciplinados nos obrigam a refletir profundamente sobre como podemos melhorar uma situação, nossa organização e, claro, nós mesmos. Antes de tudo, lean é um caminho para o autoaperfeiçoamento.

Com tempo, conforme os líderes passam por transformações pessoais, eles começam a mudar seu pensamento e seu entendimento quanto a seu papel, passando a promover e desenvolver a habilidade das pessoas de pensar de forma diferente para solucionar problemas de longa data.

O líder transformado aprende que não há atalho para isso e começa a apoiar ciclos iterativos de experimentação para analisar os problemas a fundo. Eles encorajam a adaptação de ideias às circunstâncias da organização e rejeitam a ideia de que os princípios e as técnicas devem ser aplicados da mesma forma em todas as situações ou, pior, puxados como uma solução pronta imposta às pessoas. Eles lutam para criar um sistema de gestão que possa ajustar às condições imprevisíveis e dinâmicas e apoiar seu pessoal na melhoria de seu trabalho todos os dias e na criação de valor.

Há muitas condições favoráveis que encorajam os líderes a mudar seus comportamentos e mentalidade, o que, por sua vez, os ajuda a apoiar melhor a transformação lean da empresa. Aqui estão algumas delas:

1) Conheça seu “público”

Você não pode engajar pessoas diferentes da mesma forma. Muitas vezes, vi abordagens ao treinamento falhando miseravelmente enquanto as organizações conduziam eventos ou treinavam líderes nas reuniões rápidas simplesmente assumindo que todos compartilham problemas similares e pensam da mesma forma. Na verdade, é muito raro encontrar um problema com que todos se preocupam da mesma forma.

É por isso que uma abordagem individualizada e customizada com base nas necessidades, nas mentalidades, nas tendências e nos problemas de cada um é uma forma poderosa de criar as condições certas para que o lean se enraíze. O engajamento um a um é a abordagem mais efetiva, dada a necessidade de ajustá-la ao contexto situacional do líder enquanto aprendiz (assim como os desafios específicos que eles enfrentam), mas todos os esforços para relacionar o ensino ao público importam. Engajar indivíduos nas coisas com as quais se preocupam é um bom começo, por exemplo, e faz com que as pessoas se abram ao lean – descobri isso em um de meus antigos empregos, onde um desafio inicial era entender por que os líderes resistiam em ir ao local de trabalho. Os motivos para eles não quererem observar variavam e influenciavam a abordagem que usei para engajá-los em sua aprendizagem:

• Eles sentiam que estava abaixo deles.

• Eles achavam que já entendiam os processos.

• Eles não queriam expor suas fraquezas ou passarem vergonha pelo que não sabiam.

• Eles tinham medo de quebrar a “cadeia de comando” ao microgerenciar colaboradores e supervisores.

A chave é entender com o que cada pessoa ou grupo de interessados se preocupa e ajustar a suas necessidades para que eles possam aprender em seu próprio ritmo. Formas de sucesso para engajar pessoas são, por exemplo, fazer uma parceria com médicos e outros clínicos para fazer pesquisas quanto à melhoria do processo ou encorajá-los a documentar a melhoria que possa ser alvo de publicação de uma revisa de medicina.

2) Sem tempo para melhorias (= sem melhorias)

Quantas vezes ouvimos de nossos líderes que eles são muito ocupados para participarem em atividades de melhorias, seja aprendizagens, ir e ver ou coaching? Para enfrentar esse desafio, meu experimento inicial era apenas levar os líderes ao gemba sem adicionar mais tempo a suas já lotadas agendas: comecei integrando o pensamento de melhorias e a aprendizagem nas atividades atuais.

