MANUFATURA

Não se esqueça de que a casa da Toyota tem dois pilares, não um

Mike Hoseus
Não se esqueça de que a casa da Toyota tem dois pilares, não um
ENTREVISTA – Mike Hoseus reflete sobre seu tempo na Toyota e em como a dimensão do pensamento lean de respeito pelas pessoas é muitas vezes negligenciada, e tendemos a focar apenas na melhoria contínua. As duas precisam andar juntos ou sua casa entrará em colapso.

Entrevistado: Mike Hoseus, diretor executivo, centro de pessoas e organizações de qualidade.

Roberto Priolo: Você trabalhou como gerente geral da Toyota em Kentucky nas áreas de produção e RH. Qual é o papel do RH em uma transformação lean?

Mike Hoseus: Antes de responder essa pergunta, precisamos falar sobre o que é uma transformação lean ou até mesmo sobre o que é o lean. Há muitas definições e conotações por aí – infelizmente, a maioria delas veem o lean como um conjunto de ferramentas, um projeto ou um evento de melhoria rápida. Claro que não é. Lean é cultura, um sistema de gestão empresarial. Com o passar do tempo, aprendi a ver e a ensinar lean com base nos quatro P – propósito, processo, pessoas e solução de problemas –, o que amplia o entendimento e a definição das pessoas quanto a o que o lean é.

O mesmo acontece com o RH e seu papel em uma transformação. Limite a definição de RH a um papel administrativo, e você não irá longe. Amplie essa definição, entretanto, e as coisas começarão a mudar. Olhe para o propósito, e o RH se tornará o parceiro estratégico que deveria ser, facilitando nossa busca pelo norte verdadeiro; olhe para o processo, e desejaremos que o RH seja um parceiro do negócio (para isso, eles precisam entender o negócio e o lean!); olhe para as pessoas, e o RH assume o papel de verificação e equilíbrio, defendendo o membro da equipe e seu desenvolvimento de capacidades. Por fim, queremos que o RH seja parte de nossos esforços para transformar as pessoas em solucionadoras de problemas, mas, mais importante, queremos que elas apliquem o lean em seu próprio trabalho. Essa é uma visão muito mais ampla e abrangente sobre como o departamento de RH pode contribuir em uma jornada lean do que a que tradicionalmente temos.

RP:Você pode me dar um exemplo de como seu tempo na Toyota o ajudou a desenvolver seu entendimento quanto ao papel da gestão em uma transformação?

MH: Após dois anos como líder de grupo, trabalhando todo dia para identificar e solucionar problemas, participando de círculos de qualidade e observando, vendo o trabalho e melhorando-o cada vez mais, chegamos a um ponto onde estávamos próximos de alcançar zero em muitos de nossos indicadores. Em alguns deles, realmente estávamos lá. Tínhamos zero defeito e zero incidente, por exemplo. Todo o nosso quadro estava verde.

Eu tinha um grande sorriso em meu rosto, como você pode imaginar, mas não demorou muito para que meu treinador sênior japonês viesse ao gemba e me levasse à minha parede. Ele disse: “vejo que sua linha está correndo bem”. Esse era o reconhecimento e a celebração, aprendi depois. “E agora?”, ele perguntou. Fui pego de surpresa e imediatamente pensei: “agora eu descanso!”. Eu havia atingido o zero, afinal de contas. “Mike-san, você não tem problemas aqui… e esse é um grande problema!”. Sempre há espaço para melhorias, ele me disse. Meu treinador me encorajou a ir mais fundo até finalmente me desafiar a ser o coach de nossos líderes e membros de equipe em um esforço para eliminar um de nossos vinte processos através da identificação de trabalhos que não agregassem valor.

Foi então que aprendi qual era o meu papel. Pensei que fosse deixar meu quadro verde, mas não era. Era criar um exército de solucionadores de problemas.

RP: Se você tivesse de me dizer um traço diferencial da cultura organizacional da Toyota, aquele que a separa de todo o resto, o que seria?

MH: Confiança e respeito, que são definidos e vividos de muitas formas diferentes na Toyota, são os traços que me impressionam mais. Nosso propósito como organizações não deveria ser o lucro. Precisamos dele, mas não é o fim. O lucro é importante por permitir a prosperidade no longo prazo de colaboradores, fornecedores e da comunidade, e isso é respeito em sua maior definição. No nível da linha de frente, o respeito pelas pessoas é revelado através da liderança serva.

Na verdade, a casa da Toyota tem dois pilares: melhoria contínua e respeito pelas pessoas. Muitos praticantes focam no primeiro e tendem a negligenciar o segundo, o que normalmente faz com que a casa desmorone. Os dois precisam andar de mãos dadas.

RP: Parece agora haver um claro entendimento de que a chave para uma transformação de sucesso e duradoura é a habilidade de conectar a estratégia da empresa com as atividades diárias. Infelizmente, é nesse momento que as coisas costumam dar errado. Quais são suas recomendações?

MH:No desdobramento da estratégia é, de fato, onde muitas organizações fracassam. Essa é uma das instâncias nas quais a diferença entre a gestão por objetivos e a gestão lean fica mais evidente. A gestão por objetivos é inteiramente baseada em resultados (consiga a porcentagem, não importa como), enquanto hoshin tem a ver com desenvolver capacidades para fazer os processos e as atividades que nos levarão até lá através de PDCA contínuo. A maiorias das empresas não entende isso, mas, no hoshin, os resultados devem ser vistos como um efeito colateral.

Um dos problemas mais comuns com o desdobramento da estratégia é nosso fracasso em conectar a avaliação de quão bem estamos fazendo nosso trabalho diário. Para fazer isso, precisamos de um sistema de gestão diária – um que envolva a empresa inteira, não apenas as operações. Acho importante colocar regularmente o máximo de informações sobre o trabalho diário em quadros visuais, evitando perder de vista o que está acontecendo e ter de se virar para encontrar os dados dos quais precisamos duas semanas antes de nossa avaliação trimestral. Hoshin é mais efetivo quando conseguimos ligar os processos e as atividades que desenvolvemos com o trabalho diário de todos. Então, todos saberão as metas e como chegar lá. Depois, poderemos identificar e trabalhar nas lacunas como uma equipe e fazer progresso diário em direção às metas no longo prazo.

Publicado em 03/06/2016

Autor

Mike Hoseus
Diretor Executivo da Center for Quality People & Organizations (CQPO)
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal