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Os ingredientes de uma cultura lean

David Mann
Os ingredientes de uma cultura lean
– O Planet Lean fala com David Mann sobre a importância de combinar a produção lean e os sistemas lean de gestão – as ferramentas e a cultura – para criar resultados sustentáveis.

Roberto Priolo: Você passou muitos anos na Steelcase Inc. criando um sistema lean de gestão – o que você aprendeu em seu tempo lá?

David Mann: A Steelcase é uma empresa de móveis caracterizada por uma alta variedade de volumes e produtos. Nossos primeiros experimentos com lean aconteceram nos anos 90 com a ajuda de especialistas da Toyota – nós queríamos ver se os princípios que eram tão bem aplicados à fabricação de alto volume e baixa variação, como o setor automotivo, poderiam funcionar em outros ambientes.

Na Steelcase, aplicamos o lean em um fluxo de valor completo, de ponta a ponta, por vez (ao invés de focar em melhorias por kaizen). Após o estudo e o projeto, o pessoal da manutenção implementou os arranjos necessários no chão de fábrica em três dias, desde a produção por lote e fila na quinta até a produção puxada lean na segunda. Foi dramático!

Infelizmente, entretanto, no dia após a equipe do projeto sair, aquelas aplicações lean bem projetadas desmoronaram. Aprendemos que os supervisores não sabiam como gerenciar em um ambiente lean, e eles imediatamente voltaram a fazer as coisas da forma como tinham sempre feito. Percebemos rapidamente que havíamos falhado em ensinar os líderes como liderar de forma diferente.


Aprendi que o lean [...] requer uma abordagem fundamentalmente diferente à gestão de uma organização


Foi assim que aprendi que o lean vai muito além de apenas um monte de ferramentas, mas requer uma abordagem fundamentalmente diferente à gestão de uma organização.

A Steelcase mudou sua abordagem e focou em criar um sistema lean de gestão para complementar o sistema lean de produção, que já existia. Isso tornou os resultados sustentáveis e estimulou o desenvolvimento de uma cultura de melhoria contínua. Por meio de tentativa e erro por muitos anos, aprendemos como sustentar os sucessos lean. Foi uma experiência muito valiosa para mim.

RP: A sinergia entre os dois sistemas, ou as ferramentas e a cultura se você preferir, eventualmente o levou a escrever o livro “Creating a Lean Culture”. Você poderia falar sobre como os dois sistemas se reforçam?

DM: Eles são interdependentes: o sistema de produção não se sustenta sem o sistema de gestão, e, sem os ganhos do sistema de produção, o sistema de gestão é insignificante e nada mais do que burocracia.


Sem a gestão lean, a produção lean é apenas outro programa cujos ganhos surgem, mas rapidamente desaparecem


A sequência de implementação dos dois sistemas é também muito importante. Veja o kaizen como exemplo. Seus benefícios são percebidos imediatamente pelo pessoal da linha de frente e pelos líderes no sistema de produção. A proposição de valor pela gestão lean é que sustentará esses ganhos. Dessa forma, o sistema de gestão tem significado para as linhas de frente. Sem a gestão lean, a produção lean é apenas outro programa cujos ganhos surgem, mas rapidamente desaparecem. Então aprendemos a conectar imediatamente a produção lean à gestão lean, para que o último passo de um kaizen coincida com o primeiro passo de um sistema de gestão – criando controle visual, que, por sua vez, lhe permite expor os problemas e solucioná-los imediatamente.

Para que isso aconteça, entretanto, você precisa de um processo de responsabilidade: você está capturando os problemas com o controle visual que os operadores reportam (muitos dos quais você não conhece), e é sua obrigação como líder solucioná-los. Isso é responsabilidade: análise das causas e ações corretivas, seguidas pela criação de trabalho padronizado do líder.

As práticas do sistema de gestão sustentam os ganhos do lean e evidenciam mais problemas que estejam escondidos embaixo daquele que incentivou a implementação lean em primeiro lugar. Mas, se não puder dizer às pessoas por que essas mudanças serão boas para elas, você não irá a lugar algum. Se o único motivo para melhorar é a conformidade, os ganhos não serão sustentados.

RP: Em seu livro, você ajuda líderes organizacionais a transformarem suas abordagens à gestão, fornecendo-lhes a melhor forma para adotar as práticas lean. A meta é, como discutimos, a criação de um sistema de gestão. Por que há tantas transformações fracassadas em sua opinião?

DM: É quase como um Pareto reverso: 20% do esforço de uma transformação lean de sucesso é gasto com a utilização de ferramentas, enquanto 80%, com a mudança da forma como os líderes pensam e de suas práticas de gestão.


O problema é que mudar a mentalidade é difícil


O problema é que mudar a mentalidade é difícil. As práticas em si são simples, mas se livrar dos hábitos não é. É por isso que tantas transformações lean falham. Os comportamentos tradicionais têm levado gerentes ao sucesso ao longo de suas carreiras, e agora estamos pedindo-lhes que mudem esses comportamentos. A menos que esses novos comportamentos (os do sistema de gestão) sejam consistentemente reforçados, as pessoas rapidamente voltarão à forma como sempre fizeram.

RP: Na próxima conferência sobre gestão lean, na Polônia, você falará sobre as dificuldades de “traduzir” os princípios lean em outros ambientes que não a manufatura. Há agora evidência sólida de que a metodologia funciona em qualquer ambiente, mas talvez você possa nos dizer o que devemos procurar quando tentamos aplicar o lean em um trabalho especializado.

DM: O lean na manufatura é, de muitas formas, divertido, mas, para mim, as aplicações do lean em escritórios ou em ambientes técnico-profissionais são muito mais interessantes, por causa da complexidade organizacional envolvida.

Pense na estrutura organizacional em uma fábrica. Você tem muitas funções (abastecimento, logística, engenharia e assim por diante), e suas responsabilidades estão nas mãos de executivos que ficam em outras partes da organização. Mas, quando você pergunta às pessoas na fábrica quem está no comando, ninguém hesitará em dizer-lhe que é o gerente da planta. Propriedade e responsabilidade singulares pelo desempenho são claramente mensuráveis em um ambiente de manufatura.

Inversamente, um fluxo de valor administrativo não é uma função em si, mas um processo do negócio que cruza as funções (não aparece em gráficos organizacionais, não tem dono, não tem orçamento etc.). As funções estão, muitas vezes, competindo entre elas, e, quando você pede aos gerentes funcionais que façam algo diferente que sirva como um processo de negócio interfuncional, você recebe relutância como resposta.

Entre no mundo dos clientes, entretanto, e o fluxo de valor é tudo que você verá, novamente cruzando todas as funções. Infelizmente, as únicas pessoas do fluxo de valor às quais os clientes têm acesso (no caso de um problema, por exemplo) são normalmente os representantes do serviço ao cliente – e todos nós sabemos como geralmente acontece. Não há influência entre as funções.

Se você vai fazer um trabalho administrativo lean de forma a mudar o valor que é fornecido ao cliente, você precisa lidar com a visão de processo de uma organização funcional (sem mudar qualquer relacionamento com os subordinados!) e construir responsabilidade no processo.

Falarei sobre isso em mais detalhes em uma de minhas apresentações na Polônia, mas, em geral, o que descobrimos é que a maioria das mudanças nessas atividades de melhoria do processo acontece entre os quadros de processo, o que faz com que a ênfase no alinhamento funcional seja muito importante.

RP: Qual é o papel da comunicação em uma transformação lean?


Você precisa encontrar formas de “vender” o lean às pessoas


DM: Você precisa encontrar formas de “vender” o lean às pessoas, o que torna a comunicação crítica. Quando você pede às pessoas que façam algo de forma diferente, elas imediatamente se perguntam: o que está em jogo para mim? Convencê-los sobre o valor da mudança lean depende do reconhecimento de quais são os interesses deles e como fazer algo de forma diferente servirá a esses interesses. Como essa mudança ou melhoria fará o dia de trabalho deles melhor?

É interessante notar que a mesma proposição de valor é crítica para engajar executivos no lean, não os ensinando a ser praticantes, mas lhes mostrando como dominar a avaliação dos elementos de um sistema lean de gestão.

Ensine líderes a determinar se o sistema de gestão está funcionando, e eles saberão se o sistema de produção também está funcionando. Se eu puder fazer uma caminhada pelo gemba e avaliar em trinta minutos se o sistema de gestão está em boa forma ou não, saberei imediatamente se há fraquezas na cadeia de comando e se minha estratégia lean está sendo implementada com sucesso.

Publicado em 28/04/2016

Autor

David Mann
Autor de Criando uma Cultura Enxuta, Ph.D. em psicólogia e diretor da David Mann Lean Consulting
Planet Lean - The Lean Global Networdk Journal