Outras oportunidades para construir as atividades de “ir ver” dentro das agendas atuais eram relocar as sessões de tomada de decisões. Um exemplo que me vem à mente: um CFO e outros executivos haviam negado arcar com um exaustor de laboratório por muitos anos. Quando aprenderam sobre lean, um dos executivos do comitê de orçamentos sugeriu que fossem ver o problema para entender melhor o pedido no contexto. Quando entraram no laboratório, foram atingidos por fumaça e decidiram na hora aprovar o investimento! Essa é uma ótima forma de fornecer atividades no gemba aos líderes que estão somente envolvidos em seu trabalho real e de oferecer coaching just-in-time para conectar o que eles enxergavam com sua capacidade (agora) informada de tomada de decisões.

3) Crie um movimento

Um líder é mais efetivo quando entende os desafios diários de seu pessoal. Você cria influência na transformação com cada líder engajado que aplica seu aprendizado, especialmente quando desenvolvem uma insatisfação construtiva com o status quo e querem aprender como podem ser mais efetivos e ajudar a solucionar os problemas de longa data.

Por exemplo, um grande grupo de interessados nas organizações da área da saúde é representado pelas enfermeiras. Uma forma efetiva de engajar esse grupo-chave em uma transformação lean é ajudando-o a fazer melhor seus trabalhos. As enfermeiras compreendem aproximadamente 25% de toda a força de trabalho de muitas organizações da área e estão em todas as áreas, incluindo administração, pesquisa e, claro, áreas clínicas. Engajá-las pode ter um impacto significativo em seus esforços de melhoria lean.

4) Não se frustre pelas frequentes trocas de executivos-chefes

As organizações costumam ter planos de sucessão para os principais líderes para garantir transições mais suaves. Então, por que não ter um plano de sucessão em sua transformação lean para quando líderes (lean) e outros pensadores influentes da organização trocarem de emprego ou se aposentarem?

O mandato dos executivos-chefes é muito instável (pelo menos aqui, nos Estados Unidos). Dadas as frequentes trocas e a probabilidade de que isso possa impactar negativamente no momentum lean que o resto da organização está aproveitando, é prudente ter um foco estratégico nos médicos e outros clínicos, como as enfermeiras. A força de trabalho clínica representa uma grande porcentagem da população do sistema – uma população estável; se engajada no lean, tem o poder de garantir que o ímpeto não se perca se e quando os líderes não estiverem mais lá.

Eu pessoalmente experimentei e testemunhei muito mais organizações começando com indivíduos determinados e apaixonados na gestão média do que no topo. Afinal, essas são as pessoas mais próximas do paciente, e ninguém entende a urgência de melhorar mais do que elas. Esse “movimento clandestino” cria exemplos de como é melhorar e inicia o impulso para a mudança, tanto no trabalho quanto na forma como os líderes pensam sobre o trabalho (até líderes novos na organização). Essa é uma plataforma para a mudança que pode ser alavancada com foco adicional na liderança e em seu papel em um esforço complete de transformação agora que os líderes entendem o poder de engajar pessoas – seu recurso mais valioso – e passam de melhorias locais para alinhar o esforço e melhorar o negócio como um todo.

Há poucas atividades que podem apoiar a continuidade de seus esforços lean. Uma delas é, por exemplo, capturar histórias de melhoria, mesmo antes de saber como terminam. O que está acontecendo? O que você tentará? O que você aprendeu? Conforme você documenta o desenvolvimento da história, pode não ficar imediatamente aparente quais são as grandes lições e como você pode aplicá-las a seu pensamento, mas a informação que você coletar pode se um tornar importante dado para reflexão e oferecer muito material de aprendizagem conforme você continua desenvolvendo as mentalidades e os comportamentos dos líderes e sua própria aprendizagem.

UM ÚLTIMO PENSAMENTO

Essas são apenas algumas importantes lições que aprendi nesses anos através de tentativa e erro sobre como engajar líderes na aprendizagem do lean em no complexo ambiente da área da saúde.

Nunca há apenas uma forma, claro, mas espero que o conselho prático fornecido aqui possa ajudá-lo a pensar em uma abordagem que funcione para enfrentar seus próprios desafios.

Publicado em 05/07/2016

Autor

Alice Lee
Diretora Executiva do Lean Enterprise Institute, Estados Unidos
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